Líderes da sociedade civil das mais variadas áreas de atuação, correntes políticas e formações lotaram nesta quinta-feira, 11, o salão nobre e o pátio das arcadas da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) com contundentes discursos contra retrocessos democráticos. O evento enfatizou uma resposta ao 7 de Setembro, convocado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), para sinalizar que não haverá respaldo dos principais atores brasileiros caso o mandatário não aceite o resultado das urnas.
Embora não tenha havido menção direta a Bolsonaro nos dois manifestos lidos no Largo de São Francisco, o movimento floresceu diante das preocupações com as investidas do presidente contra as urnas eletrônicas e a Justiça Eleitoral. No entorno da faculdade, foram 8 mil participantes, segundo a Polícia Militar. Houve ainda manifestações por todo o País.
Em São Paulo, o ato reuniu vozes dos mundos empresarial, financeiro, sindical, político, acadêmico, estudantil e dos movimentos sociais. O recado ao Ministério da Defesa diante da tentativa de interferir na eleição ficou a cargo do diretor da faculdade, Celso Campilongo: “A única força que pode dizer algo sobre o processo eleitoral brasileiro é a força do eleitor brasileiro”.
O evento foi inspirado na leitura da Carta aos Brasileiros, de 1977, pelo jurista Goffredo da Silva Telles Junior. Na época, o ato marcou o clamor pelo fim do regime militar. A preocupação com a escalada na retórica golpista de Bolsonaro fez com que um grupo de antigos alunos da São Francisco, com apoio da diretoria da faculdade, decidisse organizar uma nova carta, para ser lida no dia de seus 195 anos de fundação.
Quando a ideia ainda estava embrionária, os juristas ganharam o reforço da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que ajudou a conseguir adesão de outras entidades empresariais. O encontro de Bolsonaro com diplomatas estrangeiros para divulgar informações falsas e teorias da conspiração contra o sistema eleitoral brasileiro fez a iniciativa explodir. Mais de cem entidades assinaram a “carta dos empresários” e, até a conclusão desta edição, havia quase 1 milhão de signatários na “carta aos brasileiros”. Bolsonaro e seus aliados minimizaram os atos.
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Leitura da carta em defesa da democracia foi transmitida em um telão no Largo São Francisco
Momentos
O evento foi dividido em duas partes. A primeira, mais solene, deu-se no salão nobre, para a leitura do manifesto endossado pelas entidades empresariais e da sociedade civil. “Hoje é um outro momento. É um momento grandioso, eu diria, talvez, inédito, em que capital e trabalho se juntam em defesa da democracia”, disse o ex-ministro José Carlos Dias. Ele foi um dos signatários da carta de 1977.
Representantes da CUT, UGT, Força Sindical, OAB-SP, União Nacional dos Estudantes (UNE) e Coalizão Negra por Direitos discursaram, além de outras personalidades que ajudaram na elaboração do ato, como a socióloga Neca Setúbal e o empresário Horácio Lafer Piva, que pediu respeito à ordem democrática: “Nós temos uma Constituição, tudo está escrito lá”.
Telma Aparecida da Silva, secretária de Formação da CUT, ressaltou o respeito às urnas. “Defendemos a democracia. Defendemos eleições com urnas e que o resultado que sair nas urnas seja aceito”, afirmou.
Celso Lafer e Armínio Fraga, ex-ministro das Relações Exteriores e ex-presidente do Banco Central, respectivamente, estavam no salão nobre. Com voz embargada, Fraga disse que ameaças autoritárias e populistas assustam. “É uma situação esdrúxula essa, mas toda nossa energia tem de ficar nesse momento concentrada em salvar o que foi conquistado ao longo dos anos e que é a base do nosso futuro”, disse o economista.
A manhã foi marcada pelo encontro de gerações. Estudantes secundaristas dividiram as ruas e o pátio da faculdade com antigos alunos nonagenários. Importante personagem na elaboração da Constituição de 1988, José Afonso da Silva, de 97 anos, também signatário do manifesto de 45 atrás, foi longamente aplaudido.
Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp, participou da primeira sessão do evento no salão nobre. Tinha ao seu lado o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney. Ambos alegaram que tinham outros compromissos e não foram ao segundo evento no pátio, como em 1977.
Pátio
Nas arcadas, o segundo ato no pátio reuniu políticos, desembargadores, juízes, procuradores de Justiça e procuradores da República e personalidades. A carta pela democracia foi lida por três mulheres – as professoras Eunice de Jesus Prudente, Maria Paula Dallari Bucci e Ana Elisa Bechara – e um antigo articulador da carta de 1977, o ex-ministro Flávio Bierrenbach.
Políticos de diferentes partidos estiveram presentes, mas não foram convidados a discursar. Foi o caso de Bruno Araújo (PSDB), Fernando Haddad, (PT), Márcio França (PSB), Marina Silva (Rede) e Guilherme Boulos (PSOL). Nas redes, os presidenciáveis Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) saíram em defesa do movimento.
No salão nobre, a organização tentava um equilíbrio difícil: a crítica a Bolsonaro sem adotar posicionamento partidário. A primeira sessão obteve êxito. Na segunda parte, no entanto, houve gritos de “fora, Bolsonaro” e de apoio a Lula. O Hino Nacional marcou o encerramento do ato.
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Manifestações em defesa das eleições são uma reação da sociedade civil aos ataques de Bolsonaro ao processo eleitoral