BRASÍLIA — A oposição articulou, se esforçou, mas foi derrotada na tentativa de acelerar a tramitação de projeto de decreto legislativo que susta o “revogaço” feito por Lula limitando acesso a armas. A base aliada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu vitoriosa e conseguiu impedir aprovação de requerimento de urgência de bolsonaristas. A conquista, no entanto, foi por uma pequena margem. Faltaram apenas três votos para a oposição ver sua proposta aprovada.
Foram 254 votos favoráveis ao requerimento de urgência defendido por oposicionistas e 156 votos contrários do lado governista. Entre os votos que faltaram estavam o de integrantes relevantes da bancada da bala, como Capitão Augusto (PL-SP), ex-presidente do grupo, que não votou.
A oposição saiu consternada com o resultado. Tenente-Coronel Zucco (PL-RS) chamou de “covardes” aqueles que não votaram na proposta. Os atos de Lula suspenderam concessões de novos registros para clubes, escolas de tiro e colecionadores, de atiradores e de caçadores (CACs). O decreto do chefe do Executivo também limitou a aquisição de armas e munições de uso permitido, assim como obrigou o recadastramento de armas adquiridas após maio de 2019. O PDL proposto pela oposição tem poder para anular os atos do presidente da República. O autor do projeto, Sanderson (PL-RS), disse que fará um novo requerimento de urgência para repetir a votação.
A tentativa da oposição de por o requerimento de urgência para votar nesta quarta-feira causou desgaste com líderes partidários, que alegaram quebra de compromisso. Havia sido estabelecido que, com a viagem do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aos Emirados Árabes Unidos para participar da Conferência Mundial do Clima (COP-26) e o consequente esvaziamento da Casa nesta semana, se votariam temas menos controversos.
A sessão desta quarta-feira, 6, deveria ser dedicada apenas para votar projetos de lei em defesa das mulheres. A pressão da bancada da bala, contudo, forçou pela votação da matéria já no final da noite, por volta das 23h. Antes da votação, os mesmos líderes incomodados com a matéria em pauta asseguravam que a proposta não seria aprovada.
Na Câmara, a oposição reforçava a mensagem de que, se fosse preciso, votaria o texto nem que fosse às 3h da manhã. A bancada da bala acumula queixas na tentativa de diálogo sobre a pauta com o governo. O acordo teve participação do autor do PDL, Sanderson (PL-RS), e do deputado Marcos Pollon (PL-MS), fundador do Proarmas, organização representativa dos CACs.
Parlamentares reclamaram de erros técnicos no sistema. Tenente-Coronel Zucco (PL-RS) disse que Covatti Filho (PP-RS) teve problemas ao votar. Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), presidente em exercício, alegou que não houve problemas técnicos com o sistema de votação remota.
Sóstenes deu um prazo de 27 minutos para deputados votarem. A oposição tentou articular para garantir votos necessários, mas não foi suficiente. Parlamentares bolsonaristas queixaram-se do presidente, por não ter dado mais tempo para que outros congressistas pudessem votar.
“Foi um atropelo da presidência, com três votos. Por três votos de alguém que provavelmente estava dormindo, bebendo, numa festa, perdemos essa oportunidade e de impor uma derrota ao governo Lula, uma semana antes da votação de Flávio Dino. Nós fomos derrotados, mas mostramos a força dessa pauta”, queixou-se Júlia Zanatta (PL-SC).
“Há cinco meses estamos tentando acordo com o governo, sugerido pelo próprio Lira. Eu e Pollon, e vimos que o governo não quer resolver, não vai resolver. Desde segunda-feira, eles colocaram um interlocutor para falar conosco. Não tem proposta, não tem nada”, disse Sanderson, que também preside a Comissão de Segurança Pública.
O grupo é um dos que mais acumulam queixas com Lula. O principal alvo do grupo, o ministro da Justiça, Flávio Dino, faltou a três convocações feitas pela Comissão de Segurança Pública, ampliando ainda mais o desgaste.
Apenas na noite desta quarta-feira, 6, que a oposição conseguiu contato com o líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PT-PR) para discutir a matéria. Zeca fez um apelo a Sóstenes, e a Sanderson para não votarem a urgência nesta quarta-feira. A oposição já estava irredutível neste momento. “Se não votar hoje, nos desmoralizamos”, disse Sanderson.
“O decreto de Lula é desarrazoado, catastrófico e destrói o setor”, afirmou Pollon. “O embate ideológico é lamentável. Eles ainda não desceram do palanque. Não há um projeto de governo, mas um projeto de vingança (nesse setor).”
Organizações da sociedade civil que atuam no campo da segurança pública criticam a tentativa de votação do projeto. Uma delas é o Instituto Sou da Paz. “É emblemático que tenham tentado votar os projetos na semana em que é lançado o Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que aponta que o Brasil poderia ter salvado 6,4 mil vidas se não fosse o afrouxamento de regras de armas - que agora a bancada da bala quer retornar”, comenta Carolina Ricardo, diretora-executiva do instituto.
Foi um PDL aprovado que causou a primeira grande derrota do governo Lula neste ano. Em maio, a Câmara aprovou um projeto que derruba parte dos decretos que alteram as regras de saneamento, editados em abril pelo presidente. O requerimento de urgência faz parte de uma empreitada em várias frentes da bancada da bala para ampliar o acesso a armas no Brasil.
Como mostrou o Estadão, o comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, e o diretor-geral da Polícia Federal, delegado Andrei Passos Rodrigues, editaram uma portaria para especificar calibres de munições e armas de fogo de usos permitidos e restritos. A nova regra para armas longas representa uma ampliação das restrições que haviam sido definidas no decreto publicado por Lula, em julho.
O decreto tratava como de uso restrito somente as armas longas capazes de aplicar sobre a munição uma energia superior a 1620 joules (uma unidade de medida energética, aferida em testes específicos).
Como reação, também revelou o Estadão, a oposição apronta uma iniciativa em várias frentes, na Câmara e no Senado, pela flexibilização do porte de armas no Brasil.