O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, atendeu nesta terça-feira, 3, o pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e determinou a instauração de investigação contra o presidente Jair Bolsonaro em razão das alegações sobre fraudes nas urnas eletrônicas. De acordo com o ministro, o caso será autuado à parte, mas distribuído por prevenção ao inquérito das fake news. O estopim da solicitação que culminou na apuração foi a live realizada pelo chefe do Executivo na última quinta-feira, 30, na qual ele voltou a propagar notícias falsas e declarações infundadas sobre supostas fraudes no sistema eletrônico de votação, além de promover ameaças às eleições de 2022.
Alexandre de Moraes já até determinou diligências a serem cumpridas no âmbito da investigação, entre elas a transcrição oficial, pela Polícia Federal, da live em que Bolsonaro admitiu não ter provas sobre as alegações sobre fraudes na urna eletrônica. Além disso, o ministro ordenou que os investigadores ouçam, em até dez dias e na condição de testemunhas, os envolvidos na transmissão ao vivo feita pelo presidente: o ministro da Justiça Anderson Torres; o coronel Eduardo Gomes da Silva, assessor especial da Casa Civil; o youtuber Jeterson Lordano; o professor da faculdade de tecnologia de São Paulo Alexandre Ichiro Hashimoto; e o engenheiro especialista em segurança de dados Amílcar Brunazo Filho.
De acordo com o relator do inquérito das fake news, as condutas relatadas na notícia-crime assinada pelo presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, configuram, em tese, os crimes de calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, apologia ao crime, associação criminosa e denunciação caluniosa. Alexandre lista ainda o possível delito de 'injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda', além de três crimes previstos na Lei de Segurança Nacional: tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito; fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social; e incitar à subversão da ordem política ou social.
Trata-se do segundo inquérito aberto contra Bolsonaro durante seu mandato como presidente. O chefe do Executivo também é investigado por suposta tentativa de interferência política na Polícia Federal, apuração aberta na esteira da renúncia do ex-ministro Sérgio Moro.
Alexandre deu cinco dias para que a Procuradoria-Geral da República se pronuncie sobre a investigação. Além disso, colocou como responsável pela condução do inquérito a delegada de Polícia Federal Denisse Dias Rosa Ribeiro, que também conduz o inquérito das fake news e o das milícias digitais (desdobramento do inquérito dos atos antidemocráticos).
Em sua decisão, o ministro do Supremo apontou que as declarações de Bolsonaro contra o sistema de votação inflamaram ameaças, ataques e agressões contra o processo eleitoral. De acordo com Alexandre, o pronunciamento do presidente durante a live do último dia 30 foi apenas 'mais uma das ocasiões' em que o chefe do Executivo 'se posicionou de forma, em tese, criminosa e atentatória às instituições, em especial o Supremo Tribunal Federal.
"Não há dúvidas de que as condutas do Presidente da República insinuaram a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a Democracia; revelando-se imprescindível a adoção de medidas que elucidem os fatos investigados, especialmente diante da existência de uma organização criminosa - identificada no presente Inquérito 4781 e no Inquérito 4874 - que, ilicitamente, contribuiu para a disseminação das notícias fraudulentas sobre as condutas dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e contra o sistema de votação no Brasil", registrou Alexandre no despacho.
O magistrado ressaltou ainda que foi possível observar, como consequência das falas de Bolsonaro na live, o mesmo 'modus operandi' da suposta organização criminosa investigada tanto no inquérito das fake news como no das milícias digitais: 'intensas reações por meio das redes virtuais, pregando discursos de ódio e contrários às Instituições, ao Estado de Direito e à Democracia, inclusive defendendo de maneira absurda e inconstitucional a ausência de eleições em 2022'.
"A partir de afirmações falsas, reiteradamente repetidas por meio de mídias sociais e assemelhadas, formula-se uma narrativa que, a um só tempo, deslegitima as instituições democráticas e estimula que grupos de apoiadores ataquem pessoalmente pessoas que representam as instituições, pretendendo sua destituição e substituição por outras alinhadas ao grupo político do Presidente", registrou o ministro.
Além da alegação de 'insegurança das urnas eletrônicas e fraudes no sistema de votação', Alexandre listou outras narrativas usadas pelo presidente e seus apoiadores, como a de 'impossibilidade de se governar por conta de decisões' do Supremo Tribunal Federal, principalmente em relação às medidas necessárias ao controle da pandemia - inverdade já desmentida em diferentes ocasiões pela corte.
"Tudo fundado em ilações reconhecidamente falsas, utilizadas para fomentar ataques aos integrantes das instituições constitucionalmente previstas para o balanceamento do regime democrático, à autonomia e responsabilidade de todos os entes da federação quanto à medidas necessária à proteção da vida e saúde da população e, agora, à realização de eleições livres, isentas de fraudes e com resultado historicamente reconhecido por todos os eleitores".
Reações em cadeia
A notícia-crime contra Bolsonaro foi apresentada ao STF na noite desta segunda, 2, pelo presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, que atualmente é o alvo preferencial dos ataques do presidente da República, e solicitou a averiguação de "possível conduta criminosa" relacionada ao inquérito das fake news. Hoje, Bolsonaro voltou a atacar Barroso dizendo que ele presta "um desserviço à nação" e "coopta" outros ministros. A ação contra o chefe da Nação foi aprovada por unanimidade pelos ministros da corte eleitoral.
A despeito dos ataques reiterados que partem do Planalto, a ação aprovada no TSE foi o desfecho de um movimento coordenado de reações de magistrados e ex-ministros em busca de frear a cruzada de Bolsonaro e seus aliados contra o sistema eletrônico de votação. O presidente recebeu recados não só do presidente do Supremo, Luiz Fux, e do colegiado do TSE, mas também de 15 ex-presidentes da corte eleitoral.
O texto da notícia-crime tem como base a transmissão ao vivo em que Bolsonaro admitiu não ter provas sobre fraudes nas urnas eletrônicas. Antes do evento, porém, ele anunciava estar munido de evidências contundentes de manipulação do resultado das urnas eletrônicas. Na live, que contou com a estrutura do Palácio do Planalto e transmissão ao vivo pela TV Brasil, emissora pública, Bolsonaro exibiu uma série de vídeos antigos e informações falsas contra as urnas eletrônicas, alegando mais uma vez que o sistema é fraudável.
Além da investigação criminal, também na segunda-feira, Bolsonaro se tornou alvo de inquérito administrativo no TSE. O procedimento foi aprovado por unanimidade, atendendo ao pedido do corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luiz Felipe Salomão. A ação vai apurar se, ao promover uma série de ataques sem provas às urnas eletrônicas, Bolsonaro praticou "abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea".
O desfecho das investigações pode atrapalhar os planos políticos de Bolsonaro, que se cercou de parlamentares do Centrão em busca de angariar forças que deem sustentação ao governo ao custo de cifras milionárias em emendas parlamentares, conforme revelou o Estadão . Juristas ouvidos pela reportagem dizem que o resultado do inquérito pode levar à impugnação do registro de candidatura do atual presidente pela Justiça Eleitoral, caso ele deseje concorrer à reeleição no ano que vem.