O juiz Danniel Gustavo Bomfim A. da Silva, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Rio Branco, arquivou o inquérito policial por suposta importunação sexual do secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil no Acre, Thalles Vinicius de Souza Sales, a uma advogada da subseção, Emanuelli Marques Barbosa. Em abril, ela registrou boletim de ocorrência na Polícia de Rio Branco no qual afirma que o secretário lhe disse ‘você está muito estressada, precisa dar a x***’ (usando palavra de baixo calão).
De acordo com ela, Thalles lhe teria dito essa frase duas vezes - uma presencialmente, depois de uma reunião, e outra por telefone, em meados do ano passado. No entanto, ao longo das apurações, o Ministério Público do Acre não encontrou elementos que pudessem embasar uma denúncia contra Bomfim.
Assim, no dia 21 de agosto, a avaliação do juíz Danniel Silva, foi a de que o caso deveria ser arquivado, considerando que o ‘titular da ação penal sustenta que os indícios probatórios não possibilitam a propositura da ação penal’.
“Embora, como afirmado pela representante do Ministério Público, nos crimes dessa natureza a palavra da vítima tenha especial valor probatório, o que consta nos autos não comprova suas alegações. Pelas conversas juntadas, observa-se que entre a suposta vítima e o indiciado havia certa intimidade para utilização de palavras de baixo calão e termos pejorativos. Não que isso indique que não poderia o indiciado ter em algum outro momento extrapolado e realizado os atos denunciados pela comunicante. No entanto, não há no caderno processual, além da palavra da vítima, qualquer outro indício de materialidade”, escreveu o magistrado.
A reportagem do Estadão teve acesso ao registro da ocorrência, registrado em abril. No documento, consta que o secretário da OAB também teria dito para Emanuelli, ao menos cinco vezes, por meio de mensagens, ‘você está muito bonita, eu te pegava’.
No dia 19 de abril, Thalles pediu afastamento da diretoria. Ele e Emanueli atuavam na Comissão de Prerrogativas da OAB.
Leia o pedido de afastamento de Thalles
O secretário-geral da OAB afirma que a denúncia é fruto de 'discordâncias políticas' com a advogada. "Nossa amizade era tão próxima que sempre nos sentimos à vontade para falar um com o outro livremente, de maneira informal e com muitas brincadeiras", disse, em nota.
Ele também afirma que Emanuelli estaria agindo por 'vingança de terceiros, insatisfeitos com as sanções aplicadas pela OAB do Acre'.
A advogada sustenta que procurou o presidente da OAB do Acre e a sua vice, com quem conversou sobre o caso no dia 29 de junho do ano passado. Segundo Emanuelli, 'não houve apoio da instituição'.
"Eles falaram 'foi uma brincadeira, você está levando para o lado errado'. Ao invés de ser apoiada, eu fui taxada de 'louca'", disse a vítima em entrevista ao Estadão.
Procurada, a diretoria da OAB do Acre diz que a reunião do ano passado foi sobre outro assunto.
"Com a formalização do pedido de renúncia (em abril deste ano, quando Emanuelli formalizou a saída da entidade) e com a informação de que tal ocorrência foi registrada na Autoridade Policial (informação obtida a partir da leitura de uma matéria em jornal virtual), foi que se obteve conhecimento da acusação de assédio", afirma a nota enviada para a reportagem.
Emanuelli confirmou que se aproximou de Thalles nas últimas eleições da OAB do Acre, mas se afastou dele e da Comissão de Prerrogativas em abril do ano passado por se sentir 'incomodada com a situação que denunciou'.
"Eu nunca dei espaço para cantadas. Qualquer mulher consegue perceber quando está acontecendo alguma coisa", ela afirma.
COM A PALAVRA, O SECRETÁRIO-GERAL THALLES VINICIUS DE SOUZA SALLES
A reportagem do Estadão entrou em contato com o secretário-geral da Ordem do Acre, Thalles Vinicius de Souza Sales. Ele enviou a seguinte nota:
Estou em viagem à cidade de Brasília, para participar do Encontro Nacional de Prerrogativas, e na data de ontem, 18 de abril de 2023, tomei conhecimento da matéria veiculada no sítio eletrônico do Contilnet, envolvendo o meu nome em uma série de acusações.
A denunciante, Emanuelli Marques, que demorou mais de um ano para expor qualquer situação, se tratava de grande e querida amiga minha, que por razões políticas, e apenas políticas, acabou se afastando não apenas de mim mas também de todos os seus amigos que compõem a gestão da OAB/AC, para a qual foi eleita como Conselheira Seccional.
Nossa amizade era tão próxima que sempre nos sentimos à vontade para falar um com o outro livremente, de maneira informal e com muitas brincadeiras. Certa vez, para que se tenha uma ideia da forma que tratávamos os assuntos, ao se referir a um colega que sempre criticava a nossa gestão, Emanuelli disse que o problema dele era 'falta de r***, uma bem grande'.
Ou como uma outra vez, quando eu disse que ela escrevia melhor do que eu, ela soltou um 'Teu c*! Vai descansar. Um beijo nessa bunda branca'.
Isso sem contar os demais palavrões que utilizávamos, como por exemplo a ocasião em que ela fala de uma determinada advogada, dizendo que tinha vontade de mandá-la 'tomar no c*'.
Peço desculpas pela quantidade de termos esdrúxulos, mas estes são necessários para ilustrar como era a amizade entre mim e Emanuelli, que hoje, após anos, atribui a mim uma conduta assediadora, mesmo sabendo ela do tom recíproco de amizade que nossas palavras sempre tiveram. Esse tipo de diálogo é comum entre amigos muitos próximos, e comigo e com a Emanuelli não era diferente, já que nossa amizade datava desde antes de 2019.
E é importante que se destaque que a razão do nosso afastamento foi em decorrência de meu posicionamento em relação a uma determinada conduta do advogado por ela citado na reportagem, com quem mantém estreita amizade (inclusive tenho testemunhas que confirmam isso).
Não tenho dúvidas de que a motivação para essa tardia denúncia, que distorce totalmente os fatos, reside no sentimento de vingança de terceiros, insatisfeitos com as sanções aplicadas pela OAB/AC, e que agora querem travar uma guerra com a instituição, com o intuito de enfraquecê-la, atuando de modo a difamar a imagem de seus diretores que, por força moral e institucional, aplicam sanções disciplinares de modo a garantir a retidão da advocacia.
Ao contrário da conduta de alguns, irei apresentar todas as provas e testemunhas no tempo oportuno e da forma adequada, sem jamais iniciar qualquer campanha difamatória contra quem hoje me denuncia.
Assim que retornar a Rio Branco tomarei as providências legais cabíveis para que a verdade seja restabelecida, a fim de preservar não só a minha honra, mas para garantir que tais absurdos jamais atinjam a imagem da OAB Acre.
COM A PALAVRA, A ORDEM DOS ADVOGADOS DO ACRE
A reportagem entrou em contato com a OAB do Acre questionando sobre a existência de denúncias e sobre a reunião que Emanuelli afirma ter feito no dia 29 de junho de 2022 com a presidência.
A entidade afirma que a reunião de junho do ano passado teve outro assunto, e que teve conhecimento da situação quando a advogada renunciou ao cargo que tinha como conselheira da OAB do Acre, em abril deste ano.
"Tão logo houve o conhecimento do requerimento trazido pela advogada em questão e de seu teor, foi determinado pela Presidência a sua remessa imediata para a Corregedoria da Seccional para instauração de procedimento apuratório", diz a nota.
O processo tramitará em sigilo.
Leia a íntegra da nota da OAB do Acre Documento