Apesar da máquina, Nunes enfrenta direita rachada e flerta com o risco de ficar fora do 2º turno


Mesmo tendo como cabo eleitoral o governador Tarcísio de Freitas e o apoio, sem grande convicção, de Jair Bolsonaro, prefeito chega às urnas neste domingo enfrentando o cenário que mais temia: apesar do comando da máquina, ele pode ser vítima da fragmentação da direita

Por Bianca Gomes
Atualização:

No fim de 2022, enquanto o País ainda digeria os efeitos da eleição presidencial mais acirrada de sua história, Ricardo Nunes (MDB) já se movimentava nos bastidores para assegurar o apoio do PL e do recém-eleito governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) à sua reeleição. A articulação, considerada precipitada por alguns aliados, foi motivada por um receio que tirava o sono do prefeito: a possível fragmentação da direita na capital paulista.

Apesar de ter conquistado o apoio de Tarcísio, do PL e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — com quem viveu entre “tapas e beijos” nos últimos meses, como definiu um aliado —, Nunes chega ao dia da eleição exatamente no cenário que mais temia: dividindo os votos da direita com o ex-coach Pablo Marçal (PRTB) e sob o risco de ficar fora do segundo turno. Sem conseguir atrair o eleitorado bolsonarista raiz, Nunes se manteve competitivo até agora graças ao latifúndio no horário eleitoral e à aposta na sua gestão, o que garantiu apoio na periferia e, ironicamente, uma parcela dos votos lulistas. Resta saber se será suficiente.

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O prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB) Foto: Werther Santana/Estadão

Nunes chega a este 6 de outubro sem a vantagem que previa em relação aos adversários. Ele esperava estar pelo menos 10 pontos à frente de Marçal e Boulos nas últimas pesquisas. Mas tanto o Datafolha quanto a Quaest mostram um empate técnico entre os três. Nos bastidores, os estrategistas do prefeito já reconhecem alguns tropeços. Subestimar Pablo Marçal, tratado inicialmente como um “candidato folclórico”, foi um deles.

Aliados do emedebista lembram que, em maio, quando Marçal marcava apenas um dígito nos levantamentos dos principais institutos, sua candidatura era motivo de chacota em reuniões da pré-campanha. No fim de agosto, o jogo mudou: Marçal saltou sete pontos no Datafolha, e a campanha entrou em curto-circuito. “Todo mundo queria derrubar todo mundo”, relembra um membro do alto escalão. Foi o momento mais crítico da candidatura de Nunes. Só com o início do horário eleitoral gratuito é que o entorno do prefeito voltou a respirar sem a ajuda de aparelhos.

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Mas o maior erro, na visão de pessoas próximas ao prefeito, foi ter demorado a entrar de vez no digital. A estruturação das redes sociais só ocorreu de fato no último mês, quando Marçal já nadava de braçada nesse universo. Com o fim do horário eleitoral e a proibição de novos impulsionamentos, os últimos três dias de campanha foram marcados por tensão no QG. A preocupação maior era que Marçal se aproveitasse do vácuo digital para ganhar força nessa reta final. O influenciador teve suas redes tiradas do ar após publicar um laudo médico falso para acusar Guilherme Boulos de ter sido internado por uso de cocaína. A polêmica acabou jogando os holofotes sobre o ex-coach e Boulos, deixando Nunes a reboque.

O fantasma do B.O. de Regina

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Outra preocupação que voltou a assombrar a campanha nos últimos dias foi o boletim de ocorrência por suposta ameaça e violência doméstica registrado por sua esposa, Regina, há mais de uma década. O tema nunca saiu do radar da equipe e era constantemente abordado nas sessões de media training. Embora reconhecessem a fragilidade do caso e o potencial de desgaste, os assessores de Nunes não conseguiram, ao longo da campanha, formular uma resposta que convencesse a opinião pública. Isso porque Nunes se recusou a contrariar a versão de Regina, segundo a qual não se lembra de ter registrado o boletim de ocorrência.

Em algumas ocasiões, ao ser questionado sobre o assunto, o prefeito optou por não responder. Essa falta de posicionamento acabou abrindo espaço para que Marçal e Boulos explorassem o tema nos últimos debates, gerando ainda mais desgaste para sua imagem na reta final da campanha. Nunes só conseguiu verbalizar a resposta defendida por seus assessores no último debate, da TV Globo, quando, em suas considerações finais, afirmou que houve um desentendimento com a esposa, sem agressão física, e que a discussão ocorreu por telefone e mensagem. A campanha comemorou a fala, mas há quem avalie que a reação veio tarde demais.

Nunes apelou, em várias ocasiões, para que adversários não abordassem temas da esfera familiar. Em determinado momento, chegou ao conhecimento da campanha a informação de que, a pedido do presidente Lula, Boulos teria se comprometido a evitar menções à família do prefeito. O filho mais novo de Lula enfrentou acusações de agressões físicas e psicológicas feitas pela ex-namorada, classificadas pela defesa dele como “fantasiosas”.

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Um aliado do prefeito conta que Nunes acreditou por um tempo que sua família seria poupada pelos concorrentes— o que não se confirmou nas últimas semanas. Uma ala da campanha chegou a sugerir que Nunes endurecesse o discurso contra Boulos, mencionando, por exemplo, o episódio envolvendo o filho do presidente e a reportagem do UOL que revelou a compra de um imóvel do Minha Casa, Minha Vida pela esposa do líder sem-teto. Mas o prefeito vetou qualquer tentativa de explorar temas pessoais, insistindo que há limites éticos em uma disputa eleitoral. “Perco a eleição, mas não faço isso”, teria dito ele. Para alguns correligionários, se o prefeito não avançar para o segundo turno, o motivo será o boletim de ocorrência.

Operação equilibrista

Desde o início, a campanha de Nunes apostou na gestão do prefeito e na capilaridade dos vereadores de sua coligação para impulsionar sua candidatura. A estratégia nunca foi rotulá-lo como o “candidato de Bolsonaro”, mas, sim, como um nome que representa uma ampla coligação, que inclui até partidos de centro-esquerda. Embora o apoio de Bolsonaro tenha garantido o PL na chapa e, por consequência, um valioso tempo de TV, a preocupação dos estrategistas de Nunes era de que uma associação excessiva ao ex-presidente pudesse contaminar a imagem do prefeito, dada a alta rejeição de Bolsonaro na cidade.

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Nunes precisou agir como um equilibrista ao longo da campanha, dividindo-se entre gestos de gratidão a Bolsonaro e a tentativa de manter certa distância do bolsonarismo — a ponto de definir-se como “ricardista”, o que irritou o núcleo duro do ex-presidente.

O veredito sobre o sucesso da estratégia de Nunes sai neste domingo, mas a campanha foi bem-sucedida em consolidar algumas marcas. A Tarifa Zero, o programa de recapeamento e a faixa exclusiva para motociclistas são iniciativas lembradas de forma positiva e espontânea em pesquisas qualitativas. Alguns analistas consideram, no entanto, que faltou o prefeito contar sobre as suas entregas em duas áreas que estão no topo da lista de preocupações do paulistano: a segurança e saúde.

O prefeito também depositou suas fichas na imagem de candidato “cria da periferia”, explorando sua trajetória pessoal para se aproximar do eleitorado de baixa renda. Deu certo na medida em que, mesmo diante do esforço de Lula em impulsionar Boulos junto a esse público, Nunes aparece numericamente à frente nas pesquisas entre os eleitores de baixa renda. No último Datafolha, divulgado na véspera da votação, o prefeito tem 30% entre os paulistanos com renda de até dois salários mínimos, contra 24% de Boulos. A margem de erro neste segmento é de 5 pontos porcentuais.

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As idas e vindas de Bolsonaro

Apesar do apoio formal de Bolsonaro, a relação do ex-presidente e seu entorno com a campanha de Ricardo Nunes foi marcada por fogo amigo e altos e baixos. Até hoje, a participação de Bolsonaro gera divergências internas: enquanto uma ala do MDB acredita que ele apareceu mais do que deveria, membros do PL argumentam que o apoio do principal líder da direita no País foi subutilizado.

Bolsonaro demorou a declarar publicamente apoio a Nunes e, por alguns meses, dizia que ainda estava em fase de “noivado” com o prefeito e precisaria tomar muita “tubaína” com ele antes de selar a aliança. O ex-presidente só fincou o pé na campanha do emedebista com a escolha do coronel Ricardo Mello Araújo (PL) para vice, em junho.

Mello Araújo, ex-presidente da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), era a indicação de Bolsonaro para a chapa, mas foi deixado em “banho-maria” por Nunes, que achava o nome muito radical.

Fiel escudeiro de Bolsonaro, Mello Araújo já defendeu o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e discursou contra o processo eleitoral e o passaporte da vacina. Nunes só aceitou o nome de Mello quando Bolsonaro posou ao lado de Marçal e entregou ao ex-coach a medalha de “imbrochável”, “imorrível” e “incomível”, indicando que poderia desembarcar do projeto de reeleição do prefeito.

Se inicialmente Bolsonaro usou o ex-coach para pressionar Nunes a aceitar o coronel da Rota como vice — movimento que deu resultado —, o crescimento de Marçal nas pesquisas, mesmo sem o apoio do ex-presidente, acendeu um alerta no entorno bolsonarista. Por alguns dias, o clã chegou a direcionar ataques ao influenciador, mas recuou diante da reação negativa da militância nas redes sociais. Um dos poucos que manteve a artilharia contra Marçal foi o pastor Silas Malafaia.

Nesta semana, em meio à migração de eleitores bolsonaristas da candidatura de Nunes, aliados do ex-presidente, incluindo o governador de São Paulo, intensificaram a pressão para que ele fizesse uma nova declaração pública de apoio ao prefeito, na tentativa de frear a debandada que ameaça afastar o emedebista de uma vaga no segundo turno.

Reservadamente, Bolsonaro dizia que não havia clima para gravar uma mensagem de apoio a Nunes, afirmando que se sentiu desprezado pela campanha do prefeito durante toda a corrida eleitoral. Na manhã da última sexta-feira, porém, Bolsonaro foi convencido de que o gesto seria importante e, em transmissão ao vivo no mesmo dia ao lado de Mello Araújo, reforçou que seu candidato na capital é Nunes e fez críticas veladas a Pablo Marçal. “Quem esta batendo asas por aí, está iludido com o que está acontecendo, é o que eu chamo de ‘amor de verão’. Vê se você está escolhendo com razão, e não com emoção”, declarou o ex-presidente.

Hoje, parte significativa da campanha avalia que a postura ambígua de Bolsonaro em relação a Nunes acabou inflamando a candidatura de Marçal. Para esses aliados, o ex-presidente deveria ter sido mais claro no apoio ao prefeito desde o início. Já a ala bolsonarista argumenta que a campanha desprezou Bolsonaro e só buscou sua ajuda na reta final, em meio ao desespero.

Durante toda a campanha, Nunes enfrentou pressão do bolsonarismo para fazer acenos às pautas ideológicas. O mais próximo que chegou de atender a esse anseio foi na reta final, quando concedeu entrevistas a canais conservadores e se declarou contra o aborto, a ideologia de gênero e o passaporte vacinal. A declaração sobre a vacina foi classificada como um “escorregão” por aliados próximos, que, asseguram, surgiu de maneira espontânea e reflete o posicionamento pessoal do prefeito.

Se Bolsonaro manteve uma postura distante da campanha de Nunes, Tarcísio, por outro lado, foi o grande fiador de sua candidatura. Uma eventual derrota do prefeito será, inevitavelmente, um revés para o governador em sua estreia como cabo eleitoral — assim como uma vitória o ajudará a se consolidar como uma nova liderança no Estado.

O governador, contam aliados, foi essencial para consolidar a coligação de 11 partidos e teve um papel importante nas agendas de rua ao lado de Nunes. Também foi o único a aparecer na TV pedindo voto útil contra Marçal, mesmo sob críticas da militância bolsonarista nas redes. A proximidade entre os dois é tanta que o prefeito passou a consultá-lo para quase todas as decisões de campanha, alimentando suspeitas de que Tarcísio possa estar de olho no futuro político do emedebista.

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No fim de 2022, enquanto o País ainda digeria os efeitos da eleição presidencial mais acirrada de sua história, Ricardo Nunes (MDB) já se movimentava nos bastidores para assegurar o apoio do PL e do recém-eleito governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) à sua reeleição. A articulação, considerada precipitada por alguns aliados, foi motivada por um receio que tirava o sono do prefeito: a possível fragmentação da direita na capital paulista.

Apesar de ter conquistado o apoio de Tarcísio, do PL e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — com quem viveu entre “tapas e beijos” nos últimos meses, como definiu um aliado —, Nunes chega ao dia da eleição exatamente no cenário que mais temia: dividindo os votos da direita com o ex-coach Pablo Marçal (PRTB) e sob o risco de ficar fora do segundo turno. Sem conseguir atrair o eleitorado bolsonarista raiz, Nunes se manteve competitivo até agora graças ao latifúndio no horário eleitoral e à aposta na sua gestão, o que garantiu apoio na periferia e, ironicamente, uma parcela dos votos lulistas. Resta saber se será suficiente.

O prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB) Foto: Werther Santana/Estadão

Nunes chega a este 6 de outubro sem a vantagem que previa em relação aos adversários. Ele esperava estar pelo menos 10 pontos à frente de Marçal e Boulos nas últimas pesquisas. Mas tanto o Datafolha quanto a Quaest mostram um empate técnico entre os três. Nos bastidores, os estrategistas do prefeito já reconhecem alguns tropeços. Subestimar Pablo Marçal, tratado inicialmente como um “candidato folclórico”, foi um deles.

Aliados do emedebista lembram que, em maio, quando Marçal marcava apenas um dígito nos levantamentos dos principais institutos, sua candidatura era motivo de chacota em reuniões da pré-campanha. No fim de agosto, o jogo mudou: Marçal saltou sete pontos no Datafolha, e a campanha entrou em curto-circuito. “Todo mundo queria derrubar todo mundo”, relembra um membro do alto escalão. Foi o momento mais crítico da candidatura de Nunes. Só com o início do horário eleitoral gratuito é que o entorno do prefeito voltou a respirar sem a ajuda de aparelhos.

Mas o maior erro, na visão de pessoas próximas ao prefeito, foi ter demorado a entrar de vez no digital. A estruturação das redes sociais só ocorreu de fato no último mês, quando Marçal já nadava de braçada nesse universo. Com o fim do horário eleitoral e a proibição de novos impulsionamentos, os últimos três dias de campanha foram marcados por tensão no QG. A preocupação maior era que Marçal se aproveitasse do vácuo digital para ganhar força nessa reta final. O influenciador teve suas redes tiradas do ar após publicar um laudo médico falso para acusar Guilherme Boulos de ter sido internado por uso de cocaína. A polêmica acabou jogando os holofotes sobre o ex-coach e Boulos, deixando Nunes a reboque.

O fantasma do B.O. de Regina

Outra preocupação que voltou a assombrar a campanha nos últimos dias foi o boletim de ocorrência por suposta ameaça e violência doméstica registrado por sua esposa, Regina, há mais de uma década. O tema nunca saiu do radar da equipe e era constantemente abordado nas sessões de media training. Embora reconhecessem a fragilidade do caso e o potencial de desgaste, os assessores de Nunes não conseguiram, ao longo da campanha, formular uma resposta que convencesse a opinião pública. Isso porque Nunes se recusou a contrariar a versão de Regina, segundo a qual não se lembra de ter registrado o boletim de ocorrência.

Em algumas ocasiões, ao ser questionado sobre o assunto, o prefeito optou por não responder. Essa falta de posicionamento acabou abrindo espaço para que Marçal e Boulos explorassem o tema nos últimos debates, gerando ainda mais desgaste para sua imagem na reta final da campanha. Nunes só conseguiu verbalizar a resposta defendida por seus assessores no último debate, da TV Globo, quando, em suas considerações finais, afirmou que houve um desentendimento com a esposa, sem agressão física, e que a discussão ocorreu por telefone e mensagem. A campanha comemorou a fala, mas há quem avalie que a reação veio tarde demais.

Nunes apelou, em várias ocasiões, para que adversários não abordassem temas da esfera familiar. Em determinado momento, chegou ao conhecimento da campanha a informação de que, a pedido do presidente Lula, Boulos teria se comprometido a evitar menções à família do prefeito. O filho mais novo de Lula enfrentou acusações de agressões físicas e psicológicas feitas pela ex-namorada, classificadas pela defesa dele como “fantasiosas”.

Um aliado do prefeito conta que Nunes acreditou por um tempo que sua família seria poupada pelos concorrentes— o que não se confirmou nas últimas semanas. Uma ala da campanha chegou a sugerir que Nunes endurecesse o discurso contra Boulos, mencionando, por exemplo, o episódio envolvendo o filho do presidente e a reportagem do UOL que revelou a compra de um imóvel do Minha Casa, Minha Vida pela esposa do líder sem-teto. Mas o prefeito vetou qualquer tentativa de explorar temas pessoais, insistindo que há limites éticos em uma disputa eleitoral. “Perco a eleição, mas não faço isso”, teria dito ele. Para alguns correligionários, se o prefeito não avançar para o segundo turno, o motivo será o boletim de ocorrência.

Operação equilibrista

Desde o início, a campanha de Nunes apostou na gestão do prefeito e na capilaridade dos vereadores de sua coligação para impulsionar sua candidatura. A estratégia nunca foi rotulá-lo como o “candidato de Bolsonaro”, mas, sim, como um nome que representa uma ampla coligação, que inclui até partidos de centro-esquerda. Embora o apoio de Bolsonaro tenha garantido o PL na chapa e, por consequência, um valioso tempo de TV, a preocupação dos estrategistas de Nunes era de que uma associação excessiva ao ex-presidente pudesse contaminar a imagem do prefeito, dada a alta rejeição de Bolsonaro na cidade.

Nunes precisou agir como um equilibrista ao longo da campanha, dividindo-se entre gestos de gratidão a Bolsonaro e a tentativa de manter certa distância do bolsonarismo — a ponto de definir-se como “ricardista”, o que irritou o núcleo duro do ex-presidente.

O veredito sobre o sucesso da estratégia de Nunes sai neste domingo, mas a campanha foi bem-sucedida em consolidar algumas marcas. A Tarifa Zero, o programa de recapeamento e a faixa exclusiva para motociclistas são iniciativas lembradas de forma positiva e espontânea em pesquisas qualitativas. Alguns analistas consideram, no entanto, que faltou o prefeito contar sobre as suas entregas em duas áreas que estão no topo da lista de preocupações do paulistano: a segurança e saúde.

O prefeito também depositou suas fichas na imagem de candidato “cria da periferia”, explorando sua trajetória pessoal para se aproximar do eleitorado de baixa renda. Deu certo na medida em que, mesmo diante do esforço de Lula em impulsionar Boulos junto a esse público, Nunes aparece numericamente à frente nas pesquisas entre os eleitores de baixa renda. No último Datafolha, divulgado na véspera da votação, o prefeito tem 30% entre os paulistanos com renda de até dois salários mínimos, contra 24% de Boulos. A margem de erro neste segmento é de 5 pontos porcentuais.

As idas e vindas de Bolsonaro

Apesar do apoio formal de Bolsonaro, a relação do ex-presidente e seu entorno com a campanha de Ricardo Nunes foi marcada por fogo amigo e altos e baixos. Até hoje, a participação de Bolsonaro gera divergências internas: enquanto uma ala do MDB acredita que ele apareceu mais do que deveria, membros do PL argumentam que o apoio do principal líder da direita no País foi subutilizado.

Bolsonaro demorou a declarar publicamente apoio a Nunes e, por alguns meses, dizia que ainda estava em fase de “noivado” com o prefeito e precisaria tomar muita “tubaína” com ele antes de selar a aliança. O ex-presidente só fincou o pé na campanha do emedebista com a escolha do coronel Ricardo Mello Araújo (PL) para vice, em junho.

Mello Araújo, ex-presidente da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), era a indicação de Bolsonaro para a chapa, mas foi deixado em “banho-maria” por Nunes, que achava o nome muito radical.

Fiel escudeiro de Bolsonaro, Mello Araújo já defendeu o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e discursou contra o processo eleitoral e o passaporte da vacina. Nunes só aceitou o nome de Mello quando Bolsonaro posou ao lado de Marçal e entregou ao ex-coach a medalha de “imbrochável”, “imorrível” e “incomível”, indicando que poderia desembarcar do projeto de reeleição do prefeito.

Se inicialmente Bolsonaro usou o ex-coach para pressionar Nunes a aceitar o coronel da Rota como vice — movimento que deu resultado —, o crescimento de Marçal nas pesquisas, mesmo sem o apoio do ex-presidente, acendeu um alerta no entorno bolsonarista. Por alguns dias, o clã chegou a direcionar ataques ao influenciador, mas recuou diante da reação negativa da militância nas redes sociais. Um dos poucos que manteve a artilharia contra Marçal foi o pastor Silas Malafaia.

Nesta semana, em meio à migração de eleitores bolsonaristas da candidatura de Nunes, aliados do ex-presidente, incluindo o governador de São Paulo, intensificaram a pressão para que ele fizesse uma nova declaração pública de apoio ao prefeito, na tentativa de frear a debandada que ameaça afastar o emedebista de uma vaga no segundo turno.

Reservadamente, Bolsonaro dizia que não havia clima para gravar uma mensagem de apoio a Nunes, afirmando que se sentiu desprezado pela campanha do prefeito durante toda a corrida eleitoral. Na manhã da última sexta-feira, porém, Bolsonaro foi convencido de que o gesto seria importante e, em transmissão ao vivo no mesmo dia ao lado de Mello Araújo, reforçou que seu candidato na capital é Nunes e fez críticas veladas a Pablo Marçal. “Quem esta batendo asas por aí, está iludido com o que está acontecendo, é o que eu chamo de ‘amor de verão’. Vê se você está escolhendo com razão, e não com emoção”, declarou o ex-presidente.

Hoje, parte significativa da campanha avalia que a postura ambígua de Bolsonaro em relação a Nunes acabou inflamando a candidatura de Marçal. Para esses aliados, o ex-presidente deveria ter sido mais claro no apoio ao prefeito desde o início. Já a ala bolsonarista argumenta que a campanha desprezou Bolsonaro e só buscou sua ajuda na reta final, em meio ao desespero.

Durante toda a campanha, Nunes enfrentou pressão do bolsonarismo para fazer acenos às pautas ideológicas. O mais próximo que chegou de atender a esse anseio foi na reta final, quando concedeu entrevistas a canais conservadores e se declarou contra o aborto, a ideologia de gênero e o passaporte vacinal. A declaração sobre a vacina foi classificada como um “escorregão” por aliados próximos, que, asseguram, surgiu de maneira espontânea e reflete o posicionamento pessoal do prefeito.

Se Bolsonaro manteve uma postura distante da campanha de Nunes, Tarcísio, por outro lado, foi o grande fiador de sua candidatura. Uma eventual derrota do prefeito será, inevitavelmente, um revés para o governador em sua estreia como cabo eleitoral — assim como uma vitória o ajudará a se consolidar como uma nova liderança no Estado.

O governador, contam aliados, foi essencial para consolidar a coligação de 11 partidos e teve um papel importante nas agendas de rua ao lado de Nunes. Também foi o único a aparecer na TV pedindo voto útil contra Marçal, mesmo sob críticas da militância bolsonarista nas redes. A proximidade entre os dois é tanta que o prefeito passou a consultá-lo para quase todas as decisões de campanha, alimentando suspeitas de que Tarcísio possa estar de olho no futuro político do emedebista.

Siga o ‘Estadão’ nas redes sociais

No fim de 2022, enquanto o País ainda digeria os efeitos da eleição presidencial mais acirrada de sua história, Ricardo Nunes (MDB) já se movimentava nos bastidores para assegurar o apoio do PL e do recém-eleito governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) à sua reeleição. A articulação, considerada precipitada por alguns aliados, foi motivada por um receio que tirava o sono do prefeito: a possível fragmentação da direita na capital paulista.

Apesar de ter conquistado o apoio de Tarcísio, do PL e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — com quem viveu entre “tapas e beijos” nos últimos meses, como definiu um aliado —, Nunes chega ao dia da eleição exatamente no cenário que mais temia: dividindo os votos da direita com o ex-coach Pablo Marçal (PRTB) e sob o risco de ficar fora do segundo turno. Sem conseguir atrair o eleitorado bolsonarista raiz, Nunes se manteve competitivo até agora graças ao latifúndio no horário eleitoral e à aposta na sua gestão, o que garantiu apoio na periferia e, ironicamente, uma parcela dos votos lulistas. Resta saber se será suficiente.

O prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB) Foto: Werther Santana/Estadão

Nunes chega a este 6 de outubro sem a vantagem que previa em relação aos adversários. Ele esperava estar pelo menos 10 pontos à frente de Marçal e Boulos nas últimas pesquisas. Mas tanto o Datafolha quanto a Quaest mostram um empate técnico entre os três. Nos bastidores, os estrategistas do prefeito já reconhecem alguns tropeços. Subestimar Pablo Marçal, tratado inicialmente como um “candidato folclórico”, foi um deles.

Aliados do emedebista lembram que, em maio, quando Marçal marcava apenas um dígito nos levantamentos dos principais institutos, sua candidatura era motivo de chacota em reuniões da pré-campanha. No fim de agosto, o jogo mudou: Marçal saltou sete pontos no Datafolha, e a campanha entrou em curto-circuito. “Todo mundo queria derrubar todo mundo”, relembra um membro do alto escalão. Foi o momento mais crítico da candidatura de Nunes. Só com o início do horário eleitoral gratuito é que o entorno do prefeito voltou a respirar sem a ajuda de aparelhos.

Mas o maior erro, na visão de pessoas próximas ao prefeito, foi ter demorado a entrar de vez no digital. A estruturação das redes sociais só ocorreu de fato no último mês, quando Marçal já nadava de braçada nesse universo. Com o fim do horário eleitoral e a proibição de novos impulsionamentos, os últimos três dias de campanha foram marcados por tensão no QG. A preocupação maior era que Marçal se aproveitasse do vácuo digital para ganhar força nessa reta final. O influenciador teve suas redes tiradas do ar após publicar um laudo médico falso para acusar Guilherme Boulos de ter sido internado por uso de cocaína. A polêmica acabou jogando os holofotes sobre o ex-coach e Boulos, deixando Nunes a reboque.

O fantasma do B.O. de Regina

Outra preocupação que voltou a assombrar a campanha nos últimos dias foi o boletim de ocorrência por suposta ameaça e violência doméstica registrado por sua esposa, Regina, há mais de uma década. O tema nunca saiu do radar da equipe e era constantemente abordado nas sessões de media training. Embora reconhecessem a fragilidade do caso e o potencial de desgaste, os assessores de Nunes não conseguiram, ao longo da campanha, formular uma resposta que convencesse a opinião pública. Isso porque Nunes se recusou a contrariar a versão de Regina, segundo a qual não se lembra de ter registrado o boletim de ocorrência.

Em algumas ocasiões, ao ser questionado sobre o assunto, o prefeito optou por não responder. Essa falta de posicionamento acabou abrindo espaço para que Marçal e Boulos explorassem o tema nos últimos debates, gerando ainda mais desgaste para sua imagem na reta final da campanha. Nunes só conseguiu verbalizar a resposta defendida por seus assessores no último debate, da TV Globo, quando, em suas considerações finais, afirmou que houve um desentendimento com a esposa, sem agressão física, e que a discussão ocorreu por telefone e mensagem. A campanha comemorou a fala, mas há quem avalie que a reação veio tarde demais.

Nunes apelou, em várias ocasiões, para que adversários não abordassem temas da esfera familiar. Em determinado momento, chegou ao conhecimento da campanha a informação de que, a pedido do presidente Lula, Boulos teria se comprometido a evitar menções à família do prefeito. O filho mais novo de Lula enfrentou acusações de agressões físicas e psicológicas feitas pela ex-namorada, classificadas pela defesa dele como “fantasiosas”.

Um aliado do prefeito conta que Nunes acreditou por um tempo que sua família seria poupada pelos concorrentes— o que não se confirmou nas últimas semanas. Uma ala da campanha chegou a sugerir que Nunes endurecesse o discurso contra Boulos, mencionando, por exemplo, o episódio envolvendo o filho do presidente e a reportagem do UOL que revelou a compra de um imóvel do Minha Casa, Minha Vida pela esposa do líder sem-teto. Mas o prefeito vetou qualquer tentativa de explorar temas pessoais, insistindo que há limites éticos em uma disputa eleitoral. “Perco a eleição, mas não faço isso”, teria dito ele. Para alguns correligionários, se o prefeito não avançar para o segundo turno, o motivo será o boletim de ocorrência.

Operação equilibrista

Desde o início, a campanha de Nunes apostou na gestão do prefeito e na capilaridade dos vereadores de sua coligação para impulsionar sua candidatura. A estratégia nunca foi rotulá-lo como o “candidato de Bolsonaro”, mas, sim, como um nome que representa uma ampla coligação, que inclui até partidos de centro-esquerda. Embora o apoio de Bolsonaro tenha garantido o PL na chapa e, por consequência, um valioso tempo de TV, a preocupação dos estrategistas de Nunes era de que uma associação excessiva ao ex-presidente pudesse contaminar a imagem do prefeito, dada a alta rejeição de Bolsonaro na cidade.

Nunes precisou agir como um equilibrista ao longo da campanha, dividindo-se entre gestos de gratidão a Bolsonaro e a tentativa de manter certa distância do bolsonarismo — a ponto de definir-se como “ricardista”, o que irritou o núcleo duro do ex-presidente.

O veredito sobre o sucesso da estratégia de Nunes sai neste domingo, mas a campanha foi bem-sucedida em consolidar algumas marcas. A Tarifa Zero, o programa de recapeamento e a faixa exclusiva para motociclistas são iniciativas lembradas de forma positiva e espontânea em pesquisas qualitativas. Alguns analistas consideram, no entanto, que faltou o prefeito contar sobre as suas entregas em duas áreas que estão no topo da lista de preocupações do paulistano: a segurança e saúde.

O prefeito também depositou suas fichas na imagem de candidato “cria da periferia”, explorando sua trajetória pessoal para se aproximar do eleitorado de baixa renda. Deu certo na medida em que, mesmo diante do esforço de Lula em impulsionar Boulos junto a esse público, Nunes aparece numericamente à frente nas pesquisas entre os eleitores de baixa renda. No último Datafolha, divulgado na véspera da votação, o prefeito tem 30% entre os paulistanos com renda de até dois salários mínimos, contra 24% de Boulos. A margem de erro neste segmento é de 5 pontos porcentuais.

As idas e vindas de Bolsonaro

Apesar do apoio formal de Bolsonaro, a relação do ex-presidente e seu entorno com a campanha de Ricardo Nunes foi marcada por fogo amigo e altos e baixos. Até hoje, a participação de Bolsonaro gera divergências internas: enquanto uma ala do MDB acredita que ele apareceu mais do que deveria, membros do PL argumentam que o apoio do principal líder da direita no País foi subutilizado.

Bolsonaro demorou a declarar publicamente apoio a Nunes e, por alguns meses, dizia que ainda estava em fase de “noivado” com o prefeito e precisaria tomar muita “tubaína” com ele antes de selar a aliança. O ex-presidente só fincou o pé na campanha do emedebista com a escolha do coronel Ricardo Mello Araújo (PL) para vice, em junho.

Mello Araújo, ex-presidente da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), era a indicação de Bolsonaro para a chapa, mas foi deixado em “banho-maria” por Nunes, que achava o nome muito radical.

Fiel escudeiro de Bolsonaro, Mello Araújo já defendeu o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e discursou contra o processo eleitoral e o passaporte da vacina. Nunes só aceitou o nome de Mello quando Bolsonaro posou ao lado de Marçal e entregou ao ex-coach a medalha de “imbrochável”, “imorrível” e “incomível”, indicando que poderia desembarcar do projeto de reeleição do prefeito.

Se inicialmente Bolsonaro usou o ex-coach para pressionar Nunes a aceitar o coronel da Rota como vice — movimento que deu resultado —, o crescimento de Marçal nas pesquisas, mesmo sem o apoio do ex-presidente, acendeu um alerta no entorno bolsonarista. Por alguns dias, o clã chegou a direcionar ataques ao influenciador, mas recuou diante da reação negativa da militância nas redes sociais. Um dos poucos que manteve a artilharia contra Marçal foi o pastor Silas Malafaia.

Nesta semana, em meio à migração de eleitores bolsonaristas da candidatura de Nunes, aliados do ex-presidente, incluindo o governador de São Paulo, intensificaram a pressão para que ele fizesse uma nova declaração pública de apoio ao prefeito, na tentativa de frear a debandada que ameaça afastar o emedebista de uma vaga no segundo turno.

Reservadamente, Bolsonaro dizia que não havia clima para gravar uma mensagem de apoio a Nunes, afirmando que se sentiu desprezado pela campanha do prefeito durante toda a corrida eleitoral. Na manhã da última sexta-feira, porém, Bolsonaro foi convencido de que o gesto seria importante e, em transmissão ao vivo no mesmo dia ao lado de Mello Araújo, reforçou que seu candidato na capital é Nunes e fez críticas veladas a Pablo Marçal. “Quem esta batendo asas por aí, está iludido com o que está acontecendo, é o que eu chamo de ‘amor de verão’. Vê se você está escolhendo com razão, e não com emoção”, declarou o ex-presidente.

Hoje, parte significativa da campanha avalia que a postura ambígua de Bolsonaro em relação a Nunes acabou inflamando a candidatura de Marçal. Para esses aliados, o ex-presidente deveria ter sido mais claro no apoio ao prefeito desde o início. Já a ala bolsonarista argumenta que a campanha desprezou Bolsonaro e só buscou sua ajuda na reta final, em meio ao desespero.

Durante toda a campanha, Nunes enfrentou pressão do bolsonarismo para fazer acenos às pautas ideológicas. O mais próximo que chegou de atender a esse anseio foi na reta final, quando concedeu entrevistas a canais conservadores e se declarou contra o aborto, a ideologia de gênero e o passaporte vacinal. A declaração sobre a vacina foi classificada como um “escorregão” por aliados próximos, que, asseguram, surgiu de maneira espontânea e reflete o posicionamento pessoal do prefeito.

Se Bolsonaro manteve uma postura distante da campanha de Nunes, Tarcísio, por outro lado, foi o grande fiador de sua candidatura. Uma eventual derrota do prefeito será, inevitavelmente, um revés para o governador em sua estreia como cabo eleitoral — assim como uma vitória o ajudará a se consolidar como uma nova liderança no Estado.

O governador, contam aliados, foi essencial para consolidar a coligação de 11 partidos e teve um papel importante nas agendas de rua ao lado de Nunes. Também foi o único a aparecer na TV pedindo voto útil contra Marçal, mesmo sob críticas da militância bolsonarista nas redes. A proximidade entre os dois é tanta que o prefeito passou a consultá-lo para quase todas as decisões de campanha, alimentando suspeitas de que Tarcísio possa estar de olho no futuro político do emedebista.

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No fim de 2022, enquanto o País ainda digeria os efeitos da eleição presidencial mais acirrada de sua história, Ricardo Nunes (MDB) já se movimentava nos bastidores para assegurar o apoio do PL e do recém-eleito governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) à sua reeleição. A articulação, considerada precipitada por alguns aliados, foi motivada por um receio que tirava o sono do prefeito: a possível fragmentação da direita na capital paulista.

Apesar de ter conquistado o apoio de Tarcísio, do PL e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — com quem viveu entre “tapas e beijos” nos últimos meses, como definiu um aliado —, Nunes chega ao dia da eleição exatamente no cenário que mais temia: dividindo os votos da direita com o ex-coach Pablo Marçal (PRTB) e sob o risco de ficar fora do segundo turno. Sem conseguir atrair o eleitorado bolsonarista raiz, Nunes se manteve competitivo até agora graças ao latifúndio no horário eleitoral e à aposta na sua gestão, o que garantiu apoio na periferia e, ironicamente, uma parcela dos votos lulistas. Resta saber se será suficiente.

O prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB) Foto: Werther Santana/Estadão

Nunes chega a este 6 de outubro sem a vantagem que previa em relação aos adversários. Ele esperava estar pelo menos 10 pontos à frente de Marçal e Boulos nas últimas pesquisas. Mas tanto o Datafolha quanto a Quaest mostram um empate técnico entre os três. Nos bastidores, os estrategistas do prefeito já reconhecem alguns tropeços. Subestimar Pablo Marçal, tratado inicialmente como um “candidato folclórico”, foi um deles.

Aliados do emedebista lembram que, em maio, quando Marçal marcava apenas um dígito nos levantamentos dos principais institutos, sua candidatura era motivo de chacota em reuniões da pré-campanha. No fim de agosto, o jogo mudou: Marçal saltou sete pontos no Datafolha, e a campanha entrou em curto-circuito. “Todo mundo queria derrubar todo mundo”, relembra um membro do alto escalão. Foi o momento mais crítico da candidatura de Nunes. Só com o início do horário eleitoral gratuito é que o entorno do prefeito voltou a respirar sem a ajuda de aparelhos.

Mas o maior erro, na visão de pessoas próximas ao prefeito, foi ter demorado a entrar de vez no digital. A estruturação das redes sociais só ocorreu de fato no último mês, quando Marçal já nadava de braçada nesse universo. Com o fim do horário eleitoral e a proibição de novos impulsionamentos, os últimos três dias de campanha foram marcados por tensão no QG. A preocupação maior era que Marçal se aproveitasse do vácuo digital para ganhar força nessa reta final. O influenciador teve suas redes tiradas do ar após publicar um laudo médico falso para acusar Guilherme Boulos de ter sido internado por uso de cocaína. A polêmica acabou jogando os holofotes sobre o ex-coach e Boulos, deixando Nunes a reboque.

O fantasma do B.O. de Regina

Outra preocupação que voltou a assombrar a campanha nos últimos dias foi o boletim de ocorrência por suposta ameaça e violência doméstica registrado por sua esposa, Regina, há mais de uma década. O tema nunca saiu do radar da equipe e era constantemente abordado nas sessões de media training. Embora reconhecessem a fragilidade do caso e o potencial de desgaste, os assessores de Nunes não conseguiram, ao longo da campanha, formular uma resposta que convencesse a opinião pública. Isso porque Nunes se recusou a contrariar a versão de Regina, segundo a qual não se lembra de ter registrado o boletim de ocorrência.

Em algumas ocasiões, ao ser questionado sobre o assunto, o prefeito optou por não responder. Essa falta de posicionamento acabou abrindo espaço para que Marçal e Boulos explorassem o tema nos últimos debates, gerando ainda mais desgaste para sua imagem na reta final da campanha. Nunes só conseguiu verbalizar a resposta defendida por seus assessores no último debate, da TV Globo, quando, em suas considerações finais, afirmou que houve um desentendimento com a esposa, sem agressão física, e que a discussão ocorreu por telefone e mensagem. A campanha comemorou a fala, mas há quem avalie que a reação veio tarde demais.

Nunes apelou, em várias ocasiões, para que adversários não abordassem temas da esfera familiar. Em determinado momento, chegou ao conhecimento da campanha a informação de que, a pedido do presidente Lula, Boulos teria se comprometido a evitar menções à família do prefeito. O filho mais novo de Lula enfrentou acusações de agressões físicas e psicológicas feitas pela ex-namorada, classificadas pela defesa dele como “fantasiosas”.

Um aliado do prefeito conta que Nunes acreditou por um tempo que sua família seria poupada pelos concorrentes— o que não se confirmou nas últimas semanas. Uma ala da campanha chegou a sugerir que Nunes endurecesse o discurso contra Boulos, mencionando, por exemplo, o episódio envolvendo o filho do presidente e a reportagem do UOL que revelou a compra de um imóvel do Minha Casa, Minha Vida pela esposa do líder sem-teto. Mas o prefeito vetou qualquer tentativa de explorar temas pessoais, insistindo que há limites éticos em uma disputa eleitoral. “Perco a eleição, mas não faço isso”, teria dito ele. Para alguns correligionários, se o prefeito não avançar para o segundo turno, o motivo será o boletim de ocorrência.

Operação equilibrista

Desde o início, a campanha de Nunes apostou na gestão do prefeito e na capilaridade dos vereadores de sua coligação para impulsionar sua candidatura. A estratégia nunca foi rotulá-lo como o “candidato de Bolsonaro”, mas, sim, como um nome que representa uma ampla coligação, que inclui até partidos de centro-esquerda. Embora o apoio de Bolsonaro tenha garantido o PL na chapa e, por consequência, um valioso tempo de TV, a preocupação dos estrategistas de Nunes era de que uma associação excessiva ao ex-presidente pudesse contaminar a imagem do prefeito, dada a alta rejeição de Bolsonaro na cidade.

Nunes precisou agir como um equilibrista ao longo da campanha, dividindo-se entre gestos de gratidão a Bolsonaro e a tentativa de manter certa distância do bolsonarismo — a ponto de definir-se como “ricardista”, o que irritou o núcleo duro do ex-presidente.

O veredito sobre o sucesso da estratégia de Nunes sai neste domingo, mas a campanha foi bem-sucedida em consolidar algumas marcas. A Tarifa Zero, o programa de recapeamento e a faixa exclusiva para motociclistas são iniciativas lembradas de forma positiva e espontânea em pesquisas qualitativas. Alguns analistas consideram, no entanto, que faltou o prefeito contar sobre as suas entregas em duas áreas que estão no topo da lista de preocupações do paulistano: a segurança e saúde.

O prefeito também depositou suas fichas na imagem de candidato “cria da periferia”, explorando sua trajetória pessoal para se aproximar do eleitorado de baixa renda. Deu certo na medida em que, mesmo diante do esforço de Lula em impulsionar Boulos junto a esse público, Nunes aparece numericamente à frente nas pesquisas entre os eleitores de baixa renda. No último Datafolha, divulgado na véspera da votação, o prefeito tem 30% entre os paulistanos com renda de até dois salários mínimos, contra 24% de Boulos. A margem de erro neste segmento é de 5 pontos porcentuais.

As idas e vindas de Bolsonaro

Apesar do apoio formal de Bolsonaro, a relação do ex-presidente e seu entorno com a campanha de Ricardo Nunes foi marcada por fogo amigo e altos e baixos. Até hoje, a participação de Bolsonaro gera divergências internas: enquanto uma ala do MDB acredita que ele apareceu mais do que deveria, membros do PL argumentam que o apoio do principal líder da direita no País foi subutilizado.

Bolsonaro demorou a declarar publicamente apoio a Nunes e, por alguns meses, dizia que ainda estava em fase de “noivado” com o prefeito e precisaria tomar muita “tubaína” com ele antes de selar a aliança. O ex-presidente só fincou o pé na campanha do emedebista com a escolha do coronel Ricardo Mello Araújo (PL) para vice, em junho.

Mello Araújo, ex-presidente da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), era a indicação de Bolsonaro para a chapa, mas foi deixado em “banho-maria” por Nunes, que achava o nome muito radical.

Fiel escudeiro de Bolsonaro, Mello Araújo já defendeu o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e discursou contra o processo eleitoral e o passaporte da vacina. Nunes só aceitou o nome de Mello quando Bolsonaro posou ao lado de Marçal e entregou ao ex-coach a medalha de “imbrochável”, “imorrível” e “incomível”, indicando que poderia desembarcar do projeto de reeleição do prefeito.

Se inicialmente Bolsonaro usou o ex-coach para pressionar Nunes a aceitar o coronel da Rota como vice — movimento que deu resultado —, o crescimento de Marçal nas pesquisas, mesmo sem o apoio do ex-presidente, acendeu um alerta no entorno bolsonarista. Por alguns dias, o clã chegou a direcionar ataques ao influenciador, mas recuou diante da reação negativa da militância nas redes sociais. Um dos poucos que manteve a artilharia contra Marçal foi o pastor Silas Malafaia.

Nesta semana, em meio à migração de eleitores bolsonaristas da candidatura de Nunes, aliados do ex-presidente, incluindo o governador de São Paulo, intensificaram a pressão para que ele fizesse uma nova declaração pública de apoio ao prefeito, na tentativa de frear a debandada que ameaça afastar o emedebista de uma vaga no segundo turno.

Reservadamente, Bolsonaro dizia que não havia clima para gravar uma mensagem de apoio a Nunes, afirmando que se sentiu desprezado pela campanha do prefeito durante toda a corrida eleitoral. Na manhã da última sexta-feira, porém, Bolsonaro foi convencido de que o gesto seria importante e, em transmissão ao vivo no mesmo dia ao lado de Mello Araújo, reforçou que seu candidato na capital é Nunes e fez críticas veladas a Pablo Marçal. “Quem esta batendo asas por aí, está iludido com o que está acontecendo, é o que eu chamo de ‘amor de verão’. Vê se você está escolhendo com razão, e não com emoção”, declarou o ex-presidente.

Hoje, parte significativa da campanha avalia que a postura ambígua de Bolsonaro em relação a Nunes acabou inflamando a candidatura de Marçal. Para esses aliados, o ex-presidente deveria ter sido mais claro no apoio ao prefeito desde o início. Já a ala bolsonarista argumenta que a campanha desprezou Bolsonaro e só buscou sua ajuda na reta final, em meio ao desespero.

Durante toda a campanha, Nunes enfrentou pressão do bolsonarismo para fazer acenos às pautas ideológicas. O mais próximo que chegou de atender a esse anseio foi na reta final, quando concedeu entrevistas a canais conservadores e se declarou contra o aborto, a ideologia de gênero e o passaporte vacinal. A declaração sobre a vacina foi classificada como um “escorregão” por aliados próximos, que, asseguram, surgiu de maneira espontânea e reflete o posicionamento pessoal do prefeito.

Se Bolsonaro manteve uma postura distante da campanha de Nunes, Tarcísio, por outro lado, foi o grande fiador de sua candidatura. Uma eventual derrota do prefeito será, inevitavelmente, um revés para o governador em sua estreia como cabo eleitoral — assim como uma vitória o ajudará a se consolidar como uma nova liderança no Estado.

O governador, contam aliados, foi essencial para consolidar a coligação de 11 partidos e teve um papel importante nas agendas de rua ao lado de Nunes. Também foi o único a aparecer na TV pedindo voto útil contra Marçal, mesmo sob críticas da militância bolsonarista nas redes. A proximidade entre os dois é tanta que o prefeito passou a consultá-lo para quase todas as decisões de campanha, alimentando suspeitas de que Tarcísio possa estar de olho no futuro político do emedebista.

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