A ideia de punição severa não pode criar mecanismos para afugentar os bons administradores, muito menos emergir efeito ainda mais perverso, que o crescimento de um núcleo de pessoas, extremamente preparadas, exatamente para burlar os limites, com aparência de legalidade e depois deixar, para o sucessor, e as gerações futuras, a dívida de suas decisões. Busca-se assim, administradores probos, com valores morais. Daí a necessidade da fixação de limites para a responsabilização dos gestores, sob a ótica da transparência fiscal e de um novo enfoque sobre a accountability democrática.
No Brasil, o princípio da transparência não estava previsto originalmente na Constituição de 1988, sendo introduzido posteriormente por diversas emendas constitucionais. A Emenda Constitucional n. 103/2019 o incorporou ao artigo 40, § 22, relacionado ao regime próprio de previdência social dos servidores efetivos. A Emenda Constitucional n. 132/2023 adicionou o princípio ao artigo 145, § 3º, determinando que o Sistema Tributário Nacional deve seguir os princípios de simplicidade, transparência, justiça tributária, cooperação e defesa do meio ambiente. A Emenda Constitucional n. 108/2020 inseriu a transparência no artigo 212, inciso X, alínea d, referente aos fundos da educação. Por fim, a Emenda Constitucional n. 71/2012 acrescentou o princípio no artigo 216-A, inciso IX, no contexto do Sistema Nacional de Cultura, promovendo o pleno exercício dos direitos culturais e o compartilhamento de informações.
A transparência fiscal, sob o cunho do direito financeiro, apesar de não expressa tem assento na Constituição da República de 1988, implicitamente em vários dispositivos como no artigo 165, parágrafo 6º - que dispõe que o projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito sobre as receitas e despesas, decorrentes de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia - no artigo 70 que trata da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Estado - e do artigo 150, parágrafos 5º e 6º, que tratam do esclarecimento acerca dos impostos que incidem sobre mercadorias e serviços e da condição de ser editada lei específica para a concessão de subsídio, isenção, redução de base de cálculo, anistia ou remissão relativos a impostos, taxas ou contribuições. Outra obrigação constitucional que visa dar transparência ao processo orçamentário foi estabelecida pelo artigo 165, parágrafo 3º, da CRFB/88, que prevê a publicação de relatório resumido da execução orçamentária em até 30 dias após o encerramento de cada bimestre, além de outros dispositivos sobre informações e publicações que serão tratados na parte da legislação.
No âmbito da legislação infraconstitucional, o princípio da transparência fiscal está expressamente previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que regula as finanças públicas. O artigo 1º, § 1º, estabelece que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe uma atuação planejada e transparente. A LRF dedica um capítulo inteiro à transparência, cujos instrumentos, conforme o artigo 48, incluem os planos, orçamentos, leis de diretrizes orçamentárias, prestações de contas, parecer prévio, Relatório Resumido da Execução Orçamentária e Relatório de Gestão Fiscal, todos amplamente divulgados por meios eletrônicos. Além disso, o artigo prevê que a transparência será garantida por meio de: (i) incentivo à participação popular e realização de audiências públicas na elaboração e discussão de planos, diretrizes orçamentárias e orçamentos; (ii) disponibilização, em tempo real, de informações detalhadas sobre a execução orçamentária e financeira em plataformas eletrônicas de acesso público; e (iii) adoção de um sistema integrado de administração financeira e controle, com padrão mínimo de qualidade definido pelo Poder Executivo da União.
Aliada à transparência, à luz do novo serviço público, tem-se a accountability democrática que não é compreendida como simples e tradicional prestação de contas, mas se insere em um novo quadro de liderança compartilhada, como um instrumento de manutenção da legitimidade democrática por parte dos governos e, claro, em conjunto com os órgãos de controle. Em atendimento a boa governança e accountability democrática, busca-se a preservação dos valores democráticos e éticos para o pleno desenvolvimento, o que abrange não só atuação do gestor, como os órgãos de controle, tal como a atuação das Cortes de Contas, em atos de cooperação para a exequibilidade do definido pelas leis orçamentárias e auxílio na execução correta das políticas públicas.
O direito ao desenvolvimento está fundamentado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que estabelece, no artigo 28, que todos têm o direito a uma ordem social e internacional onde seus direitos sejam plenamente realizados. Para concretizá-lo, é necessário que haja regras jurídicas objetivas. No entanto, o desenvolvimento depende de suporte financeiro sustentável. A Agenda 2030 da ONU reconhece, nos parágrafos 253 a 268 da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável de 2012, a importância da mobilização significativa de recursos e do financiamento eficaz para apoiar os países em desenvolvimento em seus esforços de promoção do desenvolvimento sustentável.
O gestor público deve atuar no contexto global promovendo finanças públicas com transparência e tendo a democracia como base. A accountability, baseada na governança entre os envolvidos, é fundamental para justificar decisões e estimular o crescimento. O desenvolvimento, sustentado pela transparência fiscal e pela accountability democrática, é essencial para criar sociedades mais justas e transmitir às futuras gerações os aprendizados das políticas econômicas implementadas.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica