ENVIADO ESPECIAL A CAMBRIDGE (EUA) - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou neste sábado, 6, que as Forças Armadas foram atingidas por “politização indesejada e incompatível com a Constituição” nos últimos anos. A Corte julga uma ação apresentada pelo PDT para tornar inconstitucional a interpretação de que os militares podem intervir nos demais Poderes em situações de crise. Barroso, que não apresentou seu voto por escrito na votação virtual, disse que “não existe poder moderador numa democracia”.
“Eu não participo desse processo de desapreço às Forças Armadas, antes pelo contrário. Porém, é fato que em alguns momentos dos últimos anos houve uma politização indesejada e incompatível com a Constituição. Acho que isso está superado e a gente na vida deve aprender a virar as páginas”, afirmou Barroso após palestra na Universidade de Harvard.
“O artigo 142 da Constituição nunca teve possibilidade de intervenção. Não existe poder moderador numa democracia, nem o Judiciário tampouco é poder moderador. Os poderes são independentes e harmônicos e o Supremo está apenas chancelando o que sempre foi a compreensão adequada da Constituição”, completou.
O presidente do STF participou de um painel com o professor de Harvard Steven Levitsky, que é autor do livro Como as Democracias Morrem, no qual foi discutido o populismo autoritário e o papel das Supremas Cortes ao redor do mundo num contexto de autoritarismo crescente. A fala foi feita durante a Brazil Conference. O evento reúne diversas autoridades nacionais para discutir temas de interesse e estratégicos para o País.
O artigo 142 da Constituição estabelece as responsabilidade das Forças Armadas. O texto diz que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica “são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. A redação, no entanto, ganhou interpretações golpistas nos últimos anos.
Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) passaram a defender que os militares poderiam intervir para dissipar eventuais crises entre os Poderes. Há ainda quem defenda que o presidente da República pode usar o dispositivo contra o Congresso e o STF.
O julgamento no STF que vai definir a interpretação definitiva deste artigo constitucional está com o placar de nove votos contra a tese de que as Forças Armadas possam atuar como poder moderador. Restam apenas os votos dos ministros Dias Toffoli e Kassio Nunes Marques. O presidente da Corte afirmou que o resultado obtido até o momento “já é uma maioria bem expressiva”, mas que, caso haja divergência, é preciso respeitá-la.
Barroso foi questionado pela reportagem se seria importante ter unanimidade nesta votação para não abrir margem a contestações promovidos por defensores da tese. O julgamento do artigo 142º da Constituição terminará na próxima segunda-feira, 6.
“Numa democracia há sempre espaço para divergências, portanto, se alguém pensar diferente, a gente deve respeitar. Uma característica da democracia deve ser a civilidade e a civilidade significa ter respeito e consideração, mesmo por quem pensa diferente da gente. Se acontecer um voto divergente, a gente deve respeitar, mas acho que nove já é uma maioria bem expressiva”, disse Barroso.