A posição de neutralidade interessada, não alinhamento automático, busca da paz e do fim dos atuais conflitos mundiais está de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro e a história de nossa diplomacia. Impecável a ação do Brasil enquanto ocupou a presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU. O foco na proteção da vida humana, tão brutalmente ceifada ou prejudicada pelas guerras, garante o nosso terreno moral. O acerto dessa posição deve ser reconhecido, porque exige uma diplomacia competente e altamente afinada.
Devemos, no entanto, também considerar os impactos da guerra nos mundos jurídico e econômico. Neste momento, por exemplo, já podemos vislumbrar o aumento em fretes e seguros em decorrência dos conflitos. Para o futuro, em uma economia globalizada, rompimentos nos fluxos logísticos, quebra de contratos, inflação e recessão devem estar no horizonte, isso se a falta de prudência e racionalidade dos líderes mundiais não nos levar a um cenário ainda pior.
Do ponto de vista da economia, podemos observar que a América Latina já vive as consequências de uma das maiores crises econômicas de sua história, com perdas de mais de 6% no PIB da região. Além disso, as nossas vítimas da COVID-19 são aproximadamente 30% das fatalidades mundiais, apesar de representarmos algo em torno de 8% da população. O centro da preocupação brasileira é o equilíbrio fiscal, o combate à inflação, a segurança alimentar, o meio ambiente e o desenvolvimento econômico. Por essa razão, o alinhamento em qualquer discussão do tipo “nós ou eles” carece de aderência entre nós.
As consequências econômicas da pandemia, como a queda na produção industrial global e os gargalos na cadeia de suprimentos, são complexas e multifacetadas: dificuldades logísticas e de transporte, escassez de semicondutores, escassez de energia e a carência de trabalhadores qualificados - ainda não foram totalmente resolvidas.
A guerra da Ucrânia e as sanções econômicas que se seguiram adicionaram complexidade à situação, com impacto na economia mundial, em especial à europeia. A Alemanha foi atingida em cheio, com impacto em torno de 4% do PIB, e caminha, possivelmente, em direção à recessão. Os Estados Unidos têm uma dívida publica federal que equivale a mais 120% de seu PIB, ou 33 trilhões de dólares, a China dá sinais de estresse.
Em meio a essa situação, o Hamas inicia um ataque terrorista que causa o maior extermínio de judeus desde o holocausto. O Estado de Israel foi vítima de um ataque covarde e injustificável contra seus civis e, apesar de legitimado, a resposta de Israel está erodindo a opinião pública mundial, com protestos por toda parte. Há 1,6 bilhão de mulçumanos no mundo (6% deles na Europa) e 16 milhões de judeus. Se os mulçumanos, como um todo, levarem seus governos a intervir, as consequências são imprevisíveis.
Apesar da superioridade militar da aliança Israel-EUA, os países árabes já não são os mesmo de 1973 e controlam enclaves estratégicos para a economia global. Caso o Irã feche o estreito de Ormuz, por exemplo, parte relevante do petróleo deixará de escoar para o restante do mundo. Mesmo o governo Egito, que demonstra não querer entrar no conflito, também dá mostras de sofrer pressões de sua população para reagir de algum modo. A reação mais óbvia seria fechar o canal de Suez, experiência que enfrentamos recentemente quando um navio da Evergreen acidentalmente bloqueou o canal.
Lembremos que a Indonésia, que controla diversas passagens marítimas, a Turquia, que detém poder militar e são historicamente combatentes ferozes, e o Paquistão, que possui armas nucleares e já disse que as daria à Turquia e à Arábia Saudit, também fazem parte das nações que podem responder a um chamado do mundo muçulmano.
O lugar do Brasil no mundo em conflito tem se mostrado acertado, com uma posição de neutralidade e busca da paz. Essa é a posição mais ética e humana. Por outro lado, sob o ponto de vista doméstico, é de nosso interesse, além de vidas, preservar nossa economia e evitar o aprofundamento das crises que ainda ou já nos afetam –assim como evitar uma derrocada ainda pior também interessa às demais nações do condomínio Terra.
*Zilan Costa e Silva, advogado especializado em direito marítimo e ESG