O comando da PM de São Paulo foi obrigado a abrir Inquérito Policial-Militar (IPM) por força de requisição do Ministério Público Estadual (MPE) para apurar o comportamento do coronel Aleksander de Lacerda quatro dias após o Estadão publicar que ele convocava seus amigos para comparecer à manifestação de 7 de Setembro promovidas por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Nas convocações, Lacerda ataca instituições e faz ofensas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), políticos de oposição e ao governador João Doria (PSDB).
A punição exemplar do coronel se tornou um ponto de honra para o governador, que pretende tornar o caso um exemplo para a tropa. Em São Paulo, o ato do 7 de Setembro será realizado na Avenida Paulista e deverá ter a presença de Bolsonaro. O afastamento do coronel, porém, serviu para acirrar os ânimos contra o governador entre os adeptos do presidente, que passaram a explorar o caso para angariar novas adesões para as manifestações.
Há o temor de setores da inteligência da Polícia Civil de que parte dos manifestantes compareça armada aos protestos. Deputados da bancada da bala paulista ouvidos pela reportagem negam. “Nós vamos cumprir a Constituição e ela veda manifestações armadas”, afirmou o deputado federal coronel Tadeu (PSL-SP).
Lacerda foi afastado na segunda-feira por ordem do governador Doria. O Estadão apurou que a ideia inicial da Corregedoria da PM era fazer uma investigação “preliminar” depois de o coronel perder o Comando do Policiamento do Interior-7 (CPI-7) – onde chefiava sete batalhões – e ser “encostado” no Estado-Maior Especial. A intenção do comando esbarrou na reação da Promotoria do Tribunal de Justiça Militar e da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, que abriu inquérito civil para apurar eventual improbidade administrativa de Lacerda.
Além disso, o comando da corporação está sendo pressionado pela cúpula da Segurança Pública e por Doria para punir o coronel de forma rigorosa. O IPM apura possível infração do artigo 166 do Código Penal Militar, que é fazer crítica sem autorização a superior ou ao governo, delito que é punido com pena de 2 meses a um ano de prisão. Na esfera administrativa, a punição pode ser desde uma advertência até a expulsão.
Dentro da PM e entre os expoente da bancada da bala a punição do coronel causou divisões. Há oficiais como o ex-comandante do Policiamento da Capital Glauco Carvalho que defendeu uma “punição severa” ao coronel que convocou os colegas para o protesto do dia 7, afirmando que “liberdade não se conquista, se toma”. “O coronel Aleksander errou e deve ser punido de forma compatível ao seu erro”, afirmou o deputado estadual Coronel Telhada (PP).
Para ele, a decisão de Doria de afastar publicamente o coronel “criou uma crise desnecessária para a PM”. “Agora tão querendo insinuar que a PM vai se rebelar contra o Doria, que vamos fazer desordem. Pelo amor de Deus. Isso não existe. Eu estarei lá no dia 7”, afirmou Telhada.
Lacerda é colega de turma de academia e amigo do deputado estadual Major Mecca (PSL), que trabalhou na Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), antes de ser eleito em 2018. “Ninguém vai armado no dia 7”, disse. Para ele, a punição ao coronel aumentou a insatisfação dos policiais. Mecca disse que os PMs têm o direito de se manifestarem e que Lacerda não pode ser punido pelo que escreveu a respeito de Doria, chamado pelo coronel de “cepa indiana”.
Vídeo. Mecca gravou um vídeo no pátio do quartel da Rota, em São Paulo, cujo conteúdo é apontado por policiais como exemplo do uso político dos quartéis pelos bolsonarismo. Era 6 de maio de 2021, quando o deputado fez um discurso para a tropa em forma, fazendo críticas a Doria na solenidade de entrega de dois fuzis pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) para a unidade.
“Da mesma forma que os senhores não envergam na luta contra o crime organizado, mesmo tendo os piores salários do Brasil, mesmo não sendo reconhecidos pelo governo do Estado de São Paulo, nós nunca desistiremos de lutar pelos senhores por honra, dignidade e o respeito que o governador do Estado de São Paulo não tem e nunca teve pela PM de São Paulo.” Para Mecca, não haveria diferença entre ele fazer o discurso no quartel ou na calçada em frente. O discurso seria, segundo ele, uma forma de prestar contas.
Procurado pelo Estadão, o Comando da PM de São Paulo afirmou que a tropa estava em forma “como de costume, para a assunção das viaturas e patrulhamento de rotina”. Segundo a corporação, “em que pese a simplicidade da cerimônia de entrega dos fuzis, foram abertas às autoridades presentes o uso da palavra, como determinam normas do cerimonial público”.