A Lei Anticorrupção - que inaugurou no Brasil a responsabilização de empresas por corrupção e o incentivo à adoção de programas de Compliance - chega ao seu décimo ano com motivos de comemoração. Mesmo que não se veja uma miríade de processos punitivos espalhados pelo Brasil e que o país continue a escorregar nos rankings internacionais sobre o tema, é também verdade que há um amadurecimento da regulação e dos órgãos de controle da União e de alguns Estados e Municípios e um crescimento constante dos Acordos de Leniência e dos processos de responsabilização.
Por outro lado, é inegável que o tema do compliance empresarial perdeu protagonismo dentro das organizações. Durante os primeiros anos da Lei, a novidade do tema com o combustível da operação lava-jato colocaram os programas de prevenção a riscos de corrupção no topo das prioridades da agenda empresarial. Empresas de diversos tamanhos correram para escrever códigos de conduta, treinar colaboradores e colocar de pé canais de denúncia. Em qualquer fórum empresarial a palavra ´compliance´ (que não foi a escolhida pela lei, mas que foi a adotada pelo mercado) era mantra obrigatório e o testemunhamos a formação de um grande número de departamentos, consultorias e profissionais especializados no tema.
Esse momento acabou e a agenda empresarial passou a falar menos sobre corrupção. Acompanhou, aliás, o que pensa a sociedade, que chegou a colocar a corrupção como maior preocupação nacional alguns anos atrás para tirá-la até do pódio na última pesquisa do tipo. Isso tem surtido efeito e alguns executivos de compliance, sobretudo os que desenharam seus programas apenas para anticorrupção - passaram a queixar-se de cortes de orçamento e diminuição do seu status dentro das organizações.
Fora do Brasil o momento também é parecido. Nos EUA, berço do combate corporativo à corrupção pública, as punições por violações caíram nos últimos anos, também derrubadas pela ascensão de novas prioridades para as autoridades, como a agenda de sanções econômicas.
A moda do compliance passou. Mas estaria o tema caminhando para a morte?
A resposta a essa pergunta depende do que se entende por compliance empresarial. Caso a visão seja a de um programa unidimensional, formal e rígido, focado em treinamentos corporativos enlatados e em sistemas desenvolvidos tão somente para controlar os funcionários para não pagar suborno a agentes públicos, a resposta é sim. Em uma era de dificuldade econômica é injustificável que as companhias despejem energia e recursos em mecanismos focados em só um risco, assim como a visão burocrática e policialesca que alguns profissionais do setor possuem das suas funções fazem desses programas, além de inefetivos, um obstáculo real à eficiência do negócio.
Por outro lado, caso se interprete esses programas como um sistema empresarial mais amplo, focado nos diversos riscos relacionados à integridade corporativa e desenhado com controles materiais e céleres, a resposta é definitivamente não. Pelo contrário, eles são cada vez mais prioritários.
Nunca foi a ideia que os programas de integridade (que é inclusive o nome adotado pela Lei) se resumissem ao risco de corrupção pública, e não há qualquer sentido que assim o façam. A integridade empresarial vai muito além da discussão de suborno, ela engloba decisões empresariais sobre sustentabilidade, Direitos Humanos, governança e transparência e diversos outros temas que já ditam a possibilidade das empresas sobreviverem na era do ESG.
Enquanto a legislação continua trazendo atrativos para programas de compliance, como é o caso da Lei de Licitações em vigor, esses programas mais holísticos são um imperativo de mercado. A adoção de regras na Europa sobre sustentabilidade e Direitos Humanos empurrará fornecedores de má reputação para a desvantagem competitiva, enquanto o incremento diário dos riscos reputacionais por casos de cartel, assédio, más condições de trabalho, fraude contábil e tantos outros riscos de integridade, fazem com que o dano à reputação se torne uma ameaça maior que qualquer sanção estatal.
Os mecanismos desenvolvidos nos últimos anos pelas áreas de compliance são fundamentais para fazer com que as organizações previnam e respondam a esses riscos. São diversos os exemplos disso: os treinamentos, se bem empregados e elaborados, comunicarão a cultura empresarial e os desafios emergentes; as políticas internas formalizarão as reflexões da alta gestão e fornecerão um guia para que colaboradores e terceiros navegarem nas águas turvas do momento; as investigações internas - mais necessárias que nunca - precisarão ser altamente profissionais e assertivas para antecipar e responder a ameaças múltiplas e renovadas; etc.
Para que sejam úteis neste momento de riscos mais variados e recursos mais limitados, os profissionais e departamentos de compliance precisarão se manter renovados, não apenas sob a perspectiva técnica e tecnológica, mas também sob a ótica do engajamento no próprio negócio da empresa e da sua postura com as demais áreas. Um programa de compliance só será útil se integrado à estratégia ESG da empresa, só será efetivo caso seja aliado do negócio e não se coloque como superior a ele, e só terá futuro caso funcione como um intérprete dos riscos emergentes, auxiliando a alta administração a perenizar negócios e antecipar ameaças.
A moda dos programas de compliance acabou. Que bom. Bem vinda a era dos programas de integridade.
*Raphael Soré é sócio da área de Compliance e Investigações do Machado Meyer Advogados