Depois ver arquivada a investigação que lhe atribuía ligação com o suposto avanço do PCC sobre a máquina pública, incluindo prefeituras e legislativos de municípios paulistas, o advogado Áureo Tupinambá Fausto Filho - diretor-secretário da Câmara de Cubatão - classifica como “folclore” e “balela” a suposta participação da facção em fraudes em licitações na cidade da Baixada Santista.
“Mesmo eu não tendo sido nem processado eu li todo o inquérito. E posso dizer tranquilamente que, quando o Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo de Guarulhos diz que há participação do PCC nesse esquema de fraude à licitação é uma forma de dar mais ênfase à operação, tornar a operação mais midiática. Essa acusação de que o PCC está envolvido não tem nada a ver”, afirmou em entrevista ao Estadão.
Áureo foi preso na Operação Munditia, ofensiva dos promotores do Gaeco em Guarulhos (Grande São Paulo) aberta em abril no rastro de um grupo que teria montado amplo esquema para fraudes em licitações de mais de R$ 200 milhões em gestões e legislativos municipais.
Durante 10 dias ele ocupou uma cela individual - prerrogativa dos advogados -, na Cadeia de Santos, litoral paulista. Em setembro, a juíza Priscila Devechi Ferraz Maia, da 5.ª Vara Criminal de Guarulhos, arquivou o braço da investigação que quase o enrolou com o esquema.
Áureo não foi sequer denunciado. Nem mesmo inocentado, uma vez que o Procedimento de Investigação Criminal (PIC) do Ministério Público estadual foi arquivado sumariamente. “Não foram amealhadas provas da atuação do investigado na organização criminosa”, decretou a juíza.
Aos 41 anos, 15 de advocacia, Áureo Tupinambá retomou sua rotina na Câmara de Cubatão e na advocacia voltada ao direito penal empresarial. Ele é incisivo quando reage à investigação do Ministério Público que, primeiramente, o carimbou como importante personagem do esquema desmantelado pela Operação Munditi e, depois, o excluiu da suposta organização que teria se infiltrado a mando do PCC em administrações regionais e câmaras de vereadores.
Agora tenta se desvencilhar do estigma da prisão, do qual muitos não conseguem se livrar pela vida toda. Quer superar esse capítulo que o incomoda e deixou marcas. “A prisão deixou uma mancha em minha reputação. Prejudicou minha saúde mental. Aqueles dez dias preso, para ser sincero, eu nem lembro mais. Mas isso ainda me assombra frequentemente. Por exemplo, eu não tive coragem de ir até hoje na casa da minha sogra. Porque eu tenho vergonha.”
Paulista de Santos, sua meta, agora, é recuperar a confiança da clientela.
Entre seus clientes está o famoso André do Rap, apontado como uma liderança do PCC e foragido há quatro anos, desde que beneficiado por um habeas corpus do então ministro Marco Aurélio Mello, hoje aposentado do Supremo Tribunal Federal.
O alvo maior da Operação Munditi chama-se Vagner Borges Dias. Ele atende por ‘Latrel Britto’. É pagodeiro e, segundo a Promotoria, forte elo do PCC com o esquema instalado na máquina pública para licitações forjadas - ele é dono de uma empresa de limpeza e assumiu contratos milionários de prefeituras e câmaras de vereadores. Está foragido desde que a fase ostensiva da investigação foi deflagrada.
Outro nome citado na investigação é o ex-vereador Ricardo Queixão, denunciado por organização criminosa. Teria relações próximas com ‘Latrell’.
Áureo Tupinambá reconhece diálogos apreendidos no celular de ‘Latrell Britto’. Os arquivos contêm fotos de armas e mensagens sobre as ‘ideias’, como é conhecido o famigerado tribunal do crime do PCC.
Mas para o diretor-secretário da Câmara de Cubatão não há comprovação de qualquer relação do pagodeiro com o alto escalão do PCC. “São aqueles caras, assim, que são meio fanfarrões, só, têm um amigo do PCC. Porque existem vários núcleos do PCC e existem até esses caras que se dizem do PCC, mas que não têm nível de hierarquia nenhuma. Aí o cara, para amedrontar outro participante do certame, frequentemente usava esses termos”, resume.
Ele também lembra da citação, nos autos da Operação Munditia, de um outro investigado, já condenado por organização criminosa, Márcio Zeca da Silva, o “Gordo”,.
Áureo diz que a participação de ‘Gordo’ no caso de Cubatão é pífia e que ele seria apenas um ‘laranja’ de ‘Latrel Britto’.
“Gordo” foi condenado por tráfico após ser flagrado em 2021 com 200 porções de cocaína oculta em fundo falso de uma Mercedes. Segundo a Promotoria, ‘Gordo’ ostenta longevo envolvimento com a facção. Ele seria sócio de ‘Latrell Britto’.
O advogado afirma que na administração pública de Cubatão “não existe crime de fraude à licitação”.
“Não existe a possibilidade, não existe prejuízo ao erário, porque o serviço foi prestado”, diz, em referência às suspeitas que foram levantadas pela Operação Munditia. “Com relação aos empresários, está bem comprovado que eles fraudavam licitações, até ameaçavam outros participantes”, indicou.
A avaliação de Áureo é que as acusações do Ministério Público de São Paulo contra investigados, em especial o ex-vereador Queixão, não devem prosperar. “Ele vai ser absolvido desse crime. Queixão não conhece ninguém. Não tem função nenhuma dentro da suposta organização criminosa. A única pessoa que ele conhece é o Vagner. E para um crime de organização criminosa, ele é muito mais complexo”, narra.
Sobre diálogos e citações a seu nome nos autos da Operação Munditia, em especial conversas mantidas com ‘Latrel Britto’, o advogado esclarece que perguntou ao pagodeiro sobre planilhas do contrato de limpeza da Câmara porque precisava entender como o serviço seria executado.
Áureo anota que a Promotoria questionou uma mensagem pelo WatsApp em que Vagner ‘Latrell Britto’ mandou um comprovante de PIX em nome de uma mulher - segundo o advogado, ela seria uma funcionária do pagodeiro que constantemente ia ao seu gabinete para falar sobre um vale-refeição que Vagner teria deixado de pagar.
“Até que um dia liguei para ele, bem bravo e falei, paga o vale da menina. E aí ele me chamou no Whatsapp.”
O diretor-secretário da Câmara relata ainda que “cometeu um erro administrativo, não crime” quando perguntou para Vagner ‘Latrel Britto’ se teria indicação de outras empresas do ramo para que ele pedisse orçamentos antes da renovação do contrato de limpeza do prédio que abriga o Legislativo de Cubatão.
“O Ministério Público entendeu que eu estava fraudando a licitação na modalidade renovação. Só que a lei não exige isso. Para ser crime tem que haver prejuízo para a administração e ele (contratado) não ter prestado serviço. Só que o valor dele estava dentro do de mercado e ele prestou o serviço. E tem que ser com dolo de causar prejuízo em vantagem própria. Não existiriam os três elementos do tipo”, assinala.