O combate à litigância predatória, assim entendido como o ajuizamento massivo de ações sem mérito substancial, geralmente de cunho consumerista fraudulento, com o objetivo de ganhos financeiros aos patronos e apostando no alto volume de processos em nossos tribunais, tem se destacado nas discussões e ações efetivas do sistema judiciário, demandando também uma reflexão mais ampla para o enfrentamento dessa prática pela sociedade.
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Em 2020, a Resolução nº 349 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu o Centro de Inteligência do Poder Judiciário (CIPJ), juntamente com a Rede dos Centros de Inteligência do Poder Judiciário. Uma de suas principais atribuições é o monitoramento de demandas repetitivas, visando aprimorar a eficiência e a celeridade na identificação dessas demandas fraudulentas.
Atualmente, todos os tribunais estaduais possuem centros de inteligência, que publicam, de tempos em tempos, notas técnicas definindo o que constitui a litigância predatória e oferecem sugestões de cautela aos magistrados que identificarem determinados comportamentos. Essas iniciativas visam promover uma aplicação mais justa e eficiente da lei, protegendo os princípios fundamentais da justiça.
Levantamentos recentes[1] apontam que a litigância predatória consome, anualmente, aproximadamente R$ 25 bilhões dos cofres públicos, considerando que a incidência dessa prática nefasta chega a 30% dos processos judiciais movidos em âmbito nacional. Outros dados mostram que só no estado de São Paulo o prejuízo público atinge R$ 2,7 bilhões por ano. Para se ter uma ideia, a estimativa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) é de que o custo médio de um processo é R$ 8.270,00, excluídas despesas comuns, como perícias e contratação de advogados.
Ressalte-se que não se trata somente desse alarmante desperdício de dinheiro público. As tentativas aventureiras de movimentação da máquina do Judiciário com demandas repetitivas e infundadas para se alcançar algum ganho econômico tem vitimado toda a sociedade em muitos aspectos. Além de atravancar a máquina judiciária, e consequentemente prejudicar a celeridade de processos judiciais legítimos, as ações predatórias abusam principalmente de pessoas vulneráveis, incluindo idosos e aposentados. A atuação do litigante predador começa, por exemplo, pela captação indevida de clientes, pessoas com pouca instrução ou idosas, que assinam procurações sem o discernimento necessário, ou mal têm conhecimento das respectivas ações judiciais, alvos cobiçados também por serem beneficiários da justiça gratuita.
É importante, ainda, distinguir a litigância predatória das demandas repetitivas. Enquanto as repetitivas envolvem litígios legítimos com possíveis danos reais aos consumidores, a predatória refere-se às demandas fraudulentas, sendo um claro abuso de direito, que envolvem propostas sem o conhecimento do titular da ação judicial, autores falecidos, adulterações de documentos, abusos de direito, minutas padronizadas, documentos ilegíveis, dentro outros.
Este cenário demanda atenção e cautela por parte de toda a comunidade jurídica, e em especial dos magistrados, ressaltando a importância de medidas preventivas para combater essa prática nociva nas esferas cível e criminal, sem contar as questões éticas envolvendo o conselho de classe da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para apuração de irregularidades na captação de cliente, promessas inverídicas e, até mesmo, ausência de repasse de valores aos titulares da ações ou ajuizamento para autores já falecidos.
Assim, resta claro que a advocacia predatória não só prejudica a eficiência do Judiciário e aumenta os custos públicos para toda a sociedade, mas também vitimiza os mais vulneráveis e mina a confiança dos cidadãos na Justiça, alimentando uma percepção de injustiça e desigualdade.
Quando recursos públicos são desperdiçados em processos fraudulentos e ilegítimos, estamos comprometendo as questões legítimas da sociedade. A litigância predatória pode seguir obstruindo o acesso à Justiça para aqueles que realmente necessitam. Assim, combater essa prática não é apenas uma questão de eficiência administrativa, mas de justiça social. Trata-se de se proteger a Constituição. O envolvimento na luta contra a litigância predatória depende, cada vez mais, não apenas do Judiciário, mas de todas as instituições democráticas, sejam elas entes públicos ou privados, de categoria profissional, organizações sociais, empresariais e a própria imprensa.