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A vontade pública como instrumento de 'vingança' judicial


Por Gustavo Polido, Roberto Guimarães e Wilson Alvares
Gustavo Polido, Roberto Guimarães e Wilson Alvares. Foto: Arquivo pessoal

"O juiz não é justiceiro" - Nefi Cordeiro, Ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Em tempos atuais verificamos milhares de casos em que a manutenção de prisões cautelares (antes da certeza sobre ser ou não o acusado culpado), muitas vezes desnecessárias sob o ponto de vista da eficácia e da natureza da Lei Penal, amparada nos mais variados argumentos, por vezes, à revelia da correta aplicação das regras processuais penais e penais, comunicando à sociedade, na verdade, a falta de segurança jurídica e não a efetiva atuação combatente do Estado face à criminalidade.

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Em sentença condenatória proferida por juízo de direito de uma comarca do Estado de São Paulo, pelo delito de estelionato, mesmo tendo o réu respondido o processo em liberdade, o juízo de origem decretou sua prisão preventiva, fundamentando que, dentre outros motivos, o réu seria reincidente específico, tinha sido revel, existiam registros de delitos semelhantes praticados na região e não havia comprovação da natureza lícita de suas ocupações.

Neste panorama, a defesa recorreu ao Tribunal de Justiça, através da impetração de Habeas Corpus. Na decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo acatou o Habeas Corpus e concedeu, determinando a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares alternativas à prisão (com previsão e embasamento legal no artigo 319 do Código de Processo Penal), evitando assim o recolhimento ao cárcere.

O Desembargador que julgou o Habeas Corpus, Dr. Xisto Rangel, relator no caso, ressaltou de forma acertada e com brilhantismo que a função cautelar nas prisões processuais não deve ser a de dar satisfação à sociedade, à opinião pública ou à mídia, como um simples resultado da investigação policial ou do processo penal, tendo em vista que, caso as prisões cautelares fossem utilizadas desta maneira, acarretariam um desvirtuamento de sua natureza instrumental. Há de se ater, ainda, ao fato de que estar-se-ia diante do desvirtuamento da própria função da prisão cautelar (antes do trânsito em julgado de uma sentença condenatória), isso é, desvirtuamento da natureza jurídica da prisão preventiva.

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Vetor positivo pode ser atribuído à decisão proferida, a qual mesmo que ainda pendente de análise por cortes superiores, demonstra efetivo avanço no cenário fático da aplicação não apenas da medida cautelar de prisão, mas de tantas outras.

Sobre esta temática, é imprescindível perceber que a prisão preventiva não se sujeita à aplicação automática, devendo ser decretada nas hipóteses previstas em lei, sempre amparada na análise do caso concreto pelo magistrado, bem como pela efetiva necessidade de sua decretação. De acordo com o artigo 312, caput e seus parágrafos, do Código de Processo Penal, este tipo de prisão processual deve ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal ou em caso de descumprimento das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.

Além de estar presente um dos fundamentos elencados no artigo 312, caput e seus parágrafos, do Código de Processo Penal, faz-se necessário, também, o preenchimento de algumas das hipóteses expressas no artigo 313 do Código de Processo Penal, quais sejam: i) nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; si) se o réu ostentar condenação anterior definitiva por outro crime doloso no prazo de 5 anos da reincidência; iii) se o crime envolver violência doméstica ou familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, quando houver necessidade de garantir a execução de medidas protetivas de urgência; e iv) se houver dúvida quanto à identidade civil do acusado e este se recusar a esclarecê-la.

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Neste panorama, muitos se perguntam acerca da hipótese de "garantia da ordem social", expressa no caput do artigo 312 do CPP, interpretando-o de maneira errônea. Para a grande maioria da população, ao ser indagada sobre tal pressuposto da prisão preventiva, entendem que seu significado é satisfazer a sociedade, a mídia e a opinião pública, ou seja, seria uma resposta do Poder Judiciário para dar mais credibilidade as suas decisões e trazer uma maior segurança ao povo. Entretanto, tal percepção, além de equivocada, vai de encontro aos fundamentos basilares da Ciência do Direito, sobretudo, no que tange ao Direito Penal, tendo em vista que este âmbito do Direito regula justamente o poder de punir do Estado, necessitando de ainda mais ponderação ao ser utilizado, além de seguir os preceitos legais.

O próprio Supremo Tribunal Federal (STF), reforça a ideia expostaem seu informativo nº 913, preceituando: "(...) Quanto à zona de certeza negativa do conceito de ordem pública, é pacífico, no Supremo Tribunal Federal, que o estado de comoção social, a indignação popular, o clamor público suscitado pela prática do crime, assim como a necessidade de se acautelar o meio social e a credibilidade da justiça em razão da repercussão do crime, constituem fundamentos inidôneos, por si sós, para a prisão cautelar. (...) Na zona de certeza positiva, inclui-se a necessidade de se evitar a prática de infrações penais, ou, mais precisamente, de se impedir a reiteração criminosa. Pacífica, nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (...)". Sob esta perspectiva, é cristalina a percepção de que a garantia da ordem pública não pode ser fundamentada no clamor ou na comoção social, pois, por serem fundamentos inidôneos, gerariam prisões ilegais.

Por fim, é imperioso destacar a fala do ex-Ministro do STJ, Nefi Cordeiro: "O juiz não é justiceiro". Neste contexto, o juiz não deve proferir decisões para agradar ou dar alguma resposta à sociedade, mas sim julgar com absoluta imparcialidade e decoro, aplicando o direito material ao caso concreto e pondo fim ao conflito, conforme os ditames legais do ordenamento jurídico.

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*Gustavo Polido, advogado e professor

*Roberto Guimarães, advogado

*Wilson Alvares, advogado e professor

Gustavo Polido, Roberto Guimarães e Wilson Alvares. Foto: Arquivo pessoal

"O juiz não é justiceiro" - Nefi Cordeiro, Ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Em tempos atuais verificamos milhares de casos em que a manutenção de prisões cautelares (antes da certeza sobre ser ou não o acusado culpado), muitas vezes desnecessárias sob o ponto de vista da eficácia e da natureza da Lei Penal, amparada nos mais variados argumentos, por vezes, à revelia da correta aplicação das regras processuais penais e penais, comunicando à sociedade, na verdade, a falta de segurança jurídica e não a efetiva atuação combatente do Estado face à criminalidade.

Em sentença condenatória proferida por juízo de direito de uma comarca do Estado de São Paulo, pelo delito de estelionato, mesmo tendo o réu respondido o processo em liberdade, o juízo de origem decretou sua prisão preventiva, fundamentando que, dentre outros motivos, o réu seria reincidente específico, tinha sido revel, existiam registros de delitos semelhantes praticados na região e não havia comprovação da natureza lícita de suas ocupações.

Neste panorama, a defesa recorreu ao Tribunal de Justiça, através da impetração de Habeas Corpus. Na decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo acatou o Habeas Corpus e concedeu, determinando a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares alternativas à prisão (com previsão e embasamento legal no artigo 319 do Código de Processo Penal), evitando assim o recolhimento ao cárcere.

O Desembargador que julgou o Habeas Corpus, Dr. Xisto Rangel, relator no caso, ressaltou de forma acertada e com brilhantismo que a função cautelar nas prisões processuais não deve ser a de dar satisfação à sociedade, à opinião pública ou à mídia, como um simples resultado da investigação policial ou do processo penal, tendo em vista que, caso as prisões cautelares fossem utilizadas desta maneira, acarretariam um desvirtuamento de sua natureza instrumental. Há de se ater, ainda, ao fato de que estar-se-ia diante do desvirtuamento da própria função da prisão cautelar (antes do trânsito em julgado de uma sentença condenatória), isso é, desvirtuamento da natureza jurídica da prisão preventiva.

Vetor positivo pode ser atribuído à decisão proferida, a qual mesmo que ainda pendente de análise por cortes superiores, demonstra efetivo avanço no cenário fático da aplicação não apenas da medida cautelar de prisão, mas de tantas outras.

Sobre esta temática, é imprescindível perceber que a prisão preventiva não se sujeita à aplicação automática, devendo ser decretada nas hipóteses previstas em lei, sempre amparada na análise do caso concreto pelo magistrado, bem como pela efetiva necessidade de sua decretação. De acordo com o artigo 312, caput e seus parágrafos, do Código de Processo Penal, este tipo de prisão processual deve ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal ou em caso de descumprimento das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.

Além de estar presente um dos fundamentos elencados no artigo 312, caput e seus parágrafos, do Código de Processo Penal, faz-se necessário, também, o preenchimento de algumas das hipóteses expressas no artigo 313 do Código de Processo Penal, quais sejam: i) nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; si) se o réu ostentar condenação anterior definitiva por outro crime doloso no prazo de 5 anos da reincidência; iii) se o crime envolver violência doméstica ou familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, quando houver necessidade de garantir a execução de medidas protetivas de urgência; e iv) se houver dúvida quanto à identidade civil do acusado e este se recusar a esclarecê-la.

Neste panorama, muitos se perguntam acerca da hipótese de "garantia da ordem social", expressa no caput do artigo 312 do CPP, interpretando-o de maneira errônea. Para a grande maioria da população, ao ser indagada sobre tal pressuposto da prisão preventiva, entendem que seu significado é satisfazer a sociedade, a mídia e a opinião pública, ou seja, seria uma resposta do Poder Judiciário para dar mais credibilidade as suas decisões e trazer uma maior segurança ao povo. Entretanto, tal percepção, além de equivocada, vai de encontro aos fundamentos basilares da Ciência do Direito, sobretudo, no que tange ao Direito Penal, tendo em vista que este âmbito do Direito regula justamente o poder de punir do Estado, necessitando de ainda mais ponderação ao ser utilizado, além de seguir os preceitos legais.

O próprio Supremo Tribunal Federal (STF), reforça a ideia expostaem seu informativo nº 913, preceituando: "(...) Quanto à zona de certeza negativa do conceito de ordem pública, é pacífico, no Supremo Tribunal Federal, que o estado de comoção social, a indignação popular, o clamor público suscitado pela prática do crime, assim como a necessidade de se acautelar o meio social e a credibilidade da justiça em razão da repercussão do crime, constituem fundamentos inidôneos, por si sós, para a prisão cautelar. (...) Na zona de certeza positiva, inclui-se a necessidade de se evitar a prática de infrações penais, ou, mais precisamente, de se impedir a reiteração criminosa. Pacífica, nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (...)". Sob esta perspectiva, é cristalina a percepção de que a garantia da ordem pública não pode ser fundamentada no clamor ou na comoção social, pois, por serem fundamentos inidôneos, gerariam prisões ilegais.

Por fim, é imperioso destacar a fala do ex-Ministro do STJ, Nefi Cordeiro: "O juiz não é justiceiro". Neste contexto, o juiz não deve proferir decisões para agradar ou dar alguma resposta à sociedade, mas sim julgar com absoluta imparcialidade e decoro, aplicando o direito material ao caso concreto e pondo fim ao conflito, conforme os ditames legais do ordenamento jurídico.

*Gustavo Polido, advogado e professor

*Roberto Guimarães, advogado

*Wilson Alvares, advogado e professor

Gustavo Polido, Roberto Guimarães e Wilson Alvares. Foto: Arquivo pessoal

"O juiz não é justiceiro" - Nefi Cordeiro, Ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Em tempos atuais verificamos milhares de casos em que a manutenção de prisões cautelares (antes da certeza sobre ser ou não o acusado culpado), muitas vezes desnecessárias sob o ponto de vista da eficácia e da natureza da Lei Penal, amparada nos mais variados argumentos, por vezes, à revelia da correta aplicação das regras processuais penais e penais, comunicando à sociedade, na verdade, a falta de segurança jurídica e não a efetiva atuação combatente do Estado face à criminalidade.

Em sentença condenatória proferida por juízo de direito de uma comarca do Estado de São Paulo, pelo delito de estelionato, mesmo tendo o réu respondido o processo em liberdade, o juízo de origem decretou sua prisão preventiva, fundamentando que, dentre outros motivos, o réu seria reincidente específico, tinha sido revel, existiam registros de delitos semelhantes praticados na região e não havia comprovação da natureza lícita de suas ocupações.

Neste panorama, a defesa recorreu ao Tribunal de Justiça, através da impetração de Habeas Corpus. Na decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo acatou o Habeas Corpus e concedeu, determinando a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares alternativas à prisão (com previsão e embasamento legal no artigo 319 do Código de Processo Penal), evitando assim o recolhimento ao cárcere.

O Desembargador que julgou o Habeas Corpus, Dr. Xisto Rangel, relator no caso, ressaltou de forma acertada e com brilhantismo que a função cautelar nas prisões processuais não deve ser a de dar satisfação à sociedade, à opinião pública ou à mídia, como um simples resultado da investigação policial ou do processo penal, tendo em vista que, caso as prisões cautelares fossem utilizadas desta maneira, acarretariam um desvirtuamento de sua natureza instrumental. Há de se ater, ainda, ao fato de que estar-se-ia diante do desvirtuamento da própria função da prisão cautelar (antes do trânsito em julgado de uma sentença condenatória), isso é, desvirtuamento da natureza jurídica da prisão preventiva.

Vetor positivo pode ser atribuído à decisão proferida, a qual mesmo que ainda pendente de análise por cortes superiores, demonstra efetivo avanço no cenário fático da aplicação não apenas da medida cautelar de prisão, mas de tantas outras.

Sobre esta temática, é imprescindível perceber que a prisão preventiva não se sujeita à aplicação automática, devendo ser decretada nas hipóteses previstas em lei, sempre amparada na análise do caso concreto pelo magistrado, bem como pela efetiva necessidade de sua decretação. De acordo com o artigo 312, caput e seus parágrafos, do Código de Processo Penal, este tipo de prisão processual deve ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal ou em caso de descumprimento das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.

Além de estar presente um dos fundamentos elencados no artigo 312, caput e seus parágrafos, do Código de Processo Penal, faz-se necessário, também, o preenchimento de algumas das hipóteses expressas no artigo 313 do Código de Processo Penal, quais sejam: i) nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; si) se o réu ostentar condenação anterior definitiva por outro crime doloso no prazo de 5 anos da reincidência; iii) se o crime envolver violência doméstica ou familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, quando houver necessidade de garantir a execução de medidas protetivas de urgência; e iv) se houver dúvida quanto à identidade civil do acusado e este se recusar a esclarecê-la.

Neste panorama, muitos se perguntam acerca da hipótese de "garantia da ordem social", expressa no caput do artigo 312 do CPP, interpretando-o de maneira errônea. Para a grande maioria da população, ao ser indagada sobre tal pressuposto da prisão preventiva, entendem que seu significado é satisfazer a sociedade, a mídia e a opinião pública, ou seja, seria uma resposta do Poder Judiciário para dar mais credibilidade as suas decisões e trazer uma maior segurança ao povo. Entretanto, tal percepção, além de equivocada, vai de encontro aos fundamentos basilares da Ciência do Direito, sobretudo, no que tange ao Direito Penal, tendo em vista que este âmbito do Direito regula justamente o poder de punir do Estado, necessitando de ainda mais ponderação ao ser utilizado, além de seguir os preceitos legais.

O próprio Supremo Tribunal Federal (STF), reforça a ideia expostaem seu informativo nº 913, preceituando: "(...) Quanto à zona de certeza negativa do conceito de ordem pública, é pacífico, no Supremo Tribunal Federal, que o estado de comoção social, a indignação popular, o clamor público suscitado pela prática do crime, assim como a necessidade de se acautelar o meio social e a credibilidade da justiça em razão da repercussão do crime, constituem fundamentos inidôneos, por si sós, para a prisão cautelar. (...) Na zona de certeza positiva, inclui-se a necessidade de se evitar a prática de infrações penais, ou, mais precisamente, de se impedir a reiteração criminosa. Pacífica, nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (...)". Sob esta perspectiva, é cristalina a percepção de que a garantia da ordem pública não pode ser fundamentada no clamor ou na comoção social, pois, por serem fundamentos inidôneos, gerariam prisões ilegais.

Por fim, é imperioso destacar a fala do ex-Ministro do STJ, Nefi Cordeiro: "O juiz não é justiceiro". Neste contexto, o juiz não deve proferir decisões para agradar ou dar alguma resposta à sociedade, mas sim julgar com absoluta imparcialidade e decoro, aplicando o direito material ao caso concreto e pondo fim ao conflito, conforme os ditames legais do ordenamento jurídico.

*Gustavo Polido, advogado e professor

*Roberto Guimarães, advogado

*Wilson Alvares, advogado e professor

Gustavo Polido, Roberto Guimarães e Wilson Alvares. Foto: Arquivo pessoal

"O juiz não é justiceiro" - Nefi Cordeiro, Ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Em tempos atuais verificamos milhares de casos em que a manutenção de prisões cautelares (antes da certeza sobre ser ou não o acusado culpado), muitas vezes desnecessárias sob o ponto de vista da eficácia e da natureza da Lei Penal, amparada nos mais variados argumentos, por vezes, à revelia da correta aplicação das regras processuais penais e penais, comunicando à sociedade, na verdade, a falta de segurança jurídica e não a efetiva atuação combatente do Estado face à criminalidade.

Em sentença condenatória proferida por juízo de direito de uma comarca do Estado de São Paulo, pelo delito de estelionato, mesmo tendo o réu respondido o processo em liberdade, o juízo de origem decretou sua prisão preventiva, fundamentando que, dentre outros motivos, o réu seria reincidente específico, tinha sido revel, existiam registros de delitos semelhantes praticados na região e não havia comprovação da natureza lícita de suas ocupações.

Neste panorama, a defesa recorreu ao Tribunal de Justiça, através da impetração de Habeas Corpus. Na decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo acatou o Habeas Corpus e concedeu, determinando a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares alternativas à prisão (com previsão e embasamento legal no artigo 319 do Código de Processo Penal), evitando assim o recolhimento ao cárcere.

O Desembargador que julgou o Habeas Corpus, Dr. Xisto Rangel, relator no caso, ressaltou de forma acertada e com brilhantismo que a função cautelar nas prisões processuais não deve ser a de dar satisfação à sociedade, à opinião pública ou à mídia, como um simples resultado da investigação policial ou do processo penal, tendo em vista que, caso as prisões cautelares fossem utilizadas desta maneira, acarretariam um desvirtuamento de sua natureza instrumental. Há de se ater, ainda, ao fato de que estar-se-ia diante do desvirtuamento da própria função da prisão cautelar (antes do trânsito em julgado de uma sentença condenatória), isso é, desvirtuamento da natureza jurídica da prisão preventiva.

Vetor positivo pode ser atribuído à decisão proferida, a qual mesmo que ainda pendente de análise por cortes superiores, demonstra efetivo avanço no cenário fático da aplicação não apenas da medida cautelar de prisão, mas de tantas outras.

Sobre esta temática, é imprescindível perceber que a prisão preventiva não se sujeita à aplicação automática, devendo ser decretada nas hipóteses previstas em lei, sempre amparada na análise do caso concreto pelo magistrado, bem como pela efetiva necessidade de sua decretação. De acordo com o artigo 312, caput e seus parágrafos, do Código de Processo Penal, este tipo de prisão processual deve ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal ou em caso de descumprimento das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.

Além de estar presente um dos fundamentos elencados no artigo 312, caput e seus parágrafos, do Código de Processo Penal, faz-se necessário, também, o preenchimento de algumas das hipóteses expressas no artigo 313 do Código de Processo Penal, quais sejam: i) nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; si) se o réu ostentar condenação anterior definitiva por outro crime doloso no prazo de 5 anos da reincidência; iii) se o crime envolver violência doméstica ou familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, quando houver necessidade de garantir a execução de medidas protetivas de urgência; e iv) se houver dúvida quanto à identidade civil do acusado e este se recusar a esclarecê-la.

Neste panorama, muitos se perguntam acerca da hipótese de "garantia da ordem social", expressa no caput do artigo 312 do CPP, interpretando-o de maneira errônea. Para a grande maioria da população, ao ser indagada sobre tal pressuposto da prisão preventiva, entendem que seu significado é satisfazer a sociedade, a mídia e a opinião pública, ou seja, seria uma resposta do Poder Judiciário para dar mais credibilidade as suas decisões e trazer uma maior segurança ao povo. Entretanto, tal percepção, além de equivocada, vai de encontro aos fundamentos basilares da Ciência do Direito, sobretudo, no que tange ao Direito Penal, tendo em vista que este âmbito do Direito regula justamente o poder de punir do Estado, necessitando de ainda mais ponderação ao ser utilizado, além de seguir os preceitos legais.

O próprio Supremo Tribunal Federal (STF), reforça a ideia expostaem seu informativo nº 913, preceituando: "(...) Quanto à zona de certeza negativa do conceito de ordem pública, é pacífico, no Supremo Tribunal Federal, que o estado de comoção social, a indignação popular, o clamor público suscitado pela prática do crime, assim como a necessidade de se acautelar o meio social e a credibilidade da justiça em razão da repercussão do crime, constituem fundamentos inidôneos, por si sós, para a prisão cautelar. (...) Na zona de certeza positiva, inclui-se a necessidade de se evitar a prática de infrações penais, ou, mais precisamente, de se impedir a reiteração criminosa. Pacífica, nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (...)". Sob esta perspectiva, é cristalina a percepção de que a garantia da ordem pública não pode ser fundamentada no clamor ou na comoção social, pois, por serem fundamentos inidôneos, gerariam prisões ilegais.

Por fim, é imperioso destacar a fala do ex-Ministro do STJ, Nefi Cordeiro: "O juiz não é justiceiro". Neste contexto, o juiz não deve proferir decisões para agradar ou dar alguma resposta à sociedade, mas sim julgar com absoluta imparcialidade e decoro, aplicando o direito material ao caso concreto e pondo fim ao conflito, conforme os ditames legais do ordenamento jurídico.

*Gustavo Polido, advogado e professor

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Gustavo Polido, Roberto Guimarães e Wilson Alvares. Foto: Arquivo pessoal

"O juiz não é justiceiro" - Nefi Cordeiro, Ex-Ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Em tempos atuais verificamos milhares de casos em que a manutenção de prisões cautelares (antes da certeza sobre ser ou não o acusado culpado), muitas vezes desnecessárias sob o ponto de vista da eficácia e da natureza da Lei Penal, amparada nos mais variados argumentos, por vezes, à revelia da correta aplicação das regras processuais penais e penais, comunicando à sociedade, na verdade, a falta de segurança jurídica e não a efetiva atuação combatente do Estado face à criminalidade.

Em sentença condenatória proferida por juízo de direito de uma comarca do Estado de São Paulo, pelo delito de estelionato, mesmo tendo o réu respondido o processo em liberdade, o juízo de origem decretou sua prisão preventiva, fundamentando que, dentre outros motivos, o réu seria reincidente específico, tinha sido revel, existiam registros de delitos semelhantes praticados na região e não havia comprovação da natureza lícita de suas ocupações.

Neste panorama, a defesa recorreu ao Tribunal de Justiça, através da impetração de Habeas Corpus. Na decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo acatou o Habeas Corpus e concedeu, determinando a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares alternativas à prisão (com previsão e embasamento legal no artigo 319 do Código de Processo Penal), evitando assim o recolhimento ao cárcere.

O Desembargador que julgou o Habeas Corpus, Dr. Xisto Rangel, relator no caso, ressaltou de forma acertada e com brilhantismo que a função cautelar nas prisões processuais não deve ser a de dar satisfação à sociedade, à opinião pública ou à mídia, como um simples resultado da investigação policial ou do processo penal, tendo em vista que, caso as prisões cautelares fossem utilizadas desta maneira, acarretariam um desvirtuamento de sua natureza instrumental. Há de se ater, ainda, ao fato de que estar-se-ia diante do desvirtuamento da própria função da prisão cautelar (antes do trânsito em julgado de uma sentença condenatória), isso é, desvirtuamento da natureza jurídica da prisão preventiva.

Vetor positivo pode ser atribuído à decisão proferida, a qual mesmo que ainda pendente de análise por cortes superiores, demonstra efetivo avanço no cenário fático da aplicação não apenas da medida cautelar de prisão, mas de tantas outras.

Sobre esta temática, é imprescindível perceber que a prisão preventiva não se sujeita à aplicação automática, devendo ser decretada nas hipóteses previstas em lei, sempre amparada na análise do caso concreto pelo magistrado, bem como pela efetiva necessidade de sua decretação. De acordo com o artigo 312, caput e seus parágrafos, do Código de Processo Penal, este tipo de prisão processual deve ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal ou em caso de descumprimento das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.

Além de estar presente um dos fundamentos elencados no artigo 312, caput e seus parágrafos, do Código de Processo Penal, faz-se necessário, também, o preenchimento de algumas das hipóteses expressas no artigo 313 do Código de Processo Penal, quais sejam: i) nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; si) se o réu ostentar condenação anterior definitiva por outro crime doloso no prazo de 5 anos da reincidência; iii) se o crime envolver violência doméstica ou familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, quando houver necessidade de garantir a execução de medidas protetivas de urgência; e iv) se houver dúvida quanto à identidade civil do acusado e este se recusar a esclarecê-la.

Neste panorama, muitos se perguntam acerca da hipótese de "garantia da ordem social", expressa no caput do artigo 312 do CPP, interpretando-o de maneira errônea. Para a grande maioria da população, ao ser indagada sobre tal pressuposto da prisão preventiva, entendem que seu significado é satisfazer a sociedade, a mídia e a opinião pública, ou seja, seria uma resposta do Poder Judiciário para dar mais credibilidade as suas decisões e trazer uma maior segurança ao povo. Entretanto, tal percepção, além de equivocada, vai de encontro aos fundamentos basilares da Ciência do Direito, sobretudo, no que tange ao Direito Penal, tendo em vista que este âmbito do Direito regula justamente o poder de punir do Estado, necessitando de ainda mais ponderação ao ser utilizado, além de seguir os preceitos legais.

O próprio Supremo Tribunal Federal (STF), reforça a ideia expostaem seu informativo nº 913, preceituando: "(...) Quanto à zona de certeza negativa do conceito de ordem pública, é pacífico, no Supremo Tribunal Federal, que o estado de comoção social, a indignação popular, o clamor público suscitado pela prática do crime, assim como a necessidade de se acautelar o meio social e a credibilidade da justiça em razão da repercussão do crime, constituem fundamentos inidôneos, por si sós, para a prisão cautelar. (...) Na zona de certeza positiva, inclui-se a necessidade de se evitar a prática de infrações penais, ou, mais precisamente, de se impedir a reiteração criminosa. Pacífica, nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (...)". Sob esta perspectiva, é cristalina a percepção de que a garantia da ordem pública não pode ser fundamentada no clamor ou na comoção social, pois, por serem fundamentos inidôneos, gerariam prisões ilegais.

Por fim, é imperioso destacar a fala do ex-Ministro do STJ, Nefi Cordeiro: "O juiz não é justiceiro". Neste contexto, o juiz não deve proferir decisões para agradar ou dar alguma resposta à sociedade, mas sim julgar com absoluta imparcialidade e decoro, aplicando o direito material ao caso concreto e pondo fim ao conflito, conforme os ditames legais do ordenamento jurídico.

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