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A raposa e o galinheiro: a MP 1.085/2021 e os riscos ao consumidor


Por Claudia Lima Marques e Bruno Miragem
Claudia Lima Marques e Bruno Miragem. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Informar é dar 'forma' que o consumidor entenda, perenizando o acordo e assegurando direitos. Informação é direito do consumidor, é a pedra de toque do sistema de proteção do consumidor. A edição da Medida Provisória 1.085, de 27 de dezembro de 2021, foi anunciada como mais uma etapa de modernização dos sistemas de registros públicos, sucedendo a série de inovações iniciada pela Lei 14.063/2020. Porém, traz riscos para os consumidores e para a higidez dos contratos, com consequências titânicas, se convertida em lei, descaracterizando o registro público como meio para garantia de direitos.

Seu objeto é o de modernizar e simplificar os procedimentos relativos aos registros públicos de atos e negócios jurídicos, por intermédio do Sistema Eletrônico de Registros Públicos (SERP), já previsto na Lei 14.063/2020. Na prática, porém, restringe o conhecimento e exame integral do conteúdo dos negócios jurídicos objetos de registro, encaminhados não mais em sua integralidade, mas por intermédio de extrato eletrônico, elaborado pelo interessado. Nas relações de consumo, é o caso dos negócios de aquisição de direitos sobre imóveis em que o consumidor contrata o financiamento do preço. Os extratos são elaborados pelos credores (bancos ou incorporadores) e enviados ao ofício registral, sem garantia de que o consumidor ou o próprio registrador tenham acesso ao conteúdo integral do contrato. Como na fábula, será correto o maior interessado - "a raposa" - guardar o conteúdo, a integridade e legalidade do contrato? Não equivale dar a ela a chave do galinheiro? Há menos de um ano foi aprovada a atualização do Código de Defesa do Consumidor para reforçar direitos e permitir a identificação de erros e fraudes, prevenindo o superendividamento. A MP 1.085/2021 restringe o direito à informação e o acesso do consumidor ao contrato, e fragiliza a qualificação registral - uma das funções mais importantes do registro, de exame da legalidade dos atos e negócios jurídicos que lhe são submetidos.

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Também a integridade do contrato estará sob risco. São inúmeros os casos em que o consumidor tem dificuldade de acesso ao seu conteúdo integral para exame e eventual questionamento de abusividades. Não constando no registro, potencializam riscos de sua alteração, dificultando-se que sejam identificadas.

Outro risco diz respeito à identificação das partes do contrato cujo extrato é levado a registro. A MP 1.085/2021 permite a verificação da identidade das partes mediante uso de diferentes bases (p.ex. CPF, identificação civil), desde que exista o ajuste com os respectivos bancos de dados. Esta profusão de fontes pode dar a impressão de maior segurança. Porém, é o contrário. A Lei 14.063/2020 já previu a exigência de assinatura qualificada nestes casos, com o uso de certificação digital, modelo público e de sucesso, amplamente testado. Substituir o que funciona bem é injustificável.

A responsabilidade de notários e oficiais de registro pelos danos que causarem está prevista na Constituição e disciplinada por lei. A MP 1.085/2021 torna absolutamente obscura a responsabilidade por danos decorrentes de erros e fraudes. Está previsto que o próprio sistema terá um operador nacional constituído sob a forma de associação ou fundação, segundo critérios definidos pelo CNJ. Embora não diga expressamente, permite que sejam contratadas empresas privadas para exercer a atividade, dispersando ainda mais a cadeia de responsabilidade frente ao consumidor.

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A inovação tecnológica oferece, em geral, benefícios às pessoas, mas não vale por si mesma. A agilização de processos no âmbito dos registros públicos, é bem-vinda, desde que não agrave a vulnerabilidade do consumidor, ou aumente riscos de erros e fraudes. A MP 1.085/2021, independentemente de seu propósito anunciado, sinaliza prejuízos graves e injustificados aos consumidores, devendo ser rejeitada pelo Congresso Nacional.

*Claudia Lima Marques, professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Advogada e parecerista

*Bruno Miragem, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Advogado e parecerista

Claudia Lima Marques e Bruno Miragem. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Informar é dar 'forma' que o consumidor entenda, perenizando o acordo e assegurando direitos. Informação é direito do consumidor, é a pedra de toque do sistema de proteção do consumidor. A edição da Medida Provisória 1.085, de 27 de dezembro de 2021, foi anunciada como mais uma etapa de modernização dos sistemas de registros públicos, sucedendo a série de inovações iniciada pela Lei 14.063/2020. Porém, traz riscos para os consumidores e para a higidez dos contratos, com consequências titânicas, se convertida em lei, descaracterizando o registro público como meio para garantia de direitos.

Seu objeto é o de modernizar e simplificar os procedimentos relativos aos registros públicos de atos e negócios jurídicos, por intermédio do Sistema Eletrônico de Registros Públicos (SERP), já previsto na Lei 14.063/2020. Na prática, porém, restringe o conhecimento e exame integral do conteúdo dos negócios jurídicos objetos de registro, encaminhados não mais em sua integralidade, mas por intermédio de extrato eletrônico, elaborado pelo interessado. Nas relações de consumo, é o caso dos negócios de aquisição de direitos sobre imóveis em que o consumidor contrata o financiamento do preço. Os extratos são elaborados pelos credores (bancos ou incorporadores) e enviados ao ofício registral, sem garantia de que o consumidor ou o próprio registrador tenham acesso ao conteúdo integral do contrato. Como na fábula, será correto o maior interessado - "a raposa" - guardar o conteúdo, a integridade e legalidade do contrato? Não equivale dar a ela a chave do galinheiro? Há menos de um ano foi aprovada a atualização do Código de Defesa do Consumidor para reforçar direitos e permitir a identificação de erros e fraudes, prevenindo o superendividamento. A MP 1.085/2021 restringe o direito à informação e o acesso do consumidor ao contrato, e fragiliza a qualificação registral - uma das funções mais importantes do registro, de exame da legalidade dos atos e negócios jurídicos que lhe são submetidos.

Também a integridade do contrato estará sob risco. São inúmeros os casos em que o consumidor tem dificuldade de acesso ao seu conteúdo integral para exame e eventual questionamento de abusividades. Não constando no registro, potencializam riscos de sua alteração, dificultando-se que sejam identificadas.

Outro risco diz respeito à identificação das partes do contrato cujo extrato é levado a registro. A MP 1.085/2021 permite a verificação da identidade das partes mediante uso de diferentes bases (p.ex. CPF, identificação civil), desde que exista o ajuste com os respectivos bancos de dados. Esta profusão de fontes pode dar a impressão de maior segurança. Porém, é o contrário. A Lei 14.063/2020 já previu a exigência de assinatura qualificada nestes casos, com o uso de certificação digital, modelo público e de sucesso, amplamente testado. Substituir o que funciona bem é injustificável.

A responsabilidade de notários e oficiais de registro pelos danos que causarem está prevista na Constituição e disciplinada por lei. A MP 1.085/2021 torna absolutamente obscura a responsabilidade por danos decorrentes de erros e fraudes. Está previsto que o próprio sistema terá um operador nacional constituído sob a forma de associação ou fundação, segundo critérios definidos pelo CNJ. Embora não diga expressamente, permite que sejam contratadas empresas privadas para exercer a atividade, dispersando ainda mais a cadeia de responsabilidade frente ao consumidor.

A inovação tecnológica oferece, em geral, benefícios às pessoas, mas não vale por si mesma. A agilização de processos no âmbito dos registros públicos, é bem-vinda, desde que não agrave a vulnerabilidade do consumidor, ou aumente riscos de erros e fraudes. A MP 1.085/2021, independentemente de seu propósito anunciado, sinaliza prejuízos graves e injustificados aos consumidores, devendo ser rejeitada pelo Congresso Nacional.

*Claudia Lima Marques, professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Advogada e parecerista

*Bruno Miragem, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Advogado e parecerista

Claudia Lima Marques e Bruno Miragem. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Informar é dar 'forma' que o consumidor entenda, perenizando o acordo e assegurando direitos. Informação é direito do consumidor, é a pedra de toque do sistema de proteção do consumidor. A edição da Medida Provisória 1.085, de 27 de dezembro de 2021, foi anunciada como mais uma etapa de modernização dos sistemas de registros públicos, sucedendo a série de inovações iniciada pela Lei 14.063/2020. Porém, traz riscos para os consumidores e para a higidez dos contratos, com consequências titânicas, se convertida em lei, descaracterizando o registro público como meio para garantia de direitos.

Seu objeto é o de modernizar e simplificar os procedimentos relativos aos registros públicos de atos e negócios jurídicos, por intermédio do Sistema Eletrônico de Registros Públicos (SERP), já previsto na Lei 14.063/2020. Na prática, porém, restringe o conhecimento e exame integral do conteúdo dos negócios jurídicos objetos de registro, encaminhados não mais em sua integralidade, mas por intermédio de extrato eletrônico, elaborado pelo interessado. Nas relações de consumo, é o caso dos negócios de aquisição de direitos sobre imóveis em que o consumidor contrata o financiamento do preço. Os extratos são elaborados pelos credores (bancos ou incorporadores) e enviados ao ofício registral, sem garantia de que o consumidor ou o próprio registrador tenham acesso ao conteúdo integral do contrato. Como na fábula, será correto o maior interessado - "a raposa" - guardar o conteúdo, a integridade e legalidade do contrato? Não equivale dar a ela a chave do galinheiro? Há menos de um ano foi aprovada a atualização do Código de Defesa do Consumidor para reforçar direitos e permitir a identificação de erros e fraudes, prevenindo o superendividamento. A MP 1.085/2021 restringe o direito à informação e o acesso do consumidor ao contrato, e fragiliza a qualificação registral - uma das funções mais importantes do registro, de exame da legalidade dos atos e negócios jurídicos que lhe são submetidos.

Também a integridade do contrato estará sob risco. São inúmeros os casos em que o consumidor tem dificuldade de acesso ao seu conteúdo integral para exame e eventual questionamento de abusividades. Não constando no registro, potencializam riscos de sua alteração, dificultando-se que sejam identificadas.

Outro risco diz respeito à identificação das partes do contrato cujo extrato é levado a registro. A MP 1.085/2021 permite a verificação da identidade das partes mediante uso de diferentes bases (p.ex. CPF, identificação civil), desde que exista o ajuste com os respectivos bancos de dados. Esta profusão de fontes pode dar a impressão de maior segurança. Porém, é o contrário. A Lei 14.063/2020 já previu a exigência de assinatura qualificada nestes casos, com o uso de certificação digital, modelo público e de sucesso, amplamente testado. Substituir o que funciona bem é injustificável.

A responsabilidade de notários e oficiais de registro pelos danos que causarem está prevista na Constituição e disciplinada por lei. A MP 1.085/2021 torna absolutamente obscura a responsabilidade por danos decorrentes de erros e fraudes. Está previsto que o próprio sistema terá um operador nacional constituído sob a forma de associação ou fundação, segundo critérios definidos pelo CNJ. Embora não diga expressamente, permite que sejam contratadas empresas privadas para exercer a atividade, dispersando ainda mais a cadeia de responsabilidade frente ao consumidor.

A inovação tecnológica oferece, em geral, benefícios às pessoas, mas não vale por si mesma. A agilização de processos no âmbito dos registros públicos, é bem-vinda, desde que não agrave a vulnerabilidade do consumidor, ou aumente riscos de erros e fraudes. A MP 1.085/2021, independentemente de seu propósito anunciado, sinaliza prejuízos graves e injustificados aos consumidores, devendo ser rejeitada pelo Congresso Nacional.

*Claudia Lima Marques, professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Advogada e parecerista

*Bruno Miragem, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Advogado e parecerista

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