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Opinião|A defesa do STF contra interferências indevidas


A proposta constitui flagrante violação dos princípios do federalismo e da separação de poderes, cláusulas pétreas da Carta Magna. Vale apontar que o texto constitucional dispõe expressamente que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado e a separação de Poderes

Por Marcus Vinicius Furtado Coelho
Atualização:

O constituinte de 1988 estabeleceu no artigo 2º da Constituição a separação dos poderes como cláusula pétrea. De acordo com o texto constitucional, Legislativo, Executivo e Judiciário são poderes independentes e harmônicos entre si. Não há Poder que se sobrepõe a outro, em nenhuma circunstância, sob pena de violação do Estado Democrático de Direito. Freios e contrapesos asseguram que não haja desproporcionalidades ou abusos de nenhum dos lados.

Causa preocupação, portanto, o avanço no Congresso de proposta de emenda que insere uma cláusula de derrogação (overriding clause) no ordenamento jurídico, ao conceder ao parlamento a competência para sustar decisões do Supremo Tribunal Federal. Em outras palavras, a PEC n° 28/24 pretende conferir ao Congresso o poder de reformar decisões do Judiciário, em evidente desequilíbrio de poderes e dos freios e contrapesos inerentes ao Estado de Direito.

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A Constituição estabelece com clareza as incumbências e encargos de cada poder. Ao Judiciário cabe “apreciar lesão ou ameaça a direito” (artigo 5º, inciso XXXV). O Legislativo, por sua vez, tem um extenso rol de atribuições e prerrogativas, entre as quais não se encontra rever determinações judiciais ou, tampouco, dispor sobre a organização dos outros Poderes. E a razão é elementar: o constituinte originário não previu tais possibilidades porque não são compatíveis com o regime republicano, vigente no Brasil desde o fim do século XIX.

Dentro da lógica do diálogo interinstitucional, caso o Legislativo entenda que o Judiciário excedeu suas prerrogativas, ele pode, adequadamente, legislar de modo contrário à decisão judicial. Assim, caso se oponha à declaração de inconstitucionalidade de uma norma pelo STF, os parlamentares possuem competência para legislar novamente sobre o tema. É o que ocorreu no caso da vaquejada, quando o Congresso editou a Emenda Constitucional nº 96/2017 com o objetivo de regulamentar a prática desportiva e reverter o entendimento jurisprudencial firmado em sede de julgamento da ADI n° 4.983.

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Em caso semelhante, o parlamento buscou suplantar o entendimento do STF no âmbito das ADIs n° 2.626 e n° 2.628, em que se manteve resolução do TSE que determinava a verticalização das coligações partidárias. Em reação ao julgado, o Congresso promulgou a EC n° 52/06 para garantir aos partidos, na eleição do mesmo ano, autonomia de “adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal”. Questionada a constitucionalidade da emenda, a Corte manteve a autonomia dos partidos, mas excepcionou a aplicação imediata das novas regras em homenagem ao princípio da anualidade eleitoral. A nova redação do artigo 17, §1º, da Constituição Federal passou a disciplinar as eleições posteriores, sendo vedada a obrigatoriedade da verticalização das coligações partidárias.

Vê-se que, uma vez provocado, o Judiciário pode julgar a constitucionalidade de emendas constitucionais promulgadas, em uma nova “rodada deliberativa” . Entretanto, em ambos os casos mencionados, a posição do Legislativo prevaleceu. Isso não implica que um Poder possa se sobrepor ao outro, mas sim que devem se complementar. Conforme o ensinamento de Peter Häberle , a interpretação da Constituição é competência de múltiplos atores sociais e políticos, em um cenário de sociedade aberta. Em uma democracia deliberativa, a interpretação constitucional não é e nem deverá ser um monólogo, um monopólio entregue a um único Poder ou instituição.

Vale dizer: a zona de tensão entre os Poderes não é necessariamente prejudicial ao Estado de Direito. Pelo contrário, a controvérsia tem o poder de estimular o debate público, desde que respeitado o núcleo essencial de cláusulas pétreas da nossa Constituição. Assim, a disputa pela última palavra sobre o significado da Constituição deverá ocorrer dentro dos parâmetros da ordem jurídica brasileira, como nos casos da vaquejada e da verticalização das coligações partidárias.

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No entanto, se aprovada, a PEC ora em questão concederia ao Congresso o monopólio da interpretação do texto constitucional, possuindo a última e derradeira palavra. Sem novas rodadas deliberativas, obsta-se o debate interinstitucional inerente à democracia.

A proposta constitui, portanto, flagrante violação dos princípios do federalismo e da separação de poderes, cláusulas pétreas da Carta Magna. Vale apontar que o texto constitucional dispõe expressamente, em seu artigo 60, parágrafo 4°, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado e a separação de Poderes.

A PEC n° 28/24 representa, ainda, evidente violação ao princípio da segurança jurídica, uma vez que concede ao Congresso a atribuição de suspender a eficácia de decisões já revestidas de coisa julgada, submetendo a imutabilidade de decisão à livre apreciação dos parlamentares. Não restam dúvidas: os projetos apresentados constituem uma evidente tentativa de usurpação das competências constitucionais do Judiciário, gerando, em contrapartida, fortalecimento desmedido do Legislativo, o que resulta em evidente desequilíbrio entre os poderes.

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Para iluminar a controvérsia sob o ponto de vista histórico, lembremos Ruy Barbosa, que descreveu, com exatidão, em discurso em Haia, no dia 15 de agosto de 1907, o dilema frente ao qual encontramo-nos agora. Não se trata de clarividência, mas de constatação óbvia de quem, já no berço da República, enxergava com nitidez seus contornos e seus limites.

“Sob esse regime de poderes limitados e intransponíveis, se o poder legislativo tentasse dar força imperativa, seja contra os julgamentos dos tribunais no que se refere a uma questão decidida, seja contra a jurisprudência, constrangendo-a, para casos futuros, constitucionalmente de sua alçada, a uma regra de obrigação geral, esses tribunais, aos quais se atribuiu e impôs o dever de recusar obediência a todas as leis inconstitucionais, desobedeceriam abertamente, no mais legítimo exercício de suas funções, ao ato da legislatura”, declarou Ruy Barbosa.

Esse é o receituário a ser seguido pelo STF, caso o Congresso Nacional prossiga com propostas que se contrapõem ao princípio republicano. O direito brasileiro convive, há mais de um século, com a noção de que as cortes não podem se submeter a normas inconstitucionais e mandamentos arbitrários – sobretudo quando estes pretendem subtrair suas competências.

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Caso os parlamentares aprovem as propostas de emenda, o caminho natural será a decretação da inconstitucionalidade dos textos – e o seu consequente expurgo do ordenamento jurídico. Em um cenário de instabilidade na relação entre os poderes e desrespeito aos princípios constitucionais, quem perde é a democracia. Por isso, em nome da pacificação, cumpre ao Legislativo contenção e prudência, posto que desse conflito não sairá nada além de desequilíbrio institucional. Do contrário, a crise política e econômica dos últimos anos se prolongará indefinidamente. Para a pacificação do país e para a estabilização do Estado Democrático de Direito, o momento é de deliberar em torno da construção de consensos.

O constituinte de 1988 estabeleceu no artigo 2º da Constituição a separação dos poderes como cláusula pétrea. De acordo com o texto constitucional, Legislativo, Executivo e Judiciário são poderes independentes e harmônicos entre si. Não há Poder que se sobrepõe a outro, em nenhuma circunstância, sob pena de violação do Estado Democrático de Direito. Freios e contrapesos asseguram que não haja desproporcionalidades ou abusos de nenhum dos lados.

Causa preocupação, portanto, o avanço no Congresso de proposta de emenda que insere uma cláusula de derrogação (overriding clause) no ordenamento jurídico, ao conceder ao parlamento a competência para sustar decisões do Supremo Tribunal Federal. Em outras palavras, a PEC n° 28/24 pretende conferir ao Congresso o poder de reformar decisões do Judiciário, em evidente desequilíbrio de poderes e dos freios e contrapesos inerentes ao Estado de Direito.

A Constituição estabelece com clareza as incumbências e encargos de cada poder. Ao Judiciário cabe “apreciar lesão ou ameaça a direito” (artigo 5º, inciso XXXV). O Legislativo, por sua vez, tem um extenso rol de atribuições e prerrogativas, entre as quais não se encontra rever determinações judiciais ou, tampouco, dispor sobre a organização dos outros Poderes. E a razão é elementar: o constituinte originário não previu tais possibilidades porque não são compatíveis com o regime republicano, vigente no Brasil desde o fim do século XIX.

Dentro da lógica do diálogo interinstitucional, caso o Legislativo entenda que o Judiciário excedeu suas prerrogativas, ele pode, adequadamente, legislar de modo contrário à decisão judicial. Assim, caso se oponha à declaração de inconstitucionalidade de uma norma pelo STF, os parlamentares possuem competência para legislar novamente sobre o tema. É o que ocorreu no caso da vaquejada, quando o Congresso editou a Emenda Constitucional nº 96/2017 com o objetivo de regulamentar a prática desportiva e reverter o entendimento jurisprudencial firmado em sede de julgamento da ADI n° 4.983.

Em caso semelhante, o parlamento buscou suplantar o entendimento do STF no âmbito das ADIs n° 2.626 e n° 2.628, em que se manteve resolução do TSE que determinava a verticalização das coligações partidárias. Em reação ao julgado, o Congresso promulgou a EC n° 52/06 para garantir aos partidos, na eleição do mesmo ano, autonomia de “adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal”. Questionada a constitucionalidade da emenda, a Corte manteve a autonomia dos partidos, mas excepcionou a aplicação imediata das novas regras em homenagem ao princípio da anualidade eleitoral. A nova redação do artigo 17, §1º, da Constituição Federal passou a disciplinar as eleições posteriores, sendo vedada a obrigatoriedade da verticalização das coligações partidárias.

Vê-se que, uma vez provocado, o Judiciário pode julgar a constitucionalidade de emendas constitucionais promulgadas, em uma nova “rodada deliberativa” . Entretanto, em ambos os casos mencionados, a posição do Legislativo prevaleceu. Isso não implica que um Poder possa se sobrepor ao outro, mas sim que devem se complementar. Conforme o ensinamento de Peter Häberle , a interpretação da Constituição é competência de múltiplos atores sociais e políticos, em um cenário de sociedade aberta. Em uma democracia deliberativa, a interpretação constitucional não é e nem deverá ser um monólogo, um monopólio entregue a um único Poder ou instituição.

Vale dizer: a zona de tensão entre os Poderes não é necessariamente prejudicial ao Estado de Direito. Pelo contrário, a controvérsia tem o poder de estimular o debate público, desde que respeitado o núcleo essencial de cláusulas pétreas da nossa Constituição. Assim, a disputa pela última palavra sobre o significado da Constituição deverá ocorrer dentro dos parâmetros da ordem jurídica brasileira, como nos casos da vaquejada e da verticalização das coligações partidárias.

No entanto, se aprovada, a PEC ora em questão concederia ao Congresso o monopólio da interpretação do texto constitucional, possuindo a última e derradeira palavra. Sem novas rodadas deliberativas, obsta-se o debate interinstitucional inerente à democracia.

A proposta constitui, portanto, flagrante violação dos princípios do federalismo e da separação de poderes, cláusulas pétreas da Carta Magna. Vale apontar que o texto constitucional dispõe expressamente, em seu artigo 60, parágrafo 4°, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado e a separação de Poderes.

A PEC n° 28/24 representa, ainda, evidente violação ao princípio da segurança jurídica, uma vez que concede ao Congresso a atribuição de suspender a eficácia de decisões já revestidas de coisa julgada, submetendo a imutabilidade de decisão à livre apreciação dos parlamentares. Não restam dúvidas: os projetos apresentados constituem uma evidente tentativa de usurpação das competências constitucionais do Judiciário, gerando, em contrapartida, fortalecimento desmedido do Legislativo, o que resulta em evidente desequilíbrio entre os poderes.

Para iluminar a controvérsia sob o ponto de vista histórico, lembremos Ruy Barbosa, que descreveu, com exatidão, em discurso em Haia, no dia 15 de agosto de 1907, o dilema frente ao qual encontramo-nos agora. Não se trata de clarividência, mas de constatação óbvia de quem, já no berço da República, enxergava com nitidez seus contornos e seus limites.

“Sob esse regime de poderes limitados e intransponíveis, se o poder legislativo tentasse dar força imperativa, seja contra os julgamentos dos tribunais no que se refere a uma questão decidida, seja contra a jurisprudência, constrangendo-a, para casos futuros, constitucionalmente de sua alçada, a uma regra de obrigação geral, esses tribunais, aos quais se atribuiu e impôs o dever de recusar obediência a todas as leis inconstitucionais, desobedeceriam abertamente, no mais legítimo exercício de suas funções, ao ato da legislatura”, declarou Ruy Barbosa.

Esse é o receituário a ser seguido pelo STF, caso o Congresso Nacional prossiga com propostas que se contrapõem ao princípio republicano. O direito brasileiro convive, há mais de um século, com a noção de que as cortes não podem se submeter a normas inconstitucionais e mandamentos arbitrários – sobretudo quando estes pretendem subtrair suas competências.

Caso os parlamentares aprovem as propostas de emenda, o caminho natural será a decretação da inconstitucionalidade dos textos – e o seu consequente expurgo do ordenamento jurídico. Em um cenário de instabilidade na relação entre os poderes e desrespeito aos princípios constitucionais, quem perde é a democracia. Por isso, em nome da pacificação, cumpre ao Legislativo contenção e prudência, posto que desse conflito não sairá nada além de desequilíbrio institucional. Do contrário, a crise política e econômica dos últimos anos se prolongará indefinidamente. Para a pacificação do país e para a estabilização do Estado Democrático de Direito, o momento é de deliberar em torno da construção de consensos.

O constituinte de 1988 estabeleceu no artigo 2º da Constituição a separação dos poderes como cláusula pétrea. De acordo com o texto constitucional, Legislativo, Executivo e Judiciário são poderes independentes e harmônicos entre si. Não há Poder que se sobrepõe a outro, em nenhuma circunstância, sob pena de violação do Estado Democrático de Direito. Freios e contrapesos asseguram que não haja desproporcionalidades ou abusos de nenhum dos lados.

Causa preocupação, portanto, o avanço no Congresso de proposta de emenda que insere uma cláusula de derrogação (overriding clause) no ordenamento jurídico, ao conceder ao parlamento a competência para sustar decisões do Supremo Tribunal Federal. Em outras palavras, a PEC n° 28/24 pretende conferir ao Congresso o poder de reformar decisões do Judiciário, em evidente desequilíbrio de poderes e dos freios e contrapesos inerentes ao Estado de Direito.

A Constituição estabelece com clareza as incumbências e encargos de cada poder. Ao Judiciário cabe “apreciar lesão ou ameaça a direito” (artigo 5º, inciso XXXV). O Legislativo, por sua vez, tem um extenso rol de atribuições e prerrogativas, entre as quais não se encontra rever determinações judiciais ou, tampouco, dispor sobre a organização dos outros Poderes. E a razão é elementar: o constituinte originário não previu tais possibilidades porque não são compatíveis com o regime republicano, vigente no Brasil desde o fim do século XIX.

Dentro da lógica do diálogo interinstitucional, caso o Legislativo entenda que o Judiciário excedeu suas prerrogativas, ele pode, adequadamente, legislar de modo contrário à decisão judicial. Assim, caso se oponha à declaração de inconstitucionalidade de uma norma pelo STF, os parlamentares possuem competência para legislar novamente sobre o tema. É o que ocorreu no caso da vaquejada, quando o Congresso editou a Emenda Constitucional nº 96/2017 com o objetivo de regulamentar a prática desportiva e reverter o entendimento jurisprudencial firmado em sede de julgamento da ADI n° 4.983.

Em caso semelhante, o parlamento buscou suplantar o entendimento do STF no âmbito das ADIs n° 2.626 e n° 2.628, em que se manteve resolução do TSE que determinava a verticalização das coligações partidárias. Em reação ao julgado, o Congresso promulgou a EC n° 52/06 para garantir aos partidos, na eleição do mesmo ano, autonomia de “adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal”. Questionada a constitucionalidade da emenda, a Corte manteve a autonomia dos partidos, mas excepcionou a aplicação imediata das novas regras em homenagem ao princípio da anualidade eleitoral. A nova redação do artigo 17, §1º, da Constituição Federal passou a disciplinar as eleições posteriores, sendo vedada a obrigatoriedade da verticalização das coligações partidárias.

Vê-se que, uma vez provocado, o Judiciário pode julgar a constitucionalidade de emendas constitucionais promulgadas, em uma nova “rodada deliberativa” . Entretanto, em ambos os casos mencionados, a posição do Legislativo prevaleceu. Isso não implica que um Poder possa se sobrepor ao outro, mas sim que devem se complementar. Conforme o ensinamento de Peter Häberle , a interpretação da Constituição é competência de múltiplos atores sociais e políticos, em um cenário de sociedade aberta. Em uma democracia deliberativa, a interpretação constitucional não é e nem deverá ser um monólogo, um monopólio entregue a um único Poder ou instituição.

Vale dizer: a zona de tensão entre os Poderes não é necessariamente prejudicial ao Estado de Direito. Pelo contrário, a controvérsia tem o poder de estimular o debate público, desde que respeitado o núcleo essencial de cláusulas pétreas da nossa Constituição. Assim, a disputa pela última palavra sobre o significado da Constituição deverá ocorrer dentro dos parâmetros da ordem jurídica brasileira, como nos casos da vaquejada e da verticalização das coligações partidárias.

No entanto, se aprovada, a PEC ora em questão concederia ao Congresso o monopólio da interpretação do texto constitucional, possuindo a última e derradeira palavra. Sem novas rodadas deliberativas, obsta-se o debate interinstitucional inerente à democracia.

A proposta constitui, portanto, flagrante violação dos princípios do federalismo e da separação de poderes, cláusulas pétreas da Carta Magna. Vale apontar que o texto constitucional dispõe expressamente, em seu artigo 60, parágrafo 4°, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado e a separação de Poderes.

A PEC n° 28/24 representa, ainda, evidente violação ao princípio da segurança jurídica, uma vez que concede ao Congresso a atribuição de suspender a eficácia de decisões já revestidas de coisa julgada, submetendo a imutabilidade de decisão à livre apreciação dos parlamentares. Não restam dúvidas: os projetos apresentados constituem uma evidente tentativa de usurpação das competências constitucionais do Judiciário, gerando, em contrapartida, fortalecimento desmedido do Legislativo, o que resulta em evidente desequilíbrio entre os poderes.

Para iluminar a controvérsia sob o ponto de vista histórico, lembremos Ruy Barbosa, que descreveu, com exatidão, em discurso em Haia, no dia 15 de agosto de 1907, o dilema frente ao qual encontramo-nos agora. Não se trata de clarividência, mas de constatação óbvia de quem, já no berço da República, enxergava com nitidez seus contornos e seus limites.

“Sob esse regime de poderes limitados e intransponíveis, se o poder legislativo tentasse dar força imperativa, seja contra os julgamentos dos tribunais no que se refere a uma questão decidida, seja contra a jurisprudência, constrangendo-a, para casos futuros, constitucionalmente de sua alçada, a uma regra de obrigação geral, esses tribunais, aos quais se atribuiu e impôs o dever de recusar obediência a todas as leis inconstitucionais, desobedeceriam abertamente, no mais legítimo exercício de suas funções, ao ato da legislatura”, declarou Ruy Barbosa.

Esse é o receituário a ser seguido pelo STF, caso o Congresso Nacional prossiga com propostas que se contrapõem ao princípio republicano. O direito brasileiro convive, há mais de um século, com a noção de que as cortes não podem se submeter a normas inconstitucionais e mandamentos arbitrários – sobretudo quando estes pretendem subtrair suas competências.

Caso os parlamentares aprovem as propostas de emenda, o caminho natural será a decretação da inconstitucionalidade dos textos – e o seu consequente expurgo do ordenamento jurídico. Em um cenário de instabilidade na relação entre os poderes e desrespeito aos princípios constitucionais, quem perde é a democracia. Por isso, em nome da pacificação, cumpre ao Legislativo contenção e prudência, posto que desse conflito não sairá nada além de desequilíbrio institucional. Do contrário, a crise política e econômica dos últimos anos se prolongará indefinidamente. Para a pacificação do país e para a estabilização do Estado Democrático de Direito, o momento é de deliberar em torno da construção de consensos.

O constituinte de 1988 estabeleceu no artigo 2º da Constituição a separação dos poderes como cláusula pétrea. De acordo com o texto constitucional, Legislativo, Executivo e Judiciário são poderes independentes e harmônicos entre si. Não há Poder que se sobrepõe a outro, em nenhuma circunstância, sob pena de violação do Estado Democrático de Direito. Freios e contrapesos asseguram que não haja desproporcionalidades ou abusos de nenhum dos lados.

Causa preocupação, portanto, o avanço no Congresso de proposta de emenda que insere uma cláusula de derrogação (overriding clause) no ordenamento jurídico, ao conceder ao parlamento a competência para sustar decisões do Supremo Tribunal Federal. Em outras palavras, a PEC n° 28/24 pretende conferir ao Congresso o poder de reformar decisões do Judiciário, em evidente desequilíbrio de poderes e dos freios e contrapesos inerentes ao Estado de Direito.

A Constituição estabelece com clareza as incumbências e encargos de cada poder. Ao Judiciário cabe “apreciar lesão ou ameaça a direito” (artigo 5º, inciso XXXV). O Legislativo, por sua vez, tem um extenso rol de atribuições e prerrogativas, entre as quais não se encontra rever determinações judiciais ou, tampouco, dispor sobre a organização dos outros Poderes. E a razão é elementar: o constituinte originário não previu tais possibilidades porque não são compatíveis com o regime republicano, vigente no Brasil desde o fim do século XIX.

Dentro da lógica do diálogo interinstitucional, caso o Legislativo entenda que o Judiciário excedeu suas prerrogativas, ele pode, adequadamente, legislar de modo contrário à decisão judicial. Assim, caso se oponha à declaração de inconstitucionalidade de uma norma pelo STF, os parlamentares possuem competência para legislar novamente sobre o tema. É o que ocorreu no caso da vaquejada, quando o Congresso editou a Emenda Constitucional nº 96/2017 com o objetivo de regulamentar a prática desportiva e reverter o entendimento jurisprudencial firmado em sede de julgamento da ADI n° 4.983.

Em caso semelhante, o parlamento buscou suplantar o entendimento do STF no âmbito das ADIs n° 2.626 e n° 2.628, em que se manteve resolução do TSE que determinava a verticalização das coligações partidárias. Em reação ao julgado, o Congresso promulgou a EC n° 52/06 para garantir aos partidos, na eleição do mesmo ano, autonomia de “adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal”. Questionada a constitucionalidade da emenda, a Corte manteve a autonomia dos partidos, mas excepcionou a aplicação imediata das novas regras em homenagem ao princípio da anualidade eleitoral. A nova redação do artigo 17, §1º, da Constituição Federal passou a disciplinar as eleições posteriores, sendo vedada a obrigatoriedade da verticalização das coligações partidárias.

Vê-se que, uma vez provocado, o Judiciário pode julgar a constitucionalidade de emendas constitucionais promulgadas, em uma nova “rodada deliberativa” . Entretanto, em ambos os casos mencionados, a posição do Legislativo prevaleceu. Isso não implica que um Poder possa se sobrepor ao outro, mas sim que devem se complementar. Conforme o ensinamento de Peter Häberle , a interpretação da Constituição é competência de múltiplos atores sociais e políticos, em um cenário de sociedade aberta. Em uma democracia deliberativa, a interpretação constitucional não é e nem deverá ser um monólogo, um monopólio entregue a um único Poder ou instituição.

Vale dizer: a zona de tensão entre os Poderes não é necessariamente prejudicial ao Estado de Direito. Pelo contrário, a controvérsia tem o poder de estimular o debate público, desde que respeitado o núcleo essencial de cláusulas pétreas da nossa Constituição. Assim, a disputa pela última palavra sobre o significado da Constituição deverá ocorrer dentro dos parâmetros da ordem jurídica brasileira, como nos casos da vaquejada e da verticalização das coligações partidárias.

No entanto, se aprovada, a PEC ora em questão concederia ao Congresso o monopólio da interpretação do texto constitucional, possuindo a última e derradeira palavra. Sem novas rodadas deliberativas, obsta-se o debate interinstitucional inerente à democracia.

A proposta constitui, portanto, flagrante violação dos princípios do federalismo e da separação de poderes, cláusulas pétreas da Carta Magna. Vale apontar que o texto constitucional dispõe expressamente, em seu artigo 60, parágrafo 4°, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado e a separação de Poderes.

A PEC n° 28/24 representa, ainda, evidente violação ao princípio da segurança jurídica, uma vez que concede ao Congresso a atribuição de suspender a eficácia de decisões já revestidas de coisa julgada, submetendo a imutabilidade de decisão à livre apreciação dos parlamentares. Não restam dúvidas: os projetos apresentados constituem uma evidente tentativa de usurpação das competências constitucionais do Judiciário, gerando, em contrapartida, fortalecimento desmedido do Legislativo, o que resulta em evidente desequilíbrio entre os poderes.

Para iluminar a controvérsia sob o ponto de vista histórico, lembremos Ruy Barbosa, que descreveu, com exatidão, em discurso em Haia, no dia 15 de agosto de 1907, o dilema frente ao qual encontramo-nos agora. Não se trata de clarividência, mas de constatação óbvia de quem, já no berço da República, enxergava com nitidez seus contornos e seus limites.

“Sob esse regime de poderes limitados e intransponíveis, se o poder legislativo tentasse dar força imperativa, seja contra os julgamentos dos tribunais no que se refere a uma questão decidida, seja contra a jurisprudência, constrangendo-a, para casos futuros, constitucionalmente de sua alçada, a uma regra de obrigação geral, esses tribunais, aos quais se atribuiu e impôs o dever de recusar obediência a todas as leis inconstitucionais, desobedeceriam abertamente, no mais legítimo exercício de suas funções, ao ato da legislatura”, declarou Ruy Barbosa.

Esse é o receituário a ser seguido pelo STF, caso o Congresso Nacional prossiga com propostas que se contrapõem ao princípio republicano. O direito brasileiro convive, há mais de um século, com a noção de que as cortes não podem se submeter a normas inconstitucionais e mandamentos arbitrários – sobretudo quando estes pretendem subtrair suas competências.

Caso os parlamentares aprovem as propostas de emenda, o caminho natural será a decretação da inconstitucionalidade dos textos – e o seu consequente expurgo do ordenamento jurídico. Em um cenário de instabilidade na relação entre os poderes e desrespeito aos princípios constitucionais, quem perde é a democracia. Por isso, em nome da pacificação, cumpre ao Legislativo contenção e prudência, posto que desse conflito não sairá nada além de desequilíbrio institucional. Do contrário, a crise política e econômica dos últimos anos se prolongará indefinidamente. Para a pacificação do país e para a estabilização do Estado Democrático de Direito, o momento é de deliberar em torno da construção de consensos.

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