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Opinião|A dívida moral com o Acre (parte 2)


Reconhecer os Soldados da Borracha como patrimônio cultural histórico do País, manter investimentos públicos de forma a permitir aos povos da Amazônia mais dignidade, ou adotar políticas de subsídios que alavanquem o interesse no investimento sustentável na região, é, hoje, o mínimo que se espera do governo federal

Por Coronel Ulysses*
Atualização:
Coronel Ulysses. Foto: Arquivo pessoal

No artigo anterior – A dívida moral com o Acre, parte 1 – abordei o panorama histórico acerca da produção de látex na época da Revolução Industrial e da Segunda Guerra, discorri sobre a ocupação do território do hoje Estado do Acre, e, por fim, tratei do nefasto contrabando por um biólogo de sementes de seringueiras da Amazônia para a Inglaterra e, de lá, para a Malásia.

O contrabando desses produtos ainda carece de leves pinceladas para a correta compreensão dos leitores.

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Passado 147 anos do episódio, a ausência de desconforto ou intimidação dos ingleses ainda é latente. Na recente cerimônia de coroação do monarca inglês Charles III se viu, mais uma vez, aflorar a arrogância em relação ao Brasil e à sua gente. Sem qualquer pruído, Charles se dirigiu ao atual chefe do Executivo brasileiro [Lula] para lhe recomendar que “cuidasse da Amazônia”. É no mínimo risível após o caso do contrabando das sementes por um nativo inglês.

Feitas essas considerações iniciais, voltemos ao chamado ciclo da borracha. Após seu primeiro período, a Amazônia é relegada ao abandono econômico. No Acre, por exemplo, boa parte dos seringais foram “enjeitados”, i.e., abandonados, e uma parcela significativa de seringueiros – maciçamente formada por nordestinos – que não foi “abatida pelos males da floresta”, doenças dentre as quais a malária, o impaludismo e a leishmaniose, retornaram em situação paupérrima, degradante, para o Nordeste.

Porém, no fim de 1941, surge um fato histórico que demanda a retomada da produção do látex na Amazônia. Os japoneses se apossaram de algumas colônias britânicas do sudeste do continente asiático, dentre elas a Malásia e seus campos de seringueira de plantio, cortando o suprimento de matéria-prima fundamental para manter a indústria dos países aliados na Segunda Guerra Mundial. Destaque-se que a borracha natural se fazia presente em praticamente todos os produtos necessários para manutenção da máquina de guerra.

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Devido à escassez do produto, pois os japoneses detinham 97% de toda a borracha natural do mundo, os Estados Unidos – principal fornecedor de produtos bélicos aos Aliados – entram no conflito armado, em razão do bombardeio da base naval de Pearl Harbor. Sem alternativas de fornecimento de látex, os norte-americanos recorrem ao governo brasileiro e estabelecem tratativas para a retomada da produção de borracha nos seringais amazônicos.

Desta feita, o convencimento do nordestino para ir para Amazônia não ocorreu por meio de promessas de enriquecimento fácil, pois a imagem da sociedade em relação à atividade de seringueiro era associada a miséria financeira e atuação em situação hostil e inóspita proporcionada pelos “males da floresta”. Restou ao Governo Brasileiro, por meio da pareceria econômica com os EUA, alistar em caráter obrigatório nordestinos para servirem a pátria nos seringais amazônicos, com o surgimento dos Soldados da Borracha.

Os Soldados da Borracha representaram a maioria das baixas civis do Brasil no decorrer do conflito mundial. Dos cerca de 50 mil homens “alistados” para trabalhar nos seringais da Amazônia, mais de 26 mil morreram em virtude da atividade desempenhada. A taxa de mortalidade do Soldado da Borracha, acima de 50%, foi bem superior à dos integrantes da Força Expedicionária Brasileira enviada à Itália, onde morreram 457 de um total de 25.834 homens e mulheres que participaram do conflito em terras europeias, o que resultou em uma taxa de mortalidade de 1,76%, ou seja, infinitamente menor do que as registradas “nos campos de batalha da Amazônia”.

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Gary Neeleman[i], jornalista norte-americano, autor de vários livros sobre a Amazônia e o ciclo da borracha, sustenta:

“… a contribuição dos Soldados da Borracha pode ter sido o maior sacrifício de qualquer país que não Estados Unidos, Grã-Bretanha e França para a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial”.

Infelizmente, a memória histórica do país não reporta a esses abnegados brasileiros as honrarias de verdadeiros heróis da Segunda Guerra Mundial. Aos remanescentes dessa lastimável tragédia da Humanidade restou apenas uma insignificante pensão mantida pelo governo brasileiro. Mesmo sem o devido reconhecimento, parcela significativa de Soldados da Borracha permaneceu na Amazônia – e em especial no Acre –, onde, infelizmente, o isolacionismo é parte do cotidiano. Os descendentes desses bravos brasileiros ocupam os rincões do Acre, onde, em pleno Século XXI, ainda sofrem as mazelas do abandono do governo federal em relação aos brasileiros dessa região.

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O mais grave é que, ainda nos dias de hoje, as bandeiras de preservação da Amazônia – desfraldadas, quase na maioria das vezes, em detrimento ao desenvolvimento responsável da região – mantém os Soldados da borracha, seus descendentes e o povo do Acre à mercê dos interesses internacionais sobre as riquezas da Amazônia. Indivíduos de índole perversa como Sir Henry Alexander Wickham – que hoje pode ser representado por Organizações Não-Governamentais (ONGs) a serviço do Velho Imperialismo – circulam em nosso meio travestidos de ambientalistas, impondo um discurso insano, com a finalidade exclusiva de manter a miséria e o sacrifício desumano que orbitava nos antigos seringais.

A meu ver, o progresso responsável na Amazônia deveria compor o mote de reconhecimento do povo que se sacrificou pelo Brasil e pela derrubada do nazifascismo, pois o discurso obtuso de defesa cega da floresta, sob o manto da suposta garantia de um clima saudável às futuras gerações, mantém o papel serviçal e subserviente aos interesses dos velhos impérios colonialistas.

Reconhecer os Soldados da Borracha como patrimônio cultural histórico do País, manter investimentos públicos de forma a permitir aos povos da Amazônia mais dignidade e adotar políticas de subsídios que alavanquem o interesse no investimento sustentável na região, é, hoje, o mínimo que se espera do governo federal para, ao menos, minimizar o atrasado reconhecimento moral ao povo amazônico, verdadeiro responsável pela soberania da região de maior biodiversidade do Planeta.

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Mas a prática governamental é outra. Em vez de meios para destravar empreendimentos na Amazônia, libertando-a das mazelas econômicas e sociais, o governo federal faz é chancelar políticas ambientais draconianas destinadas tão somente a atender os interesses internacionais, submetendo o povo amazônida a um isolacionismo gritante.

Como resultante desse isolamento, patrocinado pela falta de atenção do governo central, o Acre, por exemplo, tem atualmente a passagem aérea e o combustível mais caro do País, e, consequentemente, o transporte mais precarizado da região. A soma desses fatores, por si só, inviabiliza a economia da região, ante ao valor logístico de transporte agregado.

É, sem dúvida, um cenário catastrófico para um Estado como o Acre, sustentáculo do Brasil no esforço de guerra. Para rever esse triste cenário, faz-se necessário repensar a atual política ambiental despótica imposta pela União e obstar a atuação de ONGs que obscuramente atendem aos interesses internacionais sobre a Amazônia e atravancam qualquer iniciativa desenvolvimentista. Em vez de multas milionárias, operações policiais contra produtores, o Acre quer empreendimentos para tirar seu povo da situação de dependência de benefícios sociais em que se encontra.

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Chega de ostracismo econômico! O Acre clama por ver sanada a dívida histórica da União para com os Soldados da Borracha, garantia de investimentos perenes para exploração responsável as suas riquezas, desburocratização dos órgãos ambientais, bem como o fim da subserviência do governo federal às pautas colonialistas que impedem seu desenvolvimento, mas facilitam o “surrupio” dos recursos de sua vasta biodiversidade.

*Coronel Ulysses é deputado federal (UB-AC), 2.º vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, advogado especializado em Segurança Pública

[i] NELLEMAN, Gary; NELLEMAN, Rose. SOLDADOS DA BORRACHA: O Exército Esquecido que Salvou a Segunda Guerra Mundial. Porto Alegre: EDIPUCS, 2015.

Coronel Ulysses. Foto: Arquivo pessoal

No artigo anterior – A dívida moral com o Acre, parte 1 – abordei o panorama histórico acerca da produção de látex na época da Revolução Industrial e da Segunda Guerra, discorri sobre a ocupação do território do hoje Estado do Acre, e, por fim, tratei do nefasto contrabando por um biólogo de sementes de seringueiras da Amazônia para a Inglaterra e, de lá, para a Malásia.

O contrabando desses produtos ainda carece de leves pinceladas para a correta compreensão dos leitores.

Passado 147 anos do episódio, a ausência de desconforto ou intimidação dos ingleses ainda é latente. Na recente cerimônia de coroação do monarca inglês Charles III se viu, mais uma vez, aflorar a arrogância em relação ao Brasil e à sua gente. Sem qualquer pruído, Charles se dirigiu ao atual chefe do Executivo brasileiro [Lula] para lhe recomendar que “cuidasse da Amazônia”. É no mínimo risível após o caso do contrabando das sementes por um nativo inglês.

Feitas essas considerações iniciais, voltemos ao chamado ciclo da borracha. Após seu primeiro período, a Amazônia é relegada ao abandono econômico. No Acre, por exemplo, boa parte dos seringais foram “enjeitados”, i.e., abandonados, e uma parcela significativa de seringueiros – maciçamente formada por nordestinos – que não foi “abatida pelos males da floresta”, doenças dentre as quais a malária, o impaludismo e a leishmaniose, retornaram em situação paupérrima, degradante, para o Nordeste.

Porém, no fim de 1941, surge um fato histórico que demanda a retomada da produção do látex na Amazônia. Os japoneses se apossaram de algumas colônias britânicas do sudeste do continente asiático, dentre elas a Malásia e seus campos de seringueira de plantio, cortando o suprimento de matéria-prima fundamental para manter a indústria dos países aliados na Segunda Guerra Mundial. Destaque-se que a borracha natural se fazia presente em praticamente todos os produtos necessários para manutenção da máquina de guerra.

Devido à escassez do produto, pois os japoneses detinham 97% de toda a borracha natural do mundo, os Estados Unidos – principal fornecedor de produtos bélicos aos Aliados – entram no conflito armado, em razão do bombardeio da base naval de Pearl Harbor. Sem alternativas de fornecimento de látex, os norte-americanos recorrem ao governo brasileiro e estabelecem tratativas para a retomada da produção de borracha nos seringais amazônicos.

Desta feita, o convencimento do nordestino para ir para Amazônia não ocorreu por meio de promessas de enriquecimento fácil, pois a imagem da sociedade em relação à atividade de seringueiro era associada a miséria financeira e atuação em situação hostil e inóspita proporcionada pelos “males da floresta”. Restou ao Governo Brasileiro, por meio da pareceria econômica com os EUA, alistar em caráter obrigatório nordestinos para servirem a pátria nos seringais amazônicos, com o surgimento dos Soldados da Borracha.

Os Soldados da Borracha representaram a maioria das baixas civis do Brasil no decorrer do conflito mundial. Dos cerca de 50 mil homens “alistados” para trabalhar nos seringais da Amazônia, mais de 26 mil morreram em virtude da atividade desempenhada. A taxa de mortalidade do Soldado da Borracha, acima de 50%, foi bem superior à dos integrantes da Força Expedicionária Brasileira enviada à Itália, onde morreram 457 de um total de 25.834 homens e mulheres que participaram do conflito em terras europeias, o que resultou em uma taxa de mortalidade de 1,76%, ou seja, infinitamente menor do que as registradas “nos campos de batalha da Amazônia”.

Gary Neeleman[i], jornalista norte-americano, autor de vários livros sobre a Amazônia e o ciclo da borracha, sustenta:

“… a contribuição dos Soldados da Borracha pode ter sido o maior sacrifício de qualquer país que não Estados Unidos, Grã-Bretanha e França para a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial”.

Infelizmente, a memória histórica do país não reporta a esses abnegados brasileiros as honrarias de verdadeiros heróis da Segunda Guerra Mundial. Aos remanescentes dessa lastimável tragédia da Humanidade restou apenas uma insignificante pensão mantida pelo governo brasileiro. Mesmo sem o devido reconhecimento, parcela significativa de Soldados da Borracha permaneceu na Amazônia – e em especial no Acre –, onde, infelizmente, o isolacionismo é parte do cotidiano. Os descendentes desses bravos brasileiros ocupam os rincões do Acre, onde, em pleno Século XXI, ainda sofrem as mazelas do abandono do governo federal em relação aos brasileiros dessa região.

O mais grave é que, ainda nos dias de hoje, as bandeiras de preservação da Amazônia – desfraldadas, quase na maioria das vezes, em detrimento ao desenvolvimento responsável da região – mantém os Soldados da borracha, seus descendentes e o povo do Acre à mercê dos interesses internacionais sobre as riquezas da Amazônia. Indivíduos de índole perversa como Sir Henry Alexander Wickham – que hoje pode ser representado por Organizações Não-Governamentais (ONGs) a serviço do Velho Imperialismo – circulam em nosso meio travestidos de ambientalistas, impondo um discurso insano, com a finalidade exclusiva de manter a miséria e o sacrifício desumano que orbitava nos antigos seringais.

A meu ver, o progresso responsável na Amazônia deveria compor o mote de reconhecimento do povo que se sacrificou pelo Brasil e pela derrubada do nazifascismo, pois o discurso obtuso de defesa cega da floresta, sob o manto da suposta garantia de um clima saudável às futuras gerações, mantém o papel serviçal e subserviente aos interesses dos velhos impérios colonialistas.

Reconhecer os Soldados da Borracha como patrimônio cultural histórico do País, manter investimentos públicos de forma a permitir aos povos da Amazônia mais dignidade e adotar políticas de subsídios que alavanquem o interesse no investimento sustentável na região, é, hoje, o mínimo que se espera do governo federal para, ao menos, minimizar o atrasado reconhecimento moral ao povo amazônico, verdadeiro responsável pela soberania da região de maior biodiversidade do Planeta.

Mas a prática governamental é outra. Em vez de meios para destravar empreendimentos na Amazônia, libertando-a das mazelas econômicas e sociais, o governo federal faz é chancelar políticas ambientais draconianas destinadas tão somente a atender os interesses internacionais, submetendo o povo amazônida a um isolacionismo gritante.

Como resultante desse isolamento, patrocinado pela falta de atenção do governo central, o Acre, por exemplo, tem atualmente a passagem aérea e o combustível mais caro do País, e, consequentemente, o transporte mais precarizado da região. A soma desses fatores, por si só, inviabiliza a economia da região, ante ao valor logístico de transporte agregado.

É, sem dúvida, um cenário catastrófico para um Estado como o Acre, sustentáculo do Brasil no esforço de guerra. Para rever esse triste cenário, faz-se necessário repensar a atual política ambiental despótica imposta pela União e obstar a atuação de ONGs que obscuramente atendem aos interesses internacionais sobre a Amazônia e atravancam qualquer iniciativa desenvolvimentista. Em vez de multas milionárias, operações policiais contra produtores, o Acre quer empreendimentos para tirar seu povo da situação de dependência de benefícios sociais em que se encontra.

Chega de ostracismo econômico! O Acre clama por ver sanada a dívida histórica da União para com os Soldados da Borracha, garantia de investimentos perenes para exploração responsável as suas riquezas, desburocratização dos órgãos ambientais, bem como o fim da subserviência do governo federal às pautas colonialistas que impedem seu desenvolvimento, mas facilitam o “surrupio” dos recursos de sua vasta biodiversidade.

*Coronel Ulysses é deputado federal (UB-AC), 2.º vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, advogado especializado em Segurança Pública

[i] NELLEMAN, Gary; NELLEMAN, Rose. SOLDADOS DA BORRACHA: O Exército Esquecido que Salvou a Segunda Guerra Mundial. Porto Alegre: EDIPUCS, 2015.

Coronel Ulysses. Foto: Arquivo pessoal

No artigo anterior – A dívida moral com o Acre, parte 1 – abordei o panorama histórico acerca da produção de látex na época da Revolução Industrial e da Segunda Guerra, discorri sobre a ocupação do território do hoje Estado do Acre, e, por fim, tratei do nefasto contrabando por um biólogo de sementes de seringueiras da Amazônia para a Inglaterra e, de lá, para a Malásia.

O contrabando desses produtos ainda carece de leves pinceladas para a correta compreensão dos leitores.

Passado 147 anos do episódio, a ausência de desconforto ou intimidação dos ingleses ainda é latente. Na recente cerimônia de coroação do monarca inglês Charles III se viu, mais uma vez, aflorar a arrogância em relação ao Brasil e à sua gente. Sem qualquer pruído, Charles se dirigiu ao atual chefe do Executivo brasileiro [Lula] para lhe recomendar que “cuidasse da Amazônia”. É no mínimo risível após o caso do contrabando das sementes por um nativo inglês.

Feitas essas considerações iniciais, voltemos ao chamado ciclo da borracha. Após seu primeiro período, a Amazônia é relegada ao abandono econômico. No Acre, por exemplo, boa parte dos seringais foram “enjeitados”, i.e., abandonados, e uma parcela significativa de seringueiros – maciçamente formada por nordestinos – que não foi “abatida pelos males da floresta”, doenças dentre as quais a malária, o impaludismo e a leishmaniose, retornaram em situação paupérrima, degradante, para o Nordeste.

Porém, no fim de 1941, surge um fato histórico que demanda a retomada da produção do látex na Amazônia. Os japoneses se apossaram de algumas colônias britânicas do sudeste do continente asiático, dentre elas a Malásia e seus campos de seringueira de plantio, cortando o suprimento de matéria-prima fundamental para manter a indústria dos países aliados na Segunda Guerra Mundial. Destaque-se que a borracha natural se fazia presente em praticamente todos os produtos necessários para manutenção da máquina de guerra.

Devido à escassez do produto, pois os japoneses detinham 97% de toda a borracha natural do mundo, os Estados Unidos – principal fornecedor de produtos bélicos aos Aliados – entram no conflito armado, em razão do bombardeio da base naval de Pearl Harbor. Sem alternativas de fornecimento de látex, os norte-americanos recorrem ao governo brasileiro e estabelecem tratativas para a retomada da produção de borracha nos seringais amazônicos.

Desta feita, o convencimento do nordestino para ir para Amazônia não ocorreu por meio de promessas de enriquecimento fácil, pois a imagem da sociedade em relação à atividade de seringueiro era associada a miséria financeira e atuação em situação hostil e inóspita proporcionada pelos “males da floresta”. Restou ao Governo Brasileiro, por meio da pareceria econômica com os EUA, alistar em caráter obrigatório nordestinos para servirem a pátria nos seringais amazônicos, com o surgimento dos Soldados da Borracha.

Os Soldados da Borracha representaram a maioria das baixas civis do Brasil no decorrer do conflito mundial. Dos cerca de 50 mil homens “alistados” para trabalhar nos seringais da Amazônia, mais de 26 mil morreram em virtude da atividade desempenhada. A taxa de mortalidade do Soldado da Borracha, acima de 50%, foi bem superior à dos integrantes da Força Expedicionária Brasileira enviada à Itália, onde morreram 457 de um total de 25.834 homens e mulheres que participaram do conflito em terras europeias, o que resultou em uma taxa de mortalidade de 1,76%, ou seja, infinitamente menor do que as registradas “nos campos de batalha da Amazônia”.

Gary Neeleman[i], jornalista norte-americano, autor de vários livros sobre a Amazônia e o ciclo da borracha, sustenta:

“… a contribuição dos Soldados da Borracha pode ter sido o maior sacrifício de qualquer país que não Estados Unidos, Grã-Bretanha e França para a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial”.

Infelizmente, a memória histórica do país não reporta a esses abnegados brasileiros as honrarias de verdadeiros heróis da Segunda Guerra Mundial. Aos remanescentes dessa lastimável tragédia da Humanidade restou apenas uma insignificante pensão mantida pelo governo brasileiro. Mesmo sem o devido reconhecimento, parcela significativa de Soldados da Borracha permaneceu na Amazônia – e em especial no Acre –, onde, infelizmente, o isolacionismo é parte do cotidiano. Os descendentes desses bravos brasileiros ocupam os rincões do Acre, onde, em pleno Século XXI, ainda sofrem as mazelas do abandono do governo federal em relação aos brasileiros dessa região.

O mais grave é que, ainda nos dias de hoje, as bandeiras de preservação da Amazônia – desfraldadas, quase na maioria das vezes, em detrimento ao desenvolvimento responsável da região – mantém os Soldados da borracha, seus descendentes e o povo do Acre à mercê dos interesses internacionais sobre as riquezas da Amazônia. Indivíduos de índole perversa como Sir Henry Alexander Wickham – que hoje pode ser representado por Organizações Não-Governamentais (ONGs) a serviço do Velho Imperialismo – circulam em nosso meio travestidos de ambientalistas, impondo um discurso insano, com a finalidade exclusiva de manter a miséria e o sacrifício desumano que orbitava nos antigos seringais.

A meu ver, o progresso responsável na Amazônia deveria compor o mote de reconhecimento do povo que se sacrificou pelo Brasil e pela derrubada do nazifascismo, pois o discurso obtuso de defesa cega da floresta, sob o manto da suposta garantia de um clima saudável às futuras gerações, mantém o papel serviçal e subserviente aos interesses dos velhos impérios colonialistas.

Reconhecer os Soldados da Borracha como patrimônio cultural histórico do País, manter investimentos públicos de forma a permitir aos povos da Amazônia mais dignidade e adotar políticas de subsídios que alavanquem o interesse no investimento sustentável na região, é, hoje, o mínimo que se espera do governo federal para, ao menos, minimizar o atrasado reconhecimento moral ao povo amazônico, verdadeiro responsável pela soberania da região de maior biodiversidade do Planeta.

Mas a prática governamental é outra. Em vez de meios para destravar empreendimentos na Amazônia, libertando-a das mazelas econômicas e sociais, o governo federal faz é chancelar políticas ambientais draconianas destinadas tão somente a atender os interesses internacionais, submetendo o povo amazônida a um isolacionismo gritante.

Como resultante desse isolamento, patrocinado pela falta de atenção do governo central, o Acre, por exemplo, tem atualmente a passagem aérea e o combustível mais caro do País, e, consequentemente, o transporte mais precarizado da região. A soma desses fatores, por si só, inviabiliza a economia da região, ante ao valor logístico de transporte agregado.

É, sem dúvida, um cenário catastrófico para um Estado como o Acre, sustentáculo do Brasil no esforço de guerra. Para rever esse triste cenário, faz-se necessário repensar a atual política ambiental despótica imposta pela União e obstar a atuação de ONGs que obscuramente atendem aos interesses internacionais sobre a Amazônia e atravancam qualquer iniciativa desenvolvimentista. Em vez de multas milionárias, operações policiais contra produtores, o Acre quer empreendimentos para tirar seu povo da situação de dependência de benefícios sociais em que se encontra.

Chega de ostracismo econômico! O Acre clama por ver sanada a dívida histórica da União para com os Soldados da Borracha, garantia de investimentos perenes para exploração responsável as suas riquezas, desburocratização dos órgãos ambientais, bem como o fim da subserviência do governo federal às pautas colonialistas que impedem seu desenvolvimento, mas facilitam o “surrupio” dos recursos de sua vasta biodiversidade.

*Coronel Ulysses é deputado federal (UB-AC), 2.º vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, advogado especializado em Segurança Pública

[i] NELLEMAN, Gary; NELLEMAN, Rose. SOLDADOS DA BORRACHA: O Exército Esquecido que Salvou a Segunda Guerra Mundial. Porto Alegre: EDIPUCS, 2015.

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