Uma das datas mais emblemáticas e tradicionais da história baiana, o 2 de Julho completa 200 anos neste domingo. O marco celebra a independência do Brasil na Bahia. O dia em que as batalhas iniciadas em fevereiro de 1822 chegaram ao fim e as tropas portuguesas foram expulsas do Estado, consolidando o fim do domínio de Portugal, em 1823.
A celebração anual em Salvador vai além da cerimônia militar e reúne milhares de habitantes que “desfilam” pelas ruas. O cortejo cívico é uma espécie de “termômetro político” para lideranças que querem medir a popularidade entre a população. A Bahia é o quarto maior colégio eleitoral do País, com 11 milhões de eleitores, segundo dados da Justiça Eleitoral.
Neste ano, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) irá à capital baiana no 2 de Julho pela segunda vez consecutiva. O presidente participará do cortejo popular, na altura do Largo da Soledade. Em 2022, Jair Bolsonaro (PL) e os também candidatos à Presidência Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) também foram a Salvador.
“A porta de entrada para o Nordeste é a Bahia, não só pelo tamanho do eleitorado, mas também pela posição estratégica do Estado. Se quiser ganhar visibilidade, precisa participar das datas importantes para o povo baiano”, disse o cientista político e fundador do instituto de pesquisa Quaest, Felipe Nunes. Na eleição de 2022, Lula foi eleito com 72% dos votos dos baianos no segundo turno.
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Para o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), a presença do presidente no evento é um sinal de que luta do Estado “teve importância nacional e o Brasil está reconhecendo isso”. “Celebrar o bicentenário da Independência do Brasil na Bahia, ao lado do presidente Lula e do nosso povo, será marcante”, disse ao Estadão. Pela primeira vez, a data será comemorada com um governador indígena à frente do Estado – os povos indígenas e africanos estão representados nas figuras centrais do 2 de Julho, o “Caboclo” e a “Cabocla”.
Quase dez meses após a Independência do Brasil contada nos livros de história, em 7 de setembro de 1822, a data ainda é pouco conhecida fora do Estado. “Não dá para dizer que a independência do Brasil foi em 7 de setembro de 1822 se ainda tinham tropas portuguesas no País até 2 de julho de 1823. Não foi Dom Pedro I gritando às margens do rio Ipiranga, em São Paulo. Não foi um acordo político, teve muita guerra, muitas pessoas morreram para que o Brasil se tornasse, de fato, independente”, explicou a historiadora Marianna Farias. Estimam-se cerca de 2 mil mortes durante as batalhas na Bahia.
Leia mais sobre as batalhas na Bahia que levaram ao 2 de Julho.
O encontro das almas
Conhecidas como “Caretas do Mingau”, mulheres que residiam na pequena cidade de Saubara, no recôncavo baiano, adotaram uma estratégia inusitada para afastar as tropas portuguesas que aterrorizavam a população local. Especialista em história da Bahia, Marianna Farias conta que mulheres de várias idades se vestiam com grandes roupas ou lençóis brancos e saíam fantasiadas de “alma penada”, assombrando os inimigos europeus pelas ruas escuras na madrugada.
A designação se refere ao mingau e outros alimentos que as baianas levavam em potes posicionados em cima das suas cabeças. Eles eram deixados em pontos estratégicos para os seus maridos e filhos que estavam na batalha. Passados 200 anos, o município de 12 mil habitantes mantém a tradição. “Na madrugada do dia 1º para o 2 de julho, as mulheres saem assim, a tradição passa de mãe para filha”, disse Marianna.
O blefe acidental
No momento mais tenso da chamada Batalha de Pirajá, uma trapalhada garantiu uma vitória peculiar dos baianos sobre os portugueses. A historiadora Marianna Farias relata que, em novembro de 1822, havia um cerco intenso que se formava ao redor de Salvador para tomar a cidade. As tropas da Bahia, então, quiseram recuar.
O general francês Pedro Labatut, que comandava os cerca de 4 mil soldados que participaram das oito horas de luta, reconheceu a dificuldade e pediu para o corneteiro tocar a badalada que orientaria os baianos a recuar. O corneteiro se confundiu e transmitiu o som que pedia para o batalhão avançar com a cavalaria.
“Isso assustou os portugueses, que pensaram – erroneamente – que as tropas baianas estariam com cavalos e iriam partir para o ataque. Então, as tropas portuguesas fugiram e vencemos por meio de um ‘migué’ (expressão baiana que significa ‘enganação’)”, contou a historiadora.
O Periquitão
Em meio a tantos uniformes azuis e vermelhos comuns à época das batalhas da Independência, o Batalhão Voluntários do Príncipe resolveu inovar. Lotado em Salvador, no centro das disputas, os membros usavam fardamentos com golas e punhos verdes. Para tentar ridicularizá-los, os portugueses passaram a chamá-los, então, de “Batalhão dos Periquitos”, em referência à cor. O comandante foi apelidado de “Periquitão”.
A grande ave, na verdade, era o avô do poeta Castro Alves: José Antônio da Silva Castro. Apesar de não tão célebre quanto o neto, ele foi um dos maiores heróis do 2 de Julho, considera o historiador Murilo Melo. Anos depois, Castro Alves escreveu o poema “Ode ao Dois de Julho” em homenagem ao avô.
Encourados do Pedrão
No pequeno município de Pedrão, no sertão da Bahia, hoje com 7 mil habitantes, 39 vaqueiros se voluntariaram para as batalhas pela independência do Brasil na Bahia. Montados em cavalos, com vestes e chapéus de couro, os homens do campo abandonaram lares e famílias em direção a Cachoeira, no Recôncavo baiano, sob o comando do Frei José Brayner. Todos sobreviveram. “Como os ‘Encourados do Pedrão’ eram vaqueiros do interior, aproveitaram a expertise com os cavalos na guerra e todos voltaram com vida”, contou o professor e historiador Rafael Dantas.
Até hoje, a população local se orgulha do feito dos seus antecessores. Os habitantes de Pedrão celebram o legado desde 1993, em desfiles anuais. As vestes de couro e os cavalos estão sempre presentes. No entanto, eles deixaram de participar do tradicional cortejo cívico do 2 de Julho em Salvador desde 2012, após uma recomendação do Ministério Público da Bahia (MP-BA) que atendeu a protestos de organizações da proteção dos animais.