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Opinião|A máfia do lixo: inimiga da sustentabilidade e da economia circular


Por Ruy Marcelo

O que a “máfia do lixo” tem a ver com a incapacidade do Brasil de reduzir e de manejar eficientemente os resíduos sólidos e de eliminar os milhares de lixões ainda em operação no país?

Infelizmente, uma das faces que a corrupção toma é a de força oculta sabotadora das mais bem concebidas políticas públicas. No caso, se pode desconfiar de sabotagem à lei da política nacional de resíduos sólidos, a Lei 12.305, que vigora desde 2010 sem significativos avanços para se tornar efetiva.

Se, de um lado, não constitui fato generalizado nem causa exclusiva do atraso, de outro, a corrupção, no setor de manejo de resíduos urbanos, não se mostra improvável nem esporádica, a julgar por várias operações policiais que apuram crimes contra a Administração Pública por meio de contratos de coleta de lixo.

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Episódio recente, nesse sentido, ocorreu em Santa Catarina. Na operação “Mensageiro” (GAECO/MPSC) foram expedidos cerca de 40 mandados de prisão preventiva, com 16 prefeitos suspeitos de envolvimento com esquema de propina na terceirização da coleta de resíduos.

Exemplos de lado, a lógica abona a desconfiança. Onde haja eventualmente episódios impunes de superfaturamento e fraudes em contratos de coleta e destinação de resíduos, dificilmente podem prosperar iniciativas no sentido da transição para os parâmetros de economia circular.

Onde haja eventualmente o lucro fácil por pesagem dos resíduos, sem maiores rigores na distinção entre recicláveis e rejeitos e sem maior controle estatal no ateste da balança e na regularidade da destinação final, não se encontram estímulos para projetos hábeis à superação dos entraves à coleta seletiva e reciclagem.

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Considere-se, ainda, que a corrupção moral nesse meio pode se revestir na mera falta de interesse e comodismo dos atores, indiferentes à crise climática e à correlata necessidade emergencial de diminuição das externalidades e passivos socioambientais. Relutam, governos e empresas, em assumir a responsabilidade ESG e de compliance ambiental.

Mas nem tudo é resistência. A nova lei de licitações e contratações públicas, a lei 14133/2021, prescreve a preferência por produtos em razão da sustentabilidade do seu ciclo de vida integral. Cabe ao Estado, na forma de planos de logística sustentável, dar concreção à norma, interditando projetos de compras e serviços cujo objeto não preencha esse requisito.

A Lei 12305/2010 não é menos avançada. Prescreve o fim dos lixões e já não preconiza a solução dos aterros sanitários como preferencial. Determina, em vez disso, arranjos diferenciados para obter os seguintes resultados em ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização e reciclagem. Somente em caráter residual, autoriza as unidades de tratamento dos resíduos (por incineração e aproveitamento energético) e a disposição final de rejeitos. Nessa esteira, deverão se multiplicar, sob o incentivo público, as centrais e operadores de triagem, as indústrias de reciclagem e as usinas de compostagem de orgânicos.

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Sobre o setor industrial recai a responsabilidade de concretizar o princípio da não geração, mediante emprego, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas e de produtos lixo zero.

A reutilização e reciclagem implicam a responsabilidade compartilhada pela vida do produto, envolvendo governos, o consumidor e fundamentalmente as empresas, porque obrigadas a estruturar, independentemente do serviço público, operações de logística reversa para resíduos de seus produtos no pós-consumo.

Infelizmente, o mercado ainda não se dignou a assumir integralmente essa responsabilidade, mesmo encontrando regras no campo internacional (como as normas da união europeia e as diretrizes da OCDE) no mesmo sentido da lei brasileira. O Brasil não chega a reciclar 5% dos seus resíduos, em parte, por certa leniência do Estado. Por via de acordo setorial, no tocante aos resíduos das embalagens usadas (de plástico, papel e vidro), a União concordou com o comprometimento dos agentes econômicos de empreender a logística reversa de apenas 22% do volume dos materiais descartados, enquanto o restante fica a mercê do sobrecarregado e precário serviço municipal de coleta seletiva, que não encontra destinação ambientalmente adequada a não ser o aterramento a alto custo em muitos casos.

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Nesse contexto, há ensejo à contribuição do consumidor consciente, por boicote a produtos industrializados que gerem resíduos sem contar com operadores de reciclagem e logística reversa na cidade (sem se deixar iludir por rótulos de reciclável).

A ampliação da logística reversa depende do maior rigor do Estado no sentido de cobrar e imputar a responsabilidade pelo passivo ambiental em vez de aquiescer a socialização dos respectivos custos. Como não existe direito adquirido a gerar esse impacto negativo nem a transferir o respectivo custo adicional ao serviço público, não obstante, as empresas estão expostas a ações civis públicas do Ministério Público e dos entes federados, que encontram para tanto o devido amparo jurídico nos princípios do poluidor-pagador e da responsabilidade compartilhada.

Enfim, enquanto a lei da política nacional de resíduos não é plenamente aplicada, os prejuízos se agigantam, onerando sobremodo o erário, a saúde e a sadia qualidade existencial das camadas menos favorecidas da sociedade brasileira.

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O prognóstico do Panorama Global de Manejo de Resíduos 2024 do PNUMA/ONU (GWMO 2024) é de que os resíduos municipais aumentem em dois terços e que seus custos quase dobrem em uma geração.

Assim sendo, o plano nacional de resíduos sólidos (planares), aprovado pelo Decreto 11043/2022, precisa ser revisado e fortalecido com novas estratégias e mais comprometimento de todos por mais sustentabilidade em todas as suas dimensões.

Chegada a hora em que o mundo deve superar a era do desperdício e transformar o lixo em recurso, como proclama a ONU, que a corrupção não impeça o Brasil de ser pontual.

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Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

O que a “máfia do lixo” tem a ver com a incapacidade do Brasil de reduzir e de manejar eficientemente os resíduos sólidos e de eliminar os milhares de lixões ainda em operação no país?

Infelizmente, uma das faces que a corrupção toma é a de força oculta sabotadora das mais bem concebidas políticas públicas. No caso, se pode desconfiar de sabotagem à lei da política nacional de resíduos sólidos, a Lei 12.305, que vigora desde 2010 sem significativos avanços para se tornar efetiva.

Se, de um lado, não constitui fato generalizado nem causa exclusiva do atraso, de outro, a corrupção, no setor de manejo de resíduos urbanos, não se mostra improvável nem esporádica, a julgar por várias operações policiais que apuram crimes contra a Administração Pública por meio de contratos de coleta de lixo.

Episódio recente, nesse sentido, ocorreu em Santa Catarina. Na operação “Mensageiro” (GAECO/MPSC) foram expedidos cerca de 40 mandados de prisão preventiva, com 16 prefeitos suspeitos de envolvimento com esquema de propina na terceirização da coleta de resíduos.

Exemplos de lado, a lógica abona a desconfiança. Onde haja eventualmente episódios impunes de superfaturamento e fraudes em contratos de coleta e destinação de resíduos, dificilmente podem prosperar iniciativas no sentido da transição para os parâmetros de economia circular.

Onde haja eventualmente o lucro fácil por pesagem dos resíduos, sem maiores rigores na distinção entre recicláveis e rejeitos e sem maior controle estatal no ateste da balança e na regularidade da destinação final, não se encontram estímulos para projetos hábeis à superação dos entraves à coleta seletiva e reciclagem.

Considere-se, ainda, que a corrupção moral nesse meio pode se revestir na mera falta de interesse e comodismo dos atores, indiferentes à crise climática e à correlata necessidade emergencial de diminuição das externalidades e passivos socioambientais. Relutam, governos e empresas, em assumir a responsabilidade ESG e de compliance ambiental.

Mas nem tudo é resistência. A nova lei de licitações e contratações públicas, a lei 14133/2021, prescreve a preferência por produtos em razão da sustentabilidade do seu ciclo de vida integral. Cabe ao Estado, na forma de planos de logística sustentável, dar concreção à norma, interditando projetos de compras e serviços cujo objeto não preencha esse requisito.

A Lei 12305/2010 não é menos avançada. Prescreve o fim dos lixões e já não preconiza a solução dos aterros sanitários como preferencial. Determina, em vez disso, arranjos diferenciados para obter os seguintes resultados em ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização e reciclagem. Somente em caráter residual, autoriza as unidades de tratamento dos resíduos (por incineração e aproveitamento energético) e a disposição final de rejeitos. Nessa esteira, deverão se multiplicar, sob o incentivo público, as centrais e operadores de triagem, as indústrias de reciclagem e as usinas de compostagem de orgânicos.

Sobre o setor industrial recai a responsabilidade de concretizar o princípio da não geração, mediante emprego, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas e de produtos lixo zero.

A reutilização e reciclagem implicam a responsabilidade compartilhada pela vida do produto, envolvendo governos, o consumidor e fundamentalmente as empresas, porque obrigadas a estruturar, independentemente do serviço público, operações de logística reversa para resíduos de seus produtos no pós-consumo.

Infelizmente, o mercado ainda não se dignou a assumir integralmente essa responsabilidade, mesmo encontrando regras no campo internacional (como as normas da união europeia e as diretrizes da OCDE) no mesmo sentido da lei brasileira. O Brasil não chega a reciclar 5% dos seus resíduos, em parte, por certa leniência do Estado. Por via de acordo setorial, no tocante aos resíduos das embalagens usadas (de plástico, papel e vidro), a União concordou com o comprometimento dos agentes econômicos de empreender a logística reversa de apenas 22% do volume dos materiais descartados, enquanto o restante fica a mercê do sobrecarregado e precário serviço municipal de coleta seletiva, que não encontra destinação ambientalmente adequada a não ser o aterramento a alto custo em muitos casos.

Nesse contexto, há ensejo à contribuição do consumidor consciente, por boicote a produtos industrializados que gerem resíduos sem contar com operadores de reciclagem e logística reversa na cidade (sem se deixar iludir por rótulos de reciclável).

A ampliação da logística reversa depende do maior rigor do Estado no sentido de cobrar e imputar a responsabilidade pelo passivo ambiental em vez de aquiescer a socialização dos respectivos custos. Como não existe direito adquirido a gerar esse impacto negativo nem a transferir o respectivo custo adicional ao serviço público, não obstante, as empresas estão expostas a ações civis públicas do Ministério Público e dos entes federados, que encontram para tanto o devido amparo jurídico nos princípios do poluidor-pagador e da responsabilidade compartilhada.

Enfim, enquanto a lei da política nacional de resíduos não é plenamente aplicada, os prejuízos se agigantam, onerando sobremodo o erário, a saúde e a sadia qualidade existencial das camadas menos favorecidas da sociedade brasileira.

O prognóstico do Panorama Global de Manejo de Resíduos 2024 do PNUMA/ONU (GWMO 2024) é de que os resíduos municipais aumentem em dois terços e que seus custos quase dobrem em uma geração.

Assim sendo, o plano nacional de resíduos sólidos (planares), aprovado pelo Decreto 11043/2022, precisa ser revisado e fortalecido com novas estratégias e mais comprometimento de todos por mais sustentabilidade em todas as suas dimensões.

Chegada a hora em que o mundo deve superar a era do desperdício e transformar o lixo em recurso, como proclama a ONU, que a corrupção não impeça o Brasil de ser pontual.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

O que a “máfia do lixo” tem a ver com a incapacidade do Brasil de reduzir e de manejar eficientemente os resíduos sólidos e de eliminar os milhares de lixões ainda em operação no país?

Infelizmente, uma das faces que a corrupção toma é a de força oculta sabotadora das mais bem concebidas políticas públicas. No caso, se pode desconfiar de sabotagem à lei da política nacional de resíduos sólidos, a Lei 12.305, que vigora desde 2010 sem significativos avanços para se tornar efetiva.

Se, de um lado, não constitui fato generalizado nem causa exclusiva do atraso, de outro, a corrupção, no setor de manejo de resíduos urbanos, não se mostra improvável nem esporádica, a julgar por várias operações policiais que apuram crimes contra a Administração Pública por meio de contratos de coleta de lixo.

Episódio recente, nesse sentido, ocorreu em Santa Catarina. Na operação “Mensageiro” (GAECO/MPSC) foram expedidos cerca de 40 mandados de prisão preventiva, com 16 prefeitos suspeitos de envolvimento com esquema de propina na terceirização da coleta de resíduos.

Exemplos de lado, a lógica abona a desconfiança. Onde haja eventualmente episódios impunes de superfaturamento e fraudes em contratos de coleta e destinação de resíduos, dificilmente podem prosperar iniciativas no sentido da transição para os parâmetros de economia circular.

Onde haja eventualmente o lucro fácil por pesagem dos resíduos, sem maiores rigores na distinção entre recicláveis e rejeitos e sem maior controle estatal no ateste da balança e na regularidade da destinação final, não se encontram estímulos para projetos hábeis à superação dos entraves à coleta seletiva e reciclagem.

Considere-se, ainda, que a corrupção moral nesse meio pode se revestir na mera falta de interesse e comodismo dos atores, indiferentes à crise climática e à correlata necessidade emergencial de diminuição das externalidades e passivos socioambientais. Relutam, governos e empresas, em assumir a responsabilidade ESG e de compliance ambiental.

Mas nem tudo é resistência. A nova lei de licitações e contratações públicas, a lei 14133/2021, prescreve a preferência por produtos em razão da sustentabilidade do seu ciclo de vida integral. Cabe ao Estado, na forma de planos de logística sustentável, dar concreção à norma, interditando projetos de compras e serviços cujo objeto não preencha esse requisito.

A Lei 12305/2010 não é menos avançada. Prescreve o fim dos lixões e já não preconiza a solução dos aterros sanitários como preferencial. Determina, em vez disso, arranjos diferenciados para obter os seguintes resultados em ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização e reciclagem. Somente em caráter residual, autoriza as unidades de tratamento dos resíduos (por incineração e aproveitamento energético) e a disposição final de rejeitos. Nessa esteira, deverão se multiplicar, sob o incentivo público, as centrais e operadores de triagem, as indústrias de reciclagem e as usinas de compostagem de orgânicos.

Sobre o setor industrial recai a responsabilidade de concretizar o princípio da não geração, mediante emprego, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas e de produtos lixo zero.

A reutilização e reciclagem implicam a responsabilidade compartilhada pela vida do produto, envolvendo governos, o consumidor e fundamentalmente as empresas, porque obrigadas a estruturar, independentemente do serviço público, operações de logística reversa para resíduos de seus produtos no pós-consumo.

Infelizmente, o mercado ainda não se dignou a assumir integralmente essa responsabilidade, mesmo encontrando regras no campo internacional (como as normas da união europeia e as diretrizes da OCDE) no mesmo sentido da lei brasileira. O Brasil não chega a reciclar 5% dos seus resíduos, em parte, por certa leniência do Estado. Por via de acordo setorial, no tocante aos resíduos das embalagens usadas (de plástico, papel e vidro), a União concordou com o comprometimento dos agentes econômicos de empreender a logística reversa de apenas 22% do volume dos materiais descartados, enquanto o restante fica a mercê do sobrecarregado e precário serviço municipal de coleta seletiva, que não encontra destinação ambientalmente adequada a não ser o aterramento a alto custo em muitos casos.

Nesse contexto, há ensejo à contribuição do consumidor consciente, por boicote a produtos industrializados que gerem resíduos sem contar com operadores de reciclagem e logística reversa na cidade (sem se deixar iludir por rótulos de reciclável).

A ampliação da logística reversa depende do maior rigor do Estado no sentido de cobrar e imputar a responsabilidade pelo passivo ambiental em vez de aquiescer a socialização dos respectivos custos. Como não existe direito adquirido a gerar esse impacto negativo nem a transferir o respectivo custo adicional ao serviço público, não obstante, as empresas estão expostas a ações civis públicas do Ministério Público e dos entes federados, que encontram para tanto o devido amparo jurídico nos princípios do poluidor-pagador e da responsabilidade compartilhada.

Enfim, enquanto a lei da política nacional de resíduos não é plenamente aplicada, os prejuízos se agigantam, onerando sobremodo o erário, a saúde e a sadia qualidade existencial das camadas menos favorecidas da sociedade brasileira.

O prognóstico do Panorama Global de Manejo de Resíduos 2024 do PNUMA/ONU (GWMO 2024) é de que os resíduos municipais aumentem em dois terços e que seus custos quase dobrem em uma geração.

Assim sendo, o plano nacional de resíduos sólidos (planares), aprovado pelo Decreto 11043/2022, precisa ser revisado e fortalecido com novas estratégias e mais comprometimento de todos por mais sustentabilidade em todas as suas dimensões.

Chegada a hora em que o mundo deve superar a era do desperdício e transformar o lixo em recurso, como proclama a ONU, que a corrupção não impeça o Brasil de ser pontual.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

O que a “máfia do lixo” tem a ver com a incapacidade do Brasil de reduzir e de manejar eficientemente os resíduos sólidos e de eliminar os milhares de lixões ainda em operação no país?

Infelizmente, uma das faces que a corrupção toma é a de força oculta sabotadora das mais bem concebidas políticas públicas. No caso, se pode desconfiar de sabotagem à lei da política nacional de resíduos sólidos, a Lei 12.305, que vigora desde 2010 sem significativos avanços para se tornar efetiva.

Se, de um lado, não constitui fato generalizado nem causa exclusiva do atraso, de outro, a corrupção, no setor de manejo de resíduos urbanos, não se mostra improvável nem esporádica, a julgar por várias operações policiais que apuram crimes contra a Administração Pública por meio de contratos de coleta de lixo.

Episódio recente, nesse sentido, ocorreu em Santa Catarina. Na operação “Mensageiro” (GAECO/MPSC) foram expedidos cerca de 40 mandados de prisão preventiva, com 16 prefeitos suspeitos de envolvimento com esquema de propina na terceirização da coleta de resíduos.

Exemplos de lado, a lógica abona a desconfiança. Onde haja eventualmente episódios impunes de superfaturamento e fraudes em contratos de coleta e destinação de resíduos, dificilmente podem prosperar iniciativas no sentido da transição para os parâmetros de economia circular.

Onde haja eventualmente o lucro fácil por pesagem dos resíduos, sem maiores rigores na distinção entre recicláveis e rejeitos e sem maior controle estatal no ateste da balança e na regularidade da destinação final, não se encontram estímulos para projetos hábeis à superação dos entraves à coleta seletiva e reciclagem.

Considere-se, ainda, que a corrupção moral nesse meio pode se revestir na mera falta de interesse e comodismo dos atores, indiferentes à crise climática e à correlata necessidade emergencial de diminuição das externalidades e passivos socioambientais. Relutam, governos e empresas, em assumir a responsabilidade ESG e de compliance ambiental.

Mas nem tudo é resistência. A nova lei de licitações e contratações públicas, a lei 14133/2021, prescreve a preferência por produtos em razão da sustentabilidade do seu ciclo de vida integral. Cabe ao Estado, na forma de planos de logística sustentável, dar concreção à norma, interditando projetos de compras e serviços cujo objeto não preencha esse requisito.

A Lei 12305/2010 não é menos avançada. Prescreve o fim dos lixões e já não preconiza a solução dos aterros sanitários como preferencial. Determina, em vez disso, arranjos diferenciados para obter os seguintes resultados em ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização e reciclagem. Somente em caráter residual, autoriza as unidades de tratamento dos resíduos (por incineração e aproveitamento energético) e a disposição final de rejeitos. Nessa esteira, deverão se multiplicar, sob o incentivo público, as centrais e operadores de triagem, as indústrias de reciclagem e as usinas de compostagem de orgânicos.

Sobre o setor industrial recai a responsabilidade de concretizar o princípio da não geração, mediante emprego, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas e de produtos lixo zero.

A reutilização e reciclagem implicam a responsabilidade compartilhada pela vida do produto, envolvendo governos, o consumidor e fundamentalmente as empresas, porque obrigadas a estruturar, independentemente do serviço público, operações de logística reversa para resíduos de seus produtos no pós-consumo.

Infelizmente, o mercado ainda não se dignou a assumir integralmente essa responsabilidade, mesmo encontrando regras no campo internacional (como as normas da união europeia e as diretrizes da OCDE) no mesmo sentido da lei brasileira. O Brasil não chega a reciclar 5% dos seus resíduos, em parte, por certa leniência do Estado. Por via de acordo setorial, no tocante aos resíduos das embalagens usadas (de plástico, papel e vidro), a União concordou com o comprometimento dos agentes econômicos de empreender a logística reversa de apenas 22% do volume dos materiais descartados, enquanto o restante fica a mercê do sobrecarregado e precário serviço municipal de coleta seletiva, que não encontra destinação ambientalmente adequada a não ser o aterramento a alto custo em muitos casos.

Nesse contexto, há ensejo à contribuição do consumidor consciente, por boicote a produtos industrializados que gerem resíduos sem contar com operadores de reciclagem e logística reversa na cidade (sem se deixar iludir por rótulos de reciclável).

A ampliação da logística reversa depende do maior rigor do Estado no sentido de cobrar e imputar a responsabilidade pelo passivo ambiental em vez de aquiescer a socialização dos respectivos custos. Como não existe direito adquirido a gerar esse impacto negativo nem a transferir o respectivo custo adicional ao serviço público, não obstante, as empresas estão expostas a ações civis públicas do Ministério Público e dos entes federados, que encontram para tanto o devido amparo jurídico nos princípios do poluidor-pagador e da responsabilidade compartilhada.

Enfim, enquanto a lei da política nacional de resíduos não é plenamente aplicada, os prejuízos se agigantam, onerando sobremodo o erário, a saúde e a sadia qualidade existencial das camadas menos favorecidas da sociedade brasileira.

O prognóstico do Panorama Global de Manejo de Resíduos 2024 do PNUMA/ONU (GWMO 2024) é de que os resíduos municipais aumentem em dois terços e que seus custos quase dobrem em uma geração.

Assim sendo, o plano nacional de resíduos sólidos (planares), aprovado pelo Decreto 11043/2022, precisa ser revisado e fortalecido com novas estratégias e mais comprometimento de todos por mais sustentabilidade em todas as suas dimensões.

Chegada a hora em que o mundo deve superar a era do desperdício e transformar o lixo em recurso, como proclama a ONU, que a corrupção não impeça o Brasil de ser pontual.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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