LOS ANGELES – Diferentes no estilo, na visão política e no trato, Jair Bolsonaro e Joe Biden terão seu primeiro encontro nesta quinta-feira em Los Angeles. Se tudo der certo nas previsões do Itamaraty e da Casa Branca, a reunião será lembrada apenas pela foto dos dois presidentes juntos e não por gafes ou cobranças. A bilateral foi articulada às pressas e não houve a costura de uma agenda comum, como costuma ocorrer, mas há um passivo de temas espinhosos na distante relação entre Planalto e Casa Branca desde a eleição do democrata.
Uma extensa lista de tópicos é mencionada por diplomatas brasileiros quando o assunto é o encontro bilateral, mas os aliados de Bolsonaro sabem que o que pode render manchetes é a conversa sobre eleições no Brasil. Bolsonaro coloca em xeque a legitimidade da eleição de Biden, como cópia do discurso de seu ídolo, o ex-presidente Donald Trump. Também seguindo o exemplo do republicano, o presidente brasileiro ataca o sistema eleitoral do próprio país, o que preocupa a Casa Branca.
Nos anos em que Trump era presidente, Bolsonaro teve três amigáveis reuniões com o americano, incluindo uma recepção oficial na Casa Branca, algo que Biden nunca ofereceu. A distância que quer manter de Bolsonaro é mantida mesmo no esforço de aproximação nas últimas semanas. Para convencer o argentino Alberto Fernández a viajar para a Califórnia, por exemplo, Biden fez um telefonema para a Casa Rosada e prometeu recebê-lo na Casa Branca em julho. Com Bolsonaro, mandou um interlocutor e convidou o brasileiro apenas para o encontro durante a Cúpula das Américas, em Los Angeles.
De nenhum dos lados há a expectativa de que seja um encontro de “caneladas”, mas Biden não deve se furtar aos assuntos incômodos, segundo a Casa Branca. Nesta quarta-feira, o Conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, afirmou que o americano irá tratar da questão de eleições “abertas, livres, justas, transparentes e democráticas” no Brasil. Parlamentares do partido democrata e ativistas ainda pedem que Biden cobre Bolsonaro sobre posicionamento a respeito do desaparecimento do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira na Amazônia.
A Casa Branca também quer tratar da questão ambiental, cara ao governo Biden. Segundo Sullivan, é uma área onde pode haver progresso concreto na relação entre os dois países. Diplomatas próximos a Bolsonaro dizem que o presidente está pronto para comentar os bons resultados do Brasil na questão, obtidos após pressão dos americanos pelo compromisso do Brasil com metas concretas para reduzir o desmatamento.
Mas o mais importante para Biden era que Bolsonaro viajasse a Los Angeles, por isso a ideia da Casa Branca não é fazer uma agenda de cobranças. A imprensa americana vinha tratando o encontro das Américas como um fiasco, pela ausência de lideranças da região como o mexicano López Obrador. As viagens de Bolsonaro e de Fernández para visitar Vladimir Putin, a dias do início da guerra na Ucrânia, também ligaram o sinal de alerta em Washington sobre o vácuo de liderança e canal de diálogo da Casa Branca com a região. O equilíbrio para fazer o encontro acontecer, no entanto, é delicado. O equilíbrio para fazer o encontro acontecer, no entanto, é delicado. De um lado, o americano estava pressionado pelo risco de um evento micado e a falta de liderança na região. De outro, qualquer aproximação com Bolsonaro é alvo de ataques da base progressista do partido democrata.
“Bolsonaro disse há poucos dias que ele tinha suspeitas sobre a eleição de Biden. Continua mostrando que é um parceiro de Trump. Biden e Bolsonaro não irão se dar bem quando se sentarem lado a lado, claro que as relações eram mais amigáveis com Trump, mas é bom que o Brasil esteja na Cúpula. Seria um embaraço enorme se o Brasil não estivesse”, afirma Ian Bremmer, fundador da consultoria de risco político Eurasia Group.
Na pauta, o Brasil quer se posicionar como um potencial fornecedor de energia, um player na discussão de segurança alimentar e manter canal de diálogo para que sanções econômicas sobre a Rússia não afetem a logística do transporte de fertilizantes ao País. Como pedido, o Brasil também pretende solicitar a Biden que derrube a cota de importação de aço brasileiro, com argumento de que as restrições à indústria nacional beneficiam exportações russas.
Diplomatas brasileiros argumentam que a reunião poderia desfazer a imagem de que Bolsonaro é um pária internacional. Também dizem que o encontro pode virar a página de eventuais desavenças pessoais entre os dois líderes. Em Washington, no entanto, a percepção de diplomatas é de que é tarde demais para isso. Durante um coquetel com diplomatas, jornalistas e autoridades regionais, um empresário de alto escalão afirmou que a proximidade das eleições brasileiras, em outubro, derruba o interesse por Bolsonaro no evento. A estrela da vez é o chileno Gabriel Boric, que fez sua estreia nos EUA e lotou salas de reunião com empresários.