Vivemos hoje uma situação que colocou, mais uma vez, a área da saúde em evidência. Em qualquer meio de comunicação, diariamente é exposta a dor de pacientes, familiares e profissionais que enfrentam o novo coronavírus, em uma guerra que ainda está em curso e provoca sentimentos até mesmo em quem não foi diretamente atingido pela doença. Mas nada disso é novidade no ambiente hospitalar.
Como neurocirurgião e sócio-fundador de um hospital em Curitiba (PR), posso afirmar que nossa rotina envolve o contato com pessoas debilitadas física e emocionalmente, visto que só nos procuram quando há algum problema de saúde, o que torna o contato com um hospital bastante delicado, fato que evidencia a importância de um tratamento humanizado.
Por tratamento humanizado, entende-se uma forma próxima, acolhedora e empática de se relacionar, que respeite as crenças e os valores individuais, levando em conta que ali há muito mais que clientes, mas pessoas, com sentimentos que devem ser considerados a todo momento, o que demanda preparo e engajamento da equipe. Ao entender a importância da humanização no atendimento, torna-se preocupante notar a evolução do movimento inverso, a desumanização.
No Brasil, um fator que colabora para a desumanização hospitalar é o fato do médico ou do enfermeiro atender em diversos hospitais. Trabalhar em apenas um local favorece o vínculo entre profissional e instituição, como se ali fosse a casa dele, o que gera interesse em obter os melhores resultados e facilita a humanização. Uma equipe médica exclusiva pode ajudar a estreitar a relação da instituição com o corpo clínico e deste com os pacientes.
Na parte financeira, a popularização dos planos de saúde gerou uma mercantilização muito grande, fazendo os pacientes perderem a importância como seres humanos, e serem vistos como peças dentro de um sistema que precisa vender serviços e economizar dinheiro o mais rápido possível. Sinto que se tornou comum o foco no resultado econômico, sem tanta atenção para o resultado ao indivíduo.
Uma das maiores preocupações acerca desse tema são as aquisições e fusões que criam grandes redes de atendimento com o intuito de se obterem grandes lucros, movimento que desponta com força no Brasil, seguindo uma tendência norte-americana. Na medicina, buscamos evoluir não apenas na parte tecnológica, mas na parte humana, e quanto maior fica o conglomerado, mais difícil se torna esse equilíbrio.
Então, para quem enxerga o atendimento médico como comércio, a formação dessas grandes redes parece muito atrativa, mas, para toda a cadeia envolvida, não é. Isso porque os pacientes passam a ser vistos como objetos que vão render algum tipo de retorno financeiro para instituições com foco em ganhar dinheiro. O que importa não é a qualidade do serviço prestado nesse caso, mas que seja barato e compense financeiramente. Assim, substitui-se o interesse em uma qualidade superior que custe mais caro por um atendimento massificado, mas lucrativo.
E lucro em medicina é uma coisa muito relativa. Se um médico opera um doente gratuitamente, em uma cirurgia que envolva muitas horas, com muita dedicação e tecnologia, e esse paciente apresenta boa recuperação, para esse cirurgião é um sucesso total, mesmo sem receber nada pelo procedimento. Na visão desses conglomerados, isso significa um prejuízo financeiro, um péssimo resultado. Já se o doente evolui mal ou vai a óbito, isso é um péssimo resultado para o cirurgião, mas para o conglomerado pode ser excelente caso tenha gerado um bom retorno financeiro.
Esse é um paradoxo entre a medicina e o comércio - a parte médica é diferente da parte comercial. Medicina é uma área humana. Temos que tratar as pessoas da maneira como gostaríamos de ser tratados, pois por trás daquele paciente, daquela pessoa, existe toda uma história, uma família.
Precisamos reconhecer a importância da humanização do atendimento com o objetivo de transmitir ao paciente e seus acompanhantes, que já se encontram bastante fragilizados, os sentimentos de carinho e proteção, desde a internação até a alta médica. Como recompensa, geramos satisfação e fidelização, o que comprova que a desumanização não é o único caminho para obter retorno financeiro na área da saúde.
*Ricardo Ramina é neurocirurgião, mestre, doutor e professor da Pós-Graduação em Neurocirurgia do INC (Instituto de Neurologia de Curitiba), sócio-fundador do Hospital INC, autor de sete livros sobre neurocirurgia, publicados no Brasil e na Europa, e soma mais de 240 artigos científicos publicados em revistas médicas nacionais e internacionais. É membro titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, da Academia Brasileira de Neurocirurgia e da Sociedade Alemã de Neurocirurgia