Durante muito tempo, o casamento foi indissolúvel. Com o passar do tempo, reconheceu-se a sua finitude e o seu caráter de direito potestativo, ou seja, a manifestação da vontade de um dos cônjuges deve levar ao fim do casamento, sendo irrelevante a oposição do outro ao exercício regular de direito.
No julgamento do RExt nº 1.167.478, ao entender que a separação judicial não subsiste no ordenamento jurídico brasileiro desde a EC 66/2010, o STF sepultou dúvida quanto ao fato de o divórcio ser a única via para dissolução, em vida, do casamento.
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Antes do julgamento pelo STF, parte da doutrina já defendia a possibilidade da decretação do divórcio antes da manifestação do outro cônjuge. A prática foi regulamentada por alguns Estados, chegando-se a prever a possibilidade de averbação do divórcio por ato unilateral diretamente no Cartório de Registro Civil, sem intervenção judicial.
Porém, pela Recomendação nº 36/2019, o CNJ orientou os tribunais brasileiros a se absterem de editar ato normativo sobre o “divórcio unilateral”, porque (i) o divórcio extrajudicial exige consenso e (ii) provimentos de Corregedorias de Tribunais de Justiça usurpariam a competência legislativa da União. Por outro lado, o PL nº 3457/2019, em curso, visa a acrescentar o art. 733-A ao Código de Processo Civil para permitir a prática.
Na linha do CNJ, no julgamento do REsp nº 1.844.545/GO, examinando questões processuais, o STJ decidiu pela impossibilidade do divórcio liminar, diante da necessidade de contraditório.
Alguns tribunais estaduais (citem-se Tribunais de Justiça como o da Bahia, do Distrito Federal, do Rio de Janeiro, de Santa Catarina e de São Paulo) admitem o divórcio liminar, sob o fundamento de que, diante da natureza jurídica do divórcio e da ausência de prazo, é possível a decretação antes da citação, sem prejuízo da discussão de outras questões próprias do fim do casamento (partilha de bens, guarda de filhos, alimentos). Por outro lado, os Tribunais de Justiça de Goiás, do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul resistem à ideia, dada a gravidade e a irreversibilidade da medida, o que, em última análise, acaba por negar o caráter potestativo do pedido.
O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) editou o Enunciado 18, que prevê que “nas ações de divórcio e de dissolução da união estável, a regra deve ser o julgamento parcial do mérito (artigo 356 do Código de Processo Civil), para que seja decretado o fim da conjugalidade, seguindo a demanda com a discussão de outros temas.” Essa linha foi seguida pelo Tribunal de Justiça do Paraná.
Essa solução parece a mais adequada, porque basta a certidão de casamento e a manifestação de vontade de um dos cônjuges, comprovada pela petição inicial. Não é necessária a concordância do outro cônjuge, já que nenhuma defesa afastaria o divórcio. Deve a citação, portanto, servir apenas para dar ciência da alteração de estado civil à parte contrária.
Reconhecer a possibilidade jurídica do divórcio liminar é dar aplicação aos princípios da celeridade e da efetividade processual e privilegiar a autonomia privada, garantindo o caráter instrumental da família. Mais do que a base principiológica, há questões jurídicas relevantes que vão além, como a necessidade de alteração do estado civil, a possibilidade de novo casamento, a desnecessidade de outorga conjugal para atos de disposição patrimonial (venda ou doação de imóveis ou prestar garantia, por exemplo) ou simplesmente tornar jurídica a insuportabilidade da vida em comum.
Portanto, parece inviável impor a alguém o ônus de suportar a tramitação, normalmente morosa, do processo de divórcio, com a regulamentação de questões adjacentes (como partilha de bens, guarda de filhos menores e alimentos), para que sobrevenha a prestação jurisdicional. A rápida decretação do divórcio é a concretização de direito potestativo, que independe de concordância de outro, devendo, por isso, ser concedido com a maior brevidade, independentemente de questões processuais outras.