BRASÍLIA - A denúncia apresentada pela Lava Jato fluminense contra o advogado Eduardo Martins, filho do recém-empossado presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, foi vista com ceticismo por integrantes da Corte. Em conversas reservadas, o comentário, após a operação desta quarta-feira, 9, foi o de que é preciso provas robustas para demonstrar influência em processo decisório no tribunal.
Eduardo Martins foi acusado pelo Ministério Público Federal no Rio de Janeiro de recebimento de mais de R$ 80 milhões para influenciar decisões no STJ, com o objetivo de favorecer o empresário Orlando Diniz, que desviou recursos do Sistema S por meio de lavagem de dinheiro com escritórios de advogados. Os valores, bastante elevados, impressionaram alguns ministros, assim como o fato de que dezenas de advogados foram alvo. No entanto, mesmo um magistrado considerado linha dura disse ao Estadão que, à primeira vista, não há qualquer prova de que clientes de filhos de ministros foram beneficiados indevidamente pelo tribunal.
Cinco integrantes do STJ afirmaram que não se pode criminalizar a atuação de advogados em tribunais onde os pais atuam. Um dos argumentos é que o afastamento de parentes de magistrados seria uma medida “para inglês ver”. Muitos disseram ser preciso “separar o joio do trigo”.
A atuação de parentes causa constrangimentos ao menos para uma parte dos ministros do STJ. Um deles disse à reportagem, reservadamente, que é comum no tribunal um advogado pedir para despachar sobre um processo e, na hora do encontro, chegar acompanhado de outro defensor, parente de ministro, que não estava registrado no pedido de audiência.
Em consulta na base de processos ativos no STJ, filhos de pelo menos dez ministros estão listados como advogados. Os ministros com filhos ou cônjuges atuando na corte são Francisco Falcão, Laurita Vaz, Felix Fischer, João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Benedito Gonçalves, Paulo de Tarso Sanseverino, Sebastião Reis, Marco Buzzi e Marco Bellizze.
Eduardo Martins, filho do presidente do STJ, aparece como advogado em 37 processos ativos no tribunal. A irmã dele, Laís Camila Alves Martins, também aparece em 9 processos.
Além de Martins, a denúncia atingiu o advogado Caio Rocha, filho do ex-ministro do STJ Cesar Asfor Rocha, e Tiago Cedraz, filho do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Aroldo Cedraz.
A investigação fluminense aponta lobby de advogados que teriam atuado, em troca de pagamentos milionários disfarçados em contratos de fachada, para influenciar decisões no tribunal, a fim de garantir a não punição e a permanência de Orlando Diniz no comando da Fecomércio do Rio, mesmo após irregularidades encontradas pelo Conselho Fiscal do Senac envolvendo sua gestão.
Não há ilegalidade na presença de parentes de ministros atuando em casos da Corte, mas algumas situações são proibidas. Exemplo: um juiz não pode se manifestar em processo em que tiver atuado "cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até terceiro grau, inclusive como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito". Da mesma forma, fica impedido o juiz que tiver desempenhado alguma dessas funções citadas ou servido como testemunha. Além disso, um magistrado não pode julgar o mesmo caso em duas instâncias diferentes. Assim, se um desembargador vira ministro do STJ, não pode analisar um caso que já julgou anteriormente.
Segundo integrantes do tribunal, os processos não são distribuídos aos ministros quando se verifica alguma dessas situações. De acordo com o STJ, quando isso acontece, o próprio ministro registra nos autos que não pode exercer jurisdição naquele caso. Já houve equívocos e alguns magistrados julgaram casos que envolviam filhos.