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Operação policial no Jacarezinho: reflexões criminológicas necessárias


Por Antonio Baptista Gonçalves
Antonio Baptista Gonçalves. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A violência policial no Brasil não é inédita. E sua ação gera controvérsias tanto positivas quanto negativas. Dentre os críticos temos o fato que as polícias não respeitam os direitos humanos da população, porém, imagine o seguinte cenário: enfrentar o crime organizado muito mais paramentado em número, armamento e com condições geográficas favoráveis? Qual deveria ser a postura? Será que o correto seria o confronto ou um trabalho investigativo prévio a fim de prender e reprimir as condutas? E se este não for realizado? Como ficam as mortes inevitáveis de inocentes no meio desta guerra? Eis o cerne do debate que faremos. E iniciaremos o tema pelas consequências da pandemia do COVID-19 e as políticas públicas de segurança nas comunidades cariocas.

A fim de proteger a população e evitar o risco de disseminação do vírus, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin decidiu, em caráter liminar, na ADPF 635 que, enquanto perdurar a pandemia do COVID-19, as operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro estariam suspensas, salvo em casos excepcionais, sob pena de responsabilização civil e criminal. Em agosto do ano passado, o Plenário do STF referendou a liminar e estabeleceu que as operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro devem ser restritas aos casos excepcionais, informadas e acompanhadas pelo Ministério Público estadual.

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Na semana passada uma ação da polícia civil na comunidade do Jacarezinho deflagrou a operação mais letal da história recente do Rio de Janeiro com a morte de um policial e de 27 pessoas. O acontecimento reacendeu o sempre candente debate acerca da letalidade policial. Refletimos.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, 3.181 pessoas foram mortas pela polícia no primeiro semestre de 2020. O número representa um crescimento de 6% em relação ao mesmo período de 2019. Entre as vítimas, a grande maioria eram homens (99,2%), jovens (74,3%) e negros (79,1%). Ainda de acordo com o Anuário, foram 6.357 mortes por intervenções policiais e, por fim, 13,3% das mortes violentas intencionais foram provocadas pelas polícias.

Nas redes sociais, termômetro da aprovação/reprovação social, não foram poucos os comentários elogiando a atuação policial e que, na verdade, deveriam ter sido mortos mais criminosos, que os únicos legitimados a portar fuzis são os policiais, uma chancela ao adágio popular que "bandido bom é bandido morto".

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De outro lado temos os defensores dos Direitos Humanos e da Constituição Federal que preconizam a defesa da dignidade da pessoa humana, que não vale tudo em nome da segurança pública e que a ação policial recente mostra o despreparo do Governo do Estado do Rio de Janeiro em promover políticas públicas de segurança eficazes.

Já o atual governador daquele Estado justificou que a operação foi além de excepcional, dentro dos limites legais: "É preciso deixar claro que a operação realizada pela Polícia Civil foi o fiel cumprimento de dezenas de mandados de prisão. Foram 10 meses de trabalho de investigação que revelaram a rotina de terror e humilhação que o tráfico impôs aos moradores. Crianças eram aliciadas e cooptadas para o crime. Famílias inteiras eram expulsas de suas casas e mortas".

A reflexão necessária que iremos promover parte de outra premissa: a mudança, ao longo do tempo, das ações policiais no conflito para reprimir o tráfico e o crime organizado. Em especial o Rio de Janeiro, que teve os cinco últimos governadores envolvidos com desvio de verbas e prisões, os problemas são evidentes para os investimentos necessários para a força policial.

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O resultado é o déficit das polícias que se desdobra tanto em efetivo humano, quanto em falta de material, equipamento, munição, manutenção de viaturas e em tecnologia que propicie uma integração do banco de dados, dentre outros. O déficit de soldados é praticamente metade do total do efetivo necessário no Estado, lembrando que são estes os responsáveis pelo primeiro atendimento e pela ronda.

Somado a isso temos a impossibilidade prática de elucidação dos inquéritos policiais, afinal, sem a quantidade necessária de pessoas para trabalhar e investigar, a função primordial de prevenir se revela uma árdua tarefa, com resultados efetivos muito aquém do necessário. A taxa de elucidação dos inquéritos é inferior a 10%. Tal número confere uma sensação de impunidade aos criminosos e infratores que se sentem motivados a permanecer na criminalidade ante a falta de responsabilização criminal.

A fim de suprir essa lacuna, o Estado promove a resposta social da maneira mais comum: com violência e repressão, o que reflete em ações repressivas da polícia, em especial a do Rio de Janeiro, local em que geograficamente é comum a convivência da população com criminosos e milicianos por conta da exclusão econômica e da consequente habitação nas comunidades cariocas. Assim, se prende mais, porém, com menos critérios e mais ação e violência.

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Como a polícia atua na repressão a mentalidade também foi alterada e não mais se age de maneira preventiva, logo, a chegada é bruta e, não raro, sangrenta, como se a força policial estivesse em uma selva e para sobreviver não há solução outra senão eliminar o inimigo. Porém, entre os criminosos e traficantes temos a população composta por pessoas inocentes que a única culpa que possuem é estarem na hora errada e no lugar errado. Assim, balas perdidas, fruto do confronto direto entre polícia e criminosos, resultam em baixas de civis, como no caso do Jacarezinho.

E qual a solução? A população clama por segurança, a criminalidade somente aumenta no Rio de Janeiro, os investimentos são cada vez menores e a violência é clara e notória naquele Estado. A política de prender pela repressão, avolumar o já inchado sistema penitenciário, não tem se mostrado eficaz. A crise do tráfico no Rio de Janeiro é resultado do desmazelo do próprio Estado, a falta de recursos é clara, por isso a morte de inocentes aumenta, o crime não é contido, e as forças policiais perecem continuamente, sem a devida reposição. É crise da segurança pública.

A solução seria investir em políticas públicas alternativas, porém, com o atual caos da segurança pública carioca, o que se questiona é se há outro caminho para o não incremento da letalidade? As ações policiais são recorrentes e os policiais, sem a devida proteção estatal, se colocam em risco e seguem morrendo e preenchendo estatísticas tanto quanto a população carioca. O atual cenário não confere proteção e segurança nem para a força do estado, representada pelas polícias e, muito menos, para a população. Enquanto isso o crime organizado cresce e se fortalece.

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*Antonio Baptista Gonçalves, advogado, pós-Doutor em Desafios en la postmodernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela, pós-doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP, pós-doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza. Doutor e mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP, MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas; especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra, especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, pós-graduado em Teoria dos Delitos - Universidade de Salamanca, pós-graduado em Direito Penal Econômico e em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas - FGV, bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Filosofia pela PUC/SP

Antonio Baptista Gonçalves. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A violência policial no Brasil não é inédita. E sua ação gera controvérsias tanto positivas quanto negativas. Dentre os críticos temos o fato que as polícias não respeitam os direitos humanos da população, porém, imagine o seguinte cenário: enfrentar o crime organizado muito mais paramentado em número, armamento e com condições geográficas favoráveis? Qual deveria ser a postura? Será que o correto seria o confronto ou um trabalho investigativo prévio a fim de prender e reprimir as condutas? E se este não for realizado? Como ficam as mortes inevitáveis de inocentes no meio desta guerra? Eis o cerne do debate que faremos. E iniciaremos o tema pelas consequências da pandemia do COVID-19 e as políticas públicas de segurança nas comunidades cariocas.

A fim de proteger a população e evitar o risco de disseminação do vírus, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin decidiu, em caráter liminar, na ADPF 635 que, enquanto perdurar a pandemia do COVID-19, as operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro estariam suspensas, salvo em casos excepcionais, sob pena de responsabilização civil e criminal. Em agosto do ano passado, o Plenário do STF referendou a liminar e estabeleceu que as operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro devem ser restritas aos casos excepcionais, informadas e acompanhadas pelo Ministério Público estadual.

Na semana passada uma ação da polícia civil na comunidade do Jacarezinho deflagrou a operação mais letal da história recente do Rio de Janeiro com a morte de um policial e de 27 pessoas. O acontecimento reacendeu o sempre candente debate acerca da letalidade policial. Refletimos.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, 3.181 pessoas foram mortas pela polícia no primeiro semestre de 2020. O número representa um crescimento de 6% em relação ao mesmo período de 2019. Entre as vítimas, a grande maioria eram homens (99,2%), jovens (74,3%) e negros (79,1%). Ainda de acordo com o Anuário, foram 6.357 mortes por intervenções policiais e, por fim, 13,3% das mortes violentas intencionais foram provocadas pelas polícias.

Nas redes sociais, termômetro da aprovação/reprovação social, não foram poucos os comentários elogiando a atuação policial e que, na verdade, deveriam ter sido mortos mais criminosos, que os únicos legitimados a portar fuzis são os policiais, uma chancela ao adágio popular que "bandido bom é bandido morto".

De outro lado temos os defensores dos Direitos Humanos e da Constituição Federal que preconizam a defesa da dignidade da pessoa humana, que não vale tudo em nome da segurança pública e que a ação policial recente mostra o despreparo do Governo do Estado do Rio de Janeiro em promover políticas públicas de segurança eficazes.

Já o atual governador daquele Estado justificou que a operação foi além de excepcional, dentro dos limites legais: "É preciso deixar claro que a operação realizada pela Polícia Civil foi o fiel cumprimento de dezenas de mandados de prisão. Foram 10 meses de trabalho de investigação que revelaram a rotina de terror e humilhação que o tráfico impôs aos moradores. Crianças eram aliciadas e cooptadas para o crime. Famílias inteiras eram expulsas de suas casas e mortas".

A reflexão necessária que iremos promover parte de outra premissa: a mudança, ao longo do tempo, das ações policiais no conflito para reprimir o tráfico e o crime organizado. Em especial o Rio de Janeiro, que teve os cinco últimos governadores envolvidos com desvio de verbas e prisões, os problemas são evidentes para os investimentos necessários para a força policial.

O resultado é o déficit das polícias que se desdobra tanto em efetivo humano, quanto em falta de material, equipamento, munição, manutenção de viaturas e em tecnologia que propicie uma integração do banco de dados, dentre outros. O déficit de soldados é praticamente metade do total do efetivo necessário no Estado, lembrando que são estes os responsáveis pelo primeiro atendimento e pela ronda.

Somado a isso temos a impossibilidade prática de elucidação dos inquéritos policiais, afinal, sem a quantidade necessária de pessoas para trabalhar e investigar, a função primordial de prevenir se revela uma árdua tarefa, com resultados efetivos muito aquém do necessário. A taxa de elucidação dos inquéritos é inferior a 10%. Tal número confere uma sensação de impunidade aos criminosos e infratores que se sentem motivados a permanecer na criminalidade ante a falta de responsabilização criminal.

A fim de suprir essa lacuna, o Estado promove a resposta social da maneira mais comum: com violência e repressão, o que reflete em ações repressivas da polícia, em especial a do Rio de Janeiro, local em que geograficamente é comum a convivência da população com criminosos e milicianos por conta da exclusão econômica e da consequente habitação nas comunidades cariocas. Assim, se prende mais, porém, com menos critérios e mais ação e violência.

Como a polícia atua na repressão a mentalidade também foi alterada e não mais se age de maneira preventiva, logo, a chegada é bruta e, não raro, sangrenta, como se a força policial estivesse em uma selva e para sobreviver não há solução outra senão eliminar o inimigo. Porém, entre os criminosos e traficantes temos a população composta por pessoas inocentes que a única culpa que possuem é estarem na hora errada e no lugar errado. Assim, balas perdidas, fruto do confronto direto entre polícia e criminosos, resultam em baixas de civis, como no caso do Jacarezinho.

E qual a solução? A população clama por segurança, a criminalidade somente aumenta no Rio de Janeiro, os investimentos são cada vez menores e a violência é clara e notória naquele Estado. A política de prender pela repressão, avolumar o já inchado sistema penitenciário, não tem se mostrado eficaz. A crise do tráfico no Rio de Janeiro é resultado do desmazelo do próprio Estado, a falta de recursos é clara, por isso a morte de inocentes aumenta, o crime não é contido, e as forças policiais perecem continuamente, sem a devida reposição. É crise da segurança pública.

A solução seria investir em políticas públicas alternativas, porém, com o atual caos da segurança pública carioca, o que se questiona é se há outro caminho para o não incremento da letalidade? As ações policiais são recorrentes e os policiais, sem a devida proteção estatal, se colocam em risco e seguem morrendo e preenchendo estatísticas tanto quanto a população carioca. O atual cenário não confere proteção e segurança nem para a força do estado, representada pelas polícias e, muito menos, para a população. Enquanto isso o crime organizado cresce e se fortalece.

*Antonio Baptista Gonçalves, advogado, pós-Doutor em Desafios en la postmodernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela, pós-doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP, pós-doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza. Doutor e mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP, MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas; especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra, especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, pós-graduado em Teoria dos Delitos - Universidade de Salamanca, pós-graduado em Direito Penal Econômico e em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas - FGV, bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Filosofia pela PUC/SP

Antonio Baptista Gonçalves. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A violência policial no Brasil não é inédita. E sua ação gera controvérsias tanto positivas quanto negativas. Dentre os críticos temos o fato que as polícias não respeitam os direitos humanos da população, porém, imagine o seguinte cenário: enfrentar o crime organizado muito mais paramentado em número, armamento e com condições geográficas favoráveis? Qual deveria ser a postura? Será que o correto seria o confronto ou um trabalho investigativo prévio a fim de prender e reprimir as condutas? E se este não for realizado? Como ficam as mortes inevitáveis de inocentes no meio desta guerra? Eis o cerne do debate que faremos. E iniciaremos o tema pelas consequências da pandemia do COVID-19 e as políticas públicas de segurança nas comunidades cariocas.

A fim de proteger a população e evitar o risco de disseminação do vírus, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin decidiu, em caráter liminar, na ADPF 635 que, enquanto perdurar a pandemia do COVID-19, as operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro estariam suspensas, salvo em casos excepcionais, sob pena de responsabilização civil e criminal. Em agosto do ano passado, o Plenário do STF referendou a liminar e estabeleceu que as operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro devem ser restritas aos casos excepcionais, informadas e acompanhadas pelo Ministério Público estadual.

Na semana passada uma ação da polícia civil na comunidade do Jacarezinho deflagrou a operação mais letal da história recente do Rio de Janeiro com a morte de um policial e de 27 pessoas. O acontecimento reacendeu o sempre candente debate acerca da letalidade policial. Refletimos.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, 3.181 pessoas foram mortas pela polícia no primeiro semestre de 2020. O número representa um crescimento de 6% em relação ao mesmo período de 2019. Entre as vítimas, a grande maioria eram homens (99,2%), jovens (74,3%) e negros (79,1%). Ainda de acordo com o Anuário, foram 6.357 mortes por intervenções policiais e, por fim, 13,3% das mortes violentas intencionais foram provocadas pelas polícias.

Nas redes sociais, termômetro da aprovação/reprovação social, não foram poucos os comentários elogiando a atuação policial e que, na verdade, deveriam ter sido mortos mais criminosos, que os únicos legitimados a portar fuzis são os policiais, uma chancela ao adágio popular que "bandido bom é bandido morto".

De outro lado temos os defensores dos Direitos Humanos e da Constituição Federal que preconizam a defesa da dignidade da pessoa humana, que não vale tudo em nome da segurança pública e que a ação policial recente mostra o despreparo do Governo do Estado do Rio de Janeiro em promover políticas públicas de segurança eficazes.

Já o atual governador daquele Estado justificou que a operação foi além de excepcional, dentro dos limites legais: "É preciso deixar claro que a operação realizada pela Polícia Civil foi o fiel cumprimento de dezenas de mandados de prisão. Foram 10 meses de trabalho de investigação que revelaram a rotina de terror e humilhação que o tráfico impôs aos moradores. Crianças eram aliciadas e cooptadas para o crime. Famílias inteiras eram expulsas de suas casas e mortas".

A reflexão necessária que iremos promover parte de outra premissa: a mudança, ao longo do tempo, das ações policiais no conflito para reprimir o tráfico e o crime organizado. Em especial o Rio de Janeiro, que teve os cinco últimos governadores envolvidos com desvio de verbas e prisões, os problemas são evidentes para os investimentos necessários para a força policial.

O resultado é o déficit das polícias que se desdobra tanto em efetivo humano, quanto em falta de material, equipamento, munição, manutenção de viaturas e em tecnologia que propicie uma integração do banco de dados, dentre outros. O déficit de soldados é praticamente metade do total do efetivo necessário no Estado, lembrando que são estes os responsáveis pelo primeiro atendimento e pela ronda.

Somado a isso temos a impossibilidade prática de elucidação dos inquéritos policiais, afinal, sem a quantidade necessária de pessoas para trabalhar e investigar, a função primordial de prevenir se revela uma árdua tarefa, com resultados efetivos muito aquém do necessário. A taxa de elucidação dos inquéritos é inferior a 10%. Tal número confere uma sensação de impunidade aos criminosos e infratores que se sentem motivados a permanecer na criminalidade ante a falta de responsabilização criminal.

A fim de suprir essa lacuna, o Estado promove a resposta social da maneira mais comum: com violência e repressão, o que reflete em ações repressivas da polícia, em especial a do Rio de Janeiro, local em que geograficamente é comum a convivência da população com criminosos e milicianos por conta da exclusão econômica e da consequente habitação nas comunidades cariocas. Assim, se prende mais, porém, com menos critérios e mais ação e violência.

Como a polícia atua na repressão a mentalidade também foi alterada e não mais se age de maneira preventiva, logo, a chegada é bruta e, não raro, sangrenta, como se a força policial estivesse em uma selva e para sobreviver não há solução outra senão eliminar o inimigo. Porém, entre os criminosos e traficantes temos a população composta por pessoas inocentes que a única culpa que possuem é estarem na hora errada e no lugar errado. Assim, balas perdidas, fruto do confronto direto entre polícia e criminosos, resultam em baixas de civis, como no caso do Jacarezinho.

E qual a solução? A população clama por segurança, a criminalidade somente aumenta no Rio de Janeiro, os investimentos são cada vez menores e a violência é clara e notória naquele Estado. A política de prender pela repressão, avolumar o já inchado sistema penitenciário, não tem se mostrado eficaz. A crise do tráfico no Rio de Janeiro é resultado do desmazelo do próprio Estado, a falta de recursos é clara, por isso a morte de inocentes aumenta, o crime não é contido, e as forças policiais perecem continuamente, sem a devida reposição. É crise da segurança pública.

A solução seria investir em políticas públicas alternativas, porém, com o atual caos da segurança pública carioca, o que se questiona é se há outro caminho para o não incremento da letalidade? As ações policiais são recorrentes e os policiais, sem a devida proteção estatal, se colocam em risco e seguem morrendo e preenchendo estatísticas tanto quanto a população carioca. O atual cenário não confere proteção e segurança nem para a força do estado, representada pelas polícias e, muito menos, para a população. Enquanto isso o crime organizado cresce e se fortalece.

*Antonio Baptista Gonçalves, advogado, pós-Doutor em Desafios en la postmodernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela, pós-doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP, pós-doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza. Doutor e mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP, MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas; especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra, especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, pós-graduado em Teoria dos Delitos - Universidade de Salamanca, pós-graduado em Direito Penal Econômico e em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas - FGV, bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Filosofia pela PUC/SP

Antonio Baptista Gonçalves. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A violência policial no Brasil não é inédita. E sua ação gera controvérsias tanto positivas quanto negativas. Dentre os críticos temos o fato que as polícias não respeitam os direitos humanos da população, porém, imagine o seguinte cenário: enfrentar o crime organizado muito mais paramentado em número, armamento e com condições geográficas favoráveis? Qual deveria ser a postura? Será que o correto seria o confronto ou um trabalho investigativo prévio a fim de prender e reprimir as condutas? E se este não for realizado? Como ficam as mortes inevitáveis de inocentes no meio desta guerra? Eis o cerne do debate que faremos. E iniciaremos o tema pelas consequências da pandemia do COVID-19 e as políticas públicas de segurança nas comunidades cariocas.

A fim de proteger a população e evitar o risco de disseminação do vírus, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin decidiu, em caráter liminar, na ADPF 635 que, enquanto perdurar a pandemia do COVID-19, as operações policiais nas comunidades do Rio de Janeiro estariam suspensas, salvo em casos excepcionais, sob pena de responsabilização civil e criminal. Em agosto do ano passado, o Plenário do STF referendou a liminar e estabeleceu que as operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro devem ser restritas aos casos excepcionais, informadas e acompanhadas pelo Ministério Público estadual.

Na semana passada uma ação da polícia civil na comunidade do Jacarezinho deflagrou a operação mais letal da história recente do Rio de Janeiro com a morte de um policial e de 27 pessoas. O acontecimento reacendeu o sempre candente debate acerca da letalidade policial. Refletimos.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, 3.181 pessoas foram mortas pela polícia no primeiro semestre de 2020. O número representa um crescimento de 6% em relação ao mesmo período de 2019. Entre as vítimas, a grande maioria eram homens (99,2%), jovens (74,3%) e negros (79,1%). Ainda de acordo com o Anuário, foram 6.357 mortes por intervenções policiais e, por fim, 13,3% das mortes violentas intencionais foram provocadas pelas polícias.

Nas redes sociais, termômetro da aprovação/reprovação social, não foram poucos os comentários elogiando a atuação policial e que, na verdade, deveriam ter sido mortos mais criminosos, que os únicos legitimados a portar fuzis são os policiais, uma chancela ao adágio popular que "bandido bom é bandido morto".

De outro lado temos os defensores dos Direitos Humanos e da Constituição Federal que preconizam a defesa da dignidade da pessoa humana, que não vale tudo em nome da segurança pública e que a ação policial recente mostra o despreparo do Governo do Estado do Rio de Janeiro em promover políticas públicas de segurança eficazes.

Já o atual governador daquele Estado justificou que a operação foi além de excepcional, dentro dos limites legais: "É preciso deixar claro que a operação realizada pela Polícia Civil foi o fiel cumprimento de dezenas de mandados de prisão. Foram 10 meses de trabalho de investigação que revelaram a rotina de terror e humilhação que o tráfico impôs aos moradores. Crianças eram aliciadas e cooptadas para o crime. Famílias inteiras eram expulsas de suas casas e mortas".

A reflexão necessária que iremos promover parte de outra premissa: a mudança, ao longo do tempo, das ações policiais no conflito para reprimir o tráfico e o crime organizado. Em especial o Rio de Janeiro, que teve os cinco últimos governadores envolvidos com desvio de verbas e prisões, os problemas são evidentes para os investimentos necessários para a força policial.

O resultado é o déficit das polícias que se desdobra tanto em efetivo humano, quanto em falta de material, equipamento, munição, manutenção de viaturas e em tecnologia que propicie uma integração do banco de dados, dentre outros. O déficit de soldados é praticamente metade do total do efetivo necessário no Estado, lembrando que são estes os responsáveis pelo primeiro atendimento e pela ronda.

Somado a isso temos a impossibilidade prática de elucidação dos inquéritos policiais, afinal, sem a quantidade necessária de pessoas para trabalhar e investigar, a função primordial de prevenir se revela uma árdua tarefa, com resultados efetivos muito aquém do necessário. A taxa de elucidação dos inquéritos é inferior a 10%. Tal número confere uma sensação de impunidade aos criminosos e infratores que se sentem motivados a permanecer na criminalidade ante a falta de responsabilização criminal.

A fim de suprir essa lacuna, o Estado promove a resposta social da maneira mais comum: com violência e repressão, o que reflete em ações repressivas da polícia, em especial a do Rio de Janeiro, local em que geograficamente é comum a convivência da população com criminosos e milicianos por conta da exclusão econômica e da consequente habitação nas comunidades cariocas. Assim, se prende mais, porém, com menos critérios e mais ação e violência.

Como a polícia atua na repressão a mentalidade também foi alterada e não mais se age de maneira preventiva, logo, a chegada é bruta e, não raro, sangrenta, como se a força policial estivesse em uma selva e para sobreviver não há solução outra senão eliminar o inimigo. Porém, entre os criminosos e traficantes temos a população composta por pessoas inocentes que a única culpa que possuem é estarem na hora errada e no lugar errado. Assim, balas perdidas, fruto do confronto direto entre polícia e criminosos, resultam em baixas de civis, como no caso do Jacarezinho.

E qual a solução? A população clama por segurança, a criminalidade somente aumenta no Rio de Janeiro, os investimentos são cada vez menores e a violência é clara e notória naquele Estado. A política de prender pela repressão, avolumar o já inchado sistema penitenciário, não tem se mostrado eficaz. A crise do tráfico no Rio de Janeiro é resultado do desmazelo do próprio Estado, a falta de recursos é clara, por isso a morte de inocentes aumenta, o crime não é contido, e as forças policiais perecem continuamente, sem a devida reposição. É crise da segurança pública.

A solução seria investir em políticas públicas alternativas, porém, com o atual caos da segurança pública carioca, o que se questiona é se há outro caminho para o não incremento da letalidade? As ações policiais são recorrentes e os policiais, sem a devida proteção estatal, se colocam em risco e seguem morrendo e preenchendo estatísticas tanto quanto a população carioca. O atual cenário não confere proteção e segurança nem para a força do estado, representada pelas polícias e, muito menos, para a população. Enquanto isso o crime organizado cresce e se fortalece.

*Antonio Baptista Gonçalves, advogado, pós-Doutor em Desafios en la postmodernidad para los Derechos Humanos y los Derechos Fundamentales pela Universidade de Santiago de Compostela, pós-doutor em Ciência da Religião pela PUC/SP, pós-doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade de La Matanza. Doutor e mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP, MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas; especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra, especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra, pós-graduado em Teoria dos Delitos - Universidade de Salamanca, pós-graduado em Direito Penal Econômico e em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas - FGV, bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Filosofia pela PUC/SP

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