O reconhecimento do direito à conversão do tempo de serviço especial em tempo comum para fins de aposentadoria, para os servidores públicos, representa a correção de uma antiga inconstitucionalidade praticada contra a categoria, especialmente aos ocupantes de cargos privativos de profissionais da saúde.
Importante decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal definiu ser constitucional a aplicação das regras do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que vale aos trabalhadores celetistas, para os servidores públicos que exerceram atividades especiais, nocivas à saúde ou à integridade física. Com isso, eles poderão converter e averbar o tempo de trabalho anterior à Emenda Constitucional 103/2019, conhecida como Reforma da Previdência. A decisão teve a repercussão geral reconhecida, e servirá de base para solucionar mais de 900 casos semelhantes que aguardam julgamento em outras instâncias do Judiciário.
A Reforma Previdenciária, que promoveu inúmeras alterações no cenário jurídico brasileiro no que se refere a aposentadoria, entrou em vigor no país três anos após o recurso do Estado de São Paulo (RE n. 1.014.286) chegar ao STF. Com esse novo posicionamento da Corte, grande parcela dos servidores que laboraram expostos a condições insalubres poderá se aposentar imediatamente e, em certos casos, exigir reparação do Estado pelo período trabalhado além do que era devido, o que pode superar R$200 mil reais para alguns.
O julgamento acertado do Supremo garante segurança jurídica aos servidores públicos e reconhece os danos impostos a muitos dos profissionais que trabalharam durante anos sob condições nocivas à saúde.
Nesse contexto, como bem colocou o ministro Luís Roberto Barroso no julgamento, o fator de conversão do tempo especial em comum opera como preceito de isonomia, o que equilibra a compensação pelos riscos sofridos. Além disso, conforme entendimento do próprio Barroso em processo destacado pelo ministro Edson Fachin, a aposentadoria especial do servidor guarda relação próxima com o direito à contagem diferenciada, conforme interpretação do artigo 40, § 4°, da Constituição, com redação dada pela EC n. 103/2019.
Em razão disso, é correto o entendimento firmado pelos ministros de que até a edição da Reforma da Previdência é possível a conversão do tempo de serviço prestado por servidores públicos em condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, em tempo comum e sua consequente averbação para fins da concessão de aposentadoria. Já após a vigência da reforma, as regras para a conversão de tempo especial deverão ser regulamentadas por lei complementar dos entes federados.
Com a Reforma da Previdência, a redação sobre o tema na Constituição ficou da seguinte maneira:
Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. (...)
- 4º-C. Poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação.
Apesar disso, a EC n. 103/19 dispôs expressamente que "A aposentadoria a que se refere o § 4º-C do art. 40 da Constituição Federal observará adicionalmente as condições e os requisitos estabelecidos para o Regime Geral de Previdência Social, naquilo em que não conflitarem com as regras específicas aplicáveis ao regime próprio de previdência social da União, vedada a conversão de tempo especial em comum" (art. 10, § 3º). Por esse motivo, os ministros entenderam ser necessário que o direito à conversão esteja limitado à data de promulgação da Reforma da Previdência.
No que se refere ao período anterior à Reforma, por ausência de previsão expressa, não se pode impedir a contagem de tempo diferenciado desses profissionais que servem ao Estado e que exerceram atividades laborais estando expostos a agente nocivos à saúde e à integridade física. Decisão contrária violaria o postulado da segurança jurídica e a própria natureza da aposentadoria especial do servidor.
Por fim, para que a decisão do STF surta seus efeitos, é preciso que o interessado acione o Estado pela via judicial para garantir a aposentadoria nessas hipóteses. Isso porque o entendimento foi firmado em sede de repercussão geral, que vincula apenas o posicionamento dos órgãos do Judiciário.
Após analisados os documentos da vida funcional do servidor e constatado que ele laborou durante 25 anos sob condições insalubres, surge o seu direito à aposentadoria. Importante ainda ressaltar que, se ele tiver completado esses 25 anos em período pretérito, por exemplo, em 2017, faz jus a diferenças remuneratórias apuradas desde o momento em que adimpliu os requisitos.
*Paulo Liporaci, advogado especialista em Direito Público e sócio-fundador do Paulo Liporaci Advogados