Big Techs ‘passaram dos limites’, diz professora da Colúmbia que defende regulação do Google


Anya Schiffrin, referência internacional no debate sobre regulamentação das empresas de tecnologia, diz que o mundo observa solução que Brasil dará para regulação das plataformas digitais; professora defende remuneração por conteúdo jornalístico

Por Julia Affonso e Francisco Leali
Atualização:
Foto: Roque de Sá
Entrevista comAnya SchiffrinProfessora da Universidade de Columbia

A professora da Universidade de Columbia (EUA), Anya Schiffrin, referência internacional no debate sobre regulamentação das Big Techs, afirmou em entrevista ao Estadão nesta quarta-feira, 13, que o mundo está observando se as empresas de tecnologia serão regulamentadas no Brasil. A Câmara discute dois projetos de lei que criam diferentes regras para as Big Techs.

O PL 2630/2020, de relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), pretende instituir diretrizes gerais sobre fake news e administração de conteúdo nas redes sociais. Já o projeto de lei 2370/2019, relatado pelo deputado Elmar Nascimento (União-BA), estabelece novas regras para remuneração de conteúdo jornalístico pelas Big Techs, para Direitos Autorais e para publicidade online.

Em maio, o PL 2630 foi retirado de pauta após pressão das Big Techs. As empresas de tecnologia alegaram que o texto ameaçava à liberdade de expressão, dentre outros pontos enfaticamente rechaçados pelo relator Orlando Silva.

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Schiffrin dá aulas sobre mídia global, inovação e direitos humanos. A professora é também diretora da área de Tecnologia, Mídia e Comunicações da Escola de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Columbia. Ela esteve em Brasília à convite da Embaixada dos Estados Unidos.

Leia a seguir a entrevista da professora Anya Schiffrin:

Qual é a responsabilidade das Big Techs na disseminação da desinformação? São corresponsáveis ou uma avenida por onde passam as fake news?

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Há um consenso de que estamos falando sobre volume (de informação). A quantidade é enorme e rápida. É como disse Jack Dorsey (empresário e ex-CEO do Twitter): “você tem o direito de falar, mas não tem direito de alcançar (com o que você fala)”. Acho que a viralização da informação falsa e a velocidade são as grandes diferenças. Há um constante bombardeio e reforço. O discurso se espalha até que todos repitam. Acho que provavelmente é a diferença.

A sra. acredita que é necessário criar uma regulamentação com diretrizes gerais para as Big Techs? Críticos do projeto de lei brasileiro afirmam que a proposta ameaça a liberdade de expressão.

A proposta (brasileira) tem muito em comum com a Lei dos Serviços Digitais da União Europeia. Não creio que isso seja uma ameaça à liberdade de expressão em particular. Pedir às empresas que se auto-policiem com uma supervisão externa é o que os bancos fazem. Você não pode olhar cada parte do conteúdo (publicados nos redes sociais) para tomar uma decisão que faça funcionar um sistema coerente com a regulamentação global sobre a liberdade de expressão.

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Palestra "Mídias Sociais e Democracia" com a professora e intelectual da Universidade de Columbia, Nova Iorque, Anya Schiffrin. A pesquisadora é referência no debate sobre a regulação de Big Techs e jornalismo. A palestra acontece no Auditório Antonio Carlos Magalhães (Interlegis) no Senado Federal. Foto: Roque de Sá/Senado

No Brasil, as Big Techs afirmam entender a discussão sobre a criação de uma regulamentação para elas, mas dizem ser necessário debater o projeto de lei de forma mais aprofundada.

Elas sempre dizem isso. É um pouco como as empresas de carbono. Primeiro eles disseram que não havia aquecimento global. (Depois) falaram: “claro, faremos algumas mudanças. Nós precisamos de tempo para nos adaptar”. É o que eles sempre falam: “nós queremos regulação, essa só não é a correta”. Não é porque você não entende de algo que você não pode regular. Não sou especialista em aviação, não tenho formação em medicina. Se você não entende algo, é ainda mais um motivo para regulá-lo. A quantidade de dinheiro que (as empresas de tecnologia) gastam em lobby, alguns dos quais são públicos, mostra que (o discurso de que querem regulamentação) é falso.

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O Estadão revelou que as Big Techs fizeram lobby online e offline para barrar o andamento do projeto de lei das Fake News na Câmara. O lobby das empresas de tecnologia é feito da mesma forma em outros países do mundo?

Sim, absolutamente. (O lobby é feito) em tudo. Desde conversas sobre contribuições de financiamento de campanha até empregar jornalistas, acadêmicos e políticos. Não é muito diferente do setor bancário ou do petróleo.

A sra acredita que as Big Techs reclamam de uma possível regulamentação porque terão prejuízo financeiro?

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Acho que é parcialmente lucro, elas não querem fazer nada que prejudique suas receitas. E também um tipo de (pensamento) anti-regulamentação americano. Você tem o Vale do Silício. Há muitas pessoas lá que são bastante libertárias. Eles não gostam de interferência do governo. Acho que é uma mistura de ideologia e lucro.

Durante as discussões sobre o PL das Fake News na Câmara, o Google colocou um link em sua página principal contra a proposta e chegou a pedir que as pessoas ligassem para os deputados ou os abordassem via rede social.

O Uber fez isso em Nova York. Fizeram todo mundo ligar para o gabinete do prefeito e dizer que amam o Uber. É realmente chocante.

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A sra acha que essa atuação é legítima ou passou do ponto?

Passaram do limite. Acho que todas essas táticas de lobby são absolutamente exageradas, mas, infelizmente, é assim que funcionam. (As Big Techs) agem exatamente como estão dizendo que não estão. Se estivessem certos, por que precisariam fazer todas essas coisas?

Um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados brasileira prevê que as Big Techs paguem pelo conteúdo jornalístico publicado em suas plataformas. Esse pagamento é importante?

Sim. Em todo o mundo, plataformas como Google e Facebook ganharam muito dinheiro com notícias e se tornaram tão grandes e poderosas que agora a maioria das pessoas recebe notícias a partir delas. Elas não compartilharam os lucros que ganharam, não pagaram muitos impostos e têm sido muito boas em uma espécie de evasão fiscal legalizada. Em muitos lugares, se recusam a pagar taxas de licenciamento de direitos autorais. Elas criam alguns fundos para jornalistas, mas muito pequenos. Então, sim, acho que elas devem dinheiro ao jornalismo no mundo. Muitos países tentaram de formas diferentes, e a Austrália teve sucesso. Não creio que haja solução para a crise da mídia, não creio que haverá uma solução final. Mas é muito importante fazer com que estas grandes empresas paguem a sua parte. Acho que o mundo está observando o Brasil para ver o que acontece aqui.

Qual a importância do Brasil globalmente para esta discussão?

O Brasil é conhecido como uma espécie de líder nesse tipo de regulamentação. O Marco Civil foi muito importante, há também projetos de lei sobre Inteligência Artificial e Direitos Autorais em discussão. O Brasil é um país grande (no mundo). Outro ponto é que, depois da Austrália (que aprovou um sistema que obriga as Big Techs a negociarem uma indenização com meios de comunicação), estamos nos perguntando quais outros países fariam isso. Acho que a Nova Zelândia está bem perto. Os Estados Unidos têm projetos que não saíram do lugar. Se o Brasil aprovar essa legislação, será o terceiro país do mundo e o maior.

Você está trabalhando num artigo sobre o montante que o Google deve à mídia. Qual é o valor?

Bilhões de dólares. No mundo todo, os donos de jornais estão calculando o que acham Google e Facebook devem a eles. Na maioria dos casos, os valores não são públicos. Os executivos estão fazendo negócios privados, vão ao Google e ao Facebook e dizem: “vocês nos devem”. O Google não quer regulamentação, então, em muitos casos, eles pagam diretamente aos donos dos jornais. O que estamos fazendo em nosso estudo, com uma equipe de economistas, é calcular o que pensamos do Google e o Facebook devem aos jornais americanos. Vamos tornar públicos o estudo e a metodologia e esperamos fazer isso em breve. Um estudo feito por economistas na Suíça comparou o comportamento do usuário de um “Google sem notícias” com um “Google com notícias”. O que eles descobriram foi que o “Google sem notícias” não era tão popular. Ou seja, as notícias agregam valor ao Google no Facebook. Agora é hora de fazer uma divisão mais justa.

O setor de inteligência artificial também precisa de regulação?

Uma das coisas que eu tenho falado é que será necessária uma compensação pelo conteúdo jornalístico utilizado pelos grandes modelos de linguagem. Acho que as empresas de Inteligência Artificial precisam pagar por isso. Eu encorajaria os donos de jornais brasileiros a negociar coletivamente porque acho que o conteúdo de alta qualidade (das empresas jornalísticas) vai render dinheiro para essas empresas (de tecnologia). Minha outra mensagem seria que os donos de jornais precisam se unir coletivamente. É muito fácil para o Google dar dinheiro às pequenas empresas ou dizer que elas serão prejudicadas ou que as grandes receberão mais dinheiro. A união é extremamente importante para negociações bem-sucedidas.

A professora da Universidade de Columbia (EUA), Anya Schiffrin, referência internacional no debate sobre regulamentação das Big Techs, afirmou em entrevista ao Estadão nesta quarta-feira, 13, que o mundo está observando se as empresas de tecnologia serão regulamentadas no Brasil. A Câmara discute dois projetos de lei que criam diferentes regras para as Big Techs.

O PL 2630/2020, de relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), pretende instituir diretrizes gerais sobre fake news e administração de conteúdo nas redes sociais. Já o projeto de lei 2370/2019, relatado pelo deputado Elmar Nascimento (União-BA), estabelece novas regras para remuneração de conteúdo jornalístico pelas Big Techs, para Direitos Autorais e para publicidade online.

Em maio, o PL 2630 foi retirado de pauta após pressão das Big Techs. As empresas de tecnologia alegaram que o texto ameaçava à liberdade de expressão, dentre outros pontos enfaticamente rechaçados pelo relator Orlando Silva.

Schiffrin dá aulas sobre mídia global, inovação e direitos humanos. A professora é também diretora da área de Tecnologia, Mídia e Comunicações da Escola de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Columbia. Ela esteve em Brasília à convite da Embaixada dos Estados Unidos.

Leia a seguir a entrevista da professora Anya Schiffrin:

Qual é a responsabilidade das Big Techs na disseminação da desinformação? São corresponsáveis ou uma avenida por onde passam as fake news?

Há um consenso de que estamos falando sobre volume (de informação). A quantidade é enorme e rápida. É como disse Jack Dorsey (empresário e ex-CEO do Twitter): “você tem o direito de falar, mas não tem direito de alcançar (com o que você fala)”. Acho que a viralização da informação falsa e a velocidade são as grandes diferenças. Há um constante bombardeio e reforço. O discurso se espalha até que todos repitam. Acho que provavelmente é a diferença.

A sra. acredita que é necessário criar uma regulamentação com diretrizes gerais para as Big Techs? Críticos do projeto de lei brasileiro afirmam que a proposta ameaça a liberdade de expressão.

A proposta (brasileira) tem muito em comum com a Lei dos Serviços Digitais da União Europeia. Não creio que isso seja uma ameaça à liberdade de expressão em particular. Pedir às empresas que se auto-policiem com uma supervisão externa é o que os bancos fazem. Você não pode olhar cada parte do conteúdo (publicados nos redes sociais) para tomar uma decisão que faça funcionar um sistema coerente com a regulamentação global sobre a liberdade de expressão.

Palestra "Mídias Sociais e Democracia" com a professora e intelectual da Universidade de Columbia, Nova Iorque, Anya Schiffrin. A pesquisadora é referência no debate sobre a regulação de Big Techs e jornalismo. A palestra acontece no Auditório Antonio Carlos Magalhães (Interlegis) no Senado Federal. Foto: Roque de Sá/Senado

No Brasil, as Big Techs afirmam entender a discussão sobre a criação de uma regulamentação para elas, mas dizem ser necessário debater o projeto de lei de forma mais aprofundada.

Elas sempre dizem isso. É um pouco como as empresas de carbono. Primeiro eles disseram que não havia aquecimento global. (Depois) falaram: “claro, faremos algumas mudanças. Nós precisamos de tempo para nos adaptar”. É o que eles sempre falam: “nós queremos regulação, essa só não é a correta”. Não é porque você não entende de algo que você não pode regular. Não sou especialista em aviação, não tenho formação em medicina. Se você não entende algo, é ainda mais um motivo para regulá-lo. A quantidade de dinheiro que (as empresas de tecnologia) gastam em lobby, alguns dos quais são públicos, mostra que (o discurso de que querem regulamentação) é falso.

O Estadão revelou que as Big Techs fizeram lobby online e offline para barrar o andamento do projeto de lei das Fake News na Câmara. O lobby das empresas de tecnologia é feito da mesma forma em outros países do mundo?

Sim, absolutamente. (O lobby é feito) em tudo. Desde conversas sobre contribuições de financiamento de campanha até empregar jornalistas, acadêmicos e políticos. Não é muito diferente do setor bancário ou do petróleo.

A sra acredita que as Big Techs reclamam de uma possível regulamentação porque terão prejuízo financeiro?

Acho que é parcialmente lucro, elas não querem fazer nada que prejudique suas receitas. E também um tipo de (pensamento) anti-regulamentação americano. Você tem o Vale do Silício. Há muitas pessoas lá que são bastante libertárias. Eles não gostam de interferência do governo. Acho que é uma mistura de ideologia e lucro.

Durante as discussões sobre o PL das Fake News na Câmara, o Google colocou um link em sua página principal contra a proposta e chegou a pedir que as pessoas ligassem para os deputados ou os abordassem via rede social.

O Uber fez isso em Nova York. Fizeram todo mundo ligar para o gabinete do prefeito e dizer que amam o Uber. É realmente chocante.

A sra acha que essa atuação é legítima ou passou do ponto?

Passaram do limite. Acho que todas essas táticas de lobby são absolutamente exageradas, mas, infelizmente, é assim que funcionam. (As Big Techs) agem exatamente como estão dizendo que não estão. Se estivessem certos, por que precisariam fazer todas essas coisas?

Um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados brasileira prevê que as Big Techs paguem pelo conteúdo jornalístico publicado em suas plataformas. Esse pagamento é importante?

Sim. Em todo o mundo, plataformas como Google e Facebook ganharam muito dinheiro com notícias e se tornaram tão grandes e poderosas que agora a maioria das pessoas recebe notícias a partir delas. Elas não compartilharam os lucros que ganharam, não pagaram muitos impostos e têm sido muito boas em uma espécie de evasão fiscal legalizada. Em muitos lugares, se recusam a pagar taxas de licenciamento de direitos autorais. Elas criam alguns fundos para jornalistas, mas muito pequenos. Então, sim, acho que elas devem dinheiro ao jornalismo no mundo. Muitos países tentaram de formas diferentes, e a Austrália teve sucesso. Não creio que haja solução para a crise da mídia, não creio que haverá uma solução final. Mas é muito importante fazer com que estas grandes empresas paguem a sua parte. Acho que o mundo está observando o Brasil para ver o que acontece aqui.

Qual a importância do Brasil globalmente para esta discussão?

O Brasil é conhecido como uma espécie de líder nesse tipo de regulamentação. O Marco Civil foi muito importante, há também projetos de lei sobre Inteligência Artificial e Direitos Autorais em discussão. O Brasil é um país grande (no mundo). Outro ponto é que, depois da Austrália (que aprovou um sistema que obriga as Big Techs a negociarem uma indenização com meios de comunicação), estamos nos perguntando quais outros países fariam isso. Acho que a Nova Zelândia está bem perto. Os Estados Unidos têm projetos que não saíram do lugar. Se o Brasil aprovar essa legislação, será o terceiro país do mundo e o maior.

Você está trabalhando num artigo sobre o montante que o Google deve à mídia. Qual é o valor?

Bilhões de dólares. No mundo todo, os donos de jornais estão calculando o que acham Google e Facebook devem a eles. Na maioria dos casos, os valores não são públicos. Os executivos estão fazendo negócios privados, vão ao Google e ao Facebook e dizem: “vocês nos devem”. O Google não quer regulamentação, então, em muitos casos, eles pagam diretamente aos donos dos jornais. O que estamos fazendo em nosso estudo, com uma equipe de economistas, é calcular o que pensamos do Google e o Facebook devem aos jornais americanos. Vamos tornar públicos o estudo e a metodologia e esperamos fazer isso em breve. Um estudo feito por economistas na Suíça comparou o comportamento do usuário de um “Google sem notícias” com um “Google com notícias”. O que eles descobriram foi que o “Google sem notícias” não era tão popular. Ou seja, as notícias agregam valor ao Google no Facebook. Agora é hora de fazer uma divisão mais justa.

O setor de inteligência artificial também precisa de regulação?

Uma das coisas que eu tenho falado é que será necessária uma compensação pelo conteúdo jornalístico utilizado pelos grandes modelos de linguagem. Acho que as empresas de Inteligência Artificial precisam pagar por isso. Eu encorajaria os donos de jornais brasileiros a negociar coletivamente porque acho que o conteúdo de alta qualidade (das empresas jornalísticas) vai render dinheiro para essas empresas (de tecnologia). Minha outra mensagem seria que os donos de jornais precisam se unir coletivamente. É muito fácil para o Google dar dinheiro às pequenas empresas ou dizer que elas serão prejudicadas ou que as grandes receberão mais dinheiro. A união é extremamente importante para negociações bem-sucedidas.

A professora da Universidade de Columbia (EUA), Anya Schiffrin, referência internacional no debate sobre regulamentação das Big Techs, afirmou em entrevista ao Estadão nesta quarta-feira, 13, que o mundo está observando se as empresas de tecnologia serão regulamentadas no Brasil. A Câmara discute dois projetos de lei que criam diferentes regras para as Big Techs.

O PL 2630/2020, de relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), pretende instituir diretrizes gerais sobre fake news e administração de conteúdo nas redes sociais. Já o projeto de lei 2370/2019, relatado pelo deputado Elmar Nascimento (União-BA), estabelece novas regras para remuneração de conteúdo jornalístico pelas Big Techs, para Direitos Autorais e para publicidade online.

Em maio, o PL 2630 foi retirado de pauta após pressão das Big Techs. As empresas de tecnologia alegaram que o texto ameaçava à liberdade de expressão, dentre outros pontos enfaticamente rechaçados pelo relator Orlando Silva.

Schiffrin dá aulas sobre mídia global, inovação e direitos humanos. A professora é também diretora da área de Tecnologia, Mídia e Comunicações da Escola de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Columbia. Ela esteve em Brasília à convite da Embaixada dos Estados Unidos.

Leia a seguir a entrevista da professora Anya Schiffrin:

Qual é a responsabilidade das Big Techs na disseminação da desinformação? São corresponsáveis ou uma avenida por onde passam as fake news?

Há um consenso de que estamos falando sobre volume (de informação). A quantidade é enorme e rápida. É como disse Jack Dorsey (empresário e ex-CEO do Twitter): “você tem o direito de falar, mas não tem direito de alcançar (com o que você fala)”. Acho que a viralização da informação falsa e a velocidade são as grandes diferenças. Há um constante bombardeio e reforço. O discurso se espalha até que todos repitam. Acho que provavelmente é a diferença.

A sra. acredita que é necessário criar uma regulamentação com diretrizes gerais para as Big Techs? Críticos do projeto de lei brasileiro afirmam que a proposta ameaça a liberdade de expressão.

A proposta (brasileira) tem muito em comum com a Lei dos Serviços Digitais da União Europeia. Não creio que isso seja uma ameaça à liberdade de expressão em particular. Pedir às empresas que se auto-policiem com uma supervisão externa é o que os bancos fazem. Você não pode olhar cada parte do conteúdo (publicados nos redes sociais) para tomar uma decisão que faça funcionar um sistema coerente com a regulamentação global sobre a liberdade de expressão.

Palestra "Mídias Sociais e Democracia" com a professora e intelectual da Universidade de Columbia, Nova Iorque, Anya Schiffrin. A pesquisadora é referência no debate sobre a regulação de Big Techs e jornalismo. A palestra acontece no Auditório Antonio Carlos Magalhães (Interlegis) no Senado Federal. Foto: Roque de Sá/Senado

No Brasil, as Big Techs afirmam entender a discussão sobre a criação de uma regulamentação para elas, mas dizem ser necessário debater o projeto de lei de forma mais aprofundada.

Elas sempre dizem isso. É um pouco como as empresas de carbono. Primeiro eles disseram que não havia aquecimento global. (Depois) falaram: “claro, faremos algumas mudanças. Nós precisamos de tempo para nos adaptar”. É o que eles sempre falam: “nós queremos regulação, essa só não é a correta”. Não é porque você não entende de algo que você não pode regular. Não sou especialista em aviação, não tenho formação em medicina. Se você não entende algo, é ainda mais um motivo para regulá-lo. A quantidade de dinheiro que (as empresas de tecnologia) gastam em lobby, alguns dos quais são públicos, mostra que (o discurso de que querem regulamentação) é falso.

O Estadão revelou que as Big Techs fizeram lobby online e offline para barrar o andamento do projeto de lei das Fake News na Câmara. O lobby das empresas de tecnologia é feito da mesma forma em outros países do mundo?

Sim, absolutamente. (O lobby é feito) em tudo. Desde conversas sobre contribuições de financiamento de campanha até empregar jornalistas, acadêmicos e políticos. Não é muito diferente do setor bancário ou do petróleo.

A sra acredita que as Big Techs reclamam de uma possível regulamentação porque terão prejuízo financeiro?

Acho que é parcialmente lucro, elas não querem fazer nada que prejudique suas receitas. E também um tipo de (pensamento) anti-regulamentação americano. Você tem o Vale do Silício. Há muitas pessoas lá que são bastante libertárias. Eles não gostam de interferência do governo. Acho que é uma mistura de ideologia e lucro.

Durante as discussões sobre o PL das Fake News na Câmara, o Google colocou um link em sua página principal contra a proposta e chegou a pedir que as pessoas ligassem para os deputados ou os abordassem via rede social.

O Uber fez isso em Nova York. Fizeram todo mundo ligar para o gabinete do prefeito e dizer que amam o Uber. É realmente chocante.

A sra acha que essa atuação é legítima ou passou do ponto?

Passaram do limite. Acho que todas essas táticas de lobby são absolutamente exageradas, mas, infelizmente, é assim que funcionam. (As Big Techs) agem exatamente como estão dizendo que não estão. Se estivessem certos, por que precisariam fazer todas essas coisas?

Um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados brasileira prevê que as Big Techs paguem pelo conteúdo jornalístico publicado em suas plataformas. Esse pagamento é importante?

Sim. Em todo o mundo, plataformas como Google e Facebook ganharam muito dinheiro com notícias e se tornaram tão grandes e poderosas que agora a maioria das pessoas recebe notícias a partir delas. Elas não compartilharam os lucros que ganharam, não pagaram muitos impostos e têm sido muito boas em uma espécie de evasão fiscal legalizada. Em muitos lugares, se recusam a pagar taxas de licenciamento de direitos autorais. Elas criam alguns fundos para jornalistas, mas muito pequenos. Então, sim, acho que elas devem dinheiro ao jornalismo no mundo. Muitos países tentaram de formas diferentes, e a Austrália teve sucesso. Não creio que haja solução para a crise da mídia, não creio que haverá uma solução final. Mas é muito importante fazer com que estas grandes empresas paguem a sua parte. Acho que o mundo está observando o Brasil para ver o que acontece aqui.

Qual a importância do Brasil globalmente para esta discussão?

O Brasil é conhecido como uma espécie de líder nesse tipo de regulamentação. O Marco Civil foi muito importante, há também projetos de lei sobre Inteligência Artificial e Direitos Autorais em discussão. O Brasil é um país grande (no mundo). Outro ponto é que, depois da Austrália (que aprovou um sistema que obriga as Big Techs a negociarem uma indenização com meios de comunicação), estamos nos perguntando quais outros países fariam isso. Acho que a Nova Zelândia está bem perto. Os Estados Unidos têm projetos que não saíram do lugar. Se o Brasil aprovar essa legislação, será o terceiro país do mundo e o maior.

Você está trabalhando num artigo sobre o montante que o Google deve à mídia. Qual é o valor?

Bilhões de dólares. No mundo todo, os donos de jornais estão calculando o que acham Google e Facebook devem a eles. Na maioria dos casos, os valores não são públicos. Os executivos estão fazendo negócios privados, vão ao Google e ao Facebook e dizem: “vocês nos devem”. O Google não quer regulamentação, então, em muitos casos, eles pagam diretamente aos donos dos jornais. O que estamos fazendo em nosso estudo, com uma equipe de economistas, é calcular o que pensamos do Google e o Facebook devem aos jornais americanos. Vamos tornar públicos o estudo e a metodologia e esperamos fazer isso em breve. Um estudo feito por economistas na Suíça comparou o comportamento do usuário de um “Google sem notícias” com um “Google com notícias”. O que eles descobriram foi que o “Google sem notícias” não era tão popular. Ou seja, as notícias agregam valor ao Google no Facebook. Agora é hora de fazer uma divisão mais justa.

O setor de inteligência artificial também precisa de regulação?

Uma das coisas que eu tenho falado é que será necessária uma compensação pelo conteúdo jornalístico utilizado pelos grandes modelos de linguagem. Acho que as empresas de Inteligência Artificial precisam pagar por isso. Eu encorajaria os donos de jornais brasileiros a negociar coletivamente porque acho que o conteúdo de alta qualidade (das empresas jornalísticas) vai render dinheiro para essas empresas (de tecnologia). Minha outra mensagem seria que os donos de jornais precisam se unir coletivamente. É muito fácil para o Google dar dinheiro às pequenas empresas ou dizer que elas serão prejudicadas ou que as grandes receberão mais dinheiro. A união é extremamente importante para negociações bem-sucedidas.

Entrevista por Julia Affonso
Francisco Leali

Coordenador na Sucursal do Estadão em Brasília. Jornalista, Mestre em Comunicação e pesquisador especializado em transparência pública.

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