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Opinião|Amazônia ameaçada e a leniência com a poluição climática


Cumpre ao Estado estatuir regime obrigatório de transição para economia sustentável de baixo carbono, com metas de curto prazo, sem condescender com o crescimento do passivo que os grandes emissores de carbono produzem nesse intervalo. Já passamos da época em que se admitia, juridicamente, como meio bastante de proteção, a atuação tímida por meio de políticas de incentivo de adesão voluntária

Por Ruy Marcelo

Calor intenso, seca extrema, baixa umidade, megaqueimadas sincronizadas e muita fumaça tóxica de difícil dispersão. Assim padece a Amazônia, dentre outros biomas, fundamentais ao clima, às águas, à economia e à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Em meio a esse quadro de estiagem severa, exasperado por crimes ambientais, os meteorologistas não tem certeza de mais nada, nem mesmo sobre o modelo ENOS e a chegada de La Niña. As plumas de fumaças tóxicas encobriram, nos últimos dias, cerca de 60% do território nacional, pondo em perigo a saúde pública. O Brasil parece se tornar o mais contundente alvo das mudanças do clima e a Amazônia, sua mais preciosa vítima.

Assim sendo, o que falta para reversão desse quadro ameaçador que é digno da mais grave qualificação?

O preclaro Ministro Herman Benjamin bem resumiu a resposta em recente entrevista à Veja: falta-nos superar a leniência do Estado.

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Pondo de lado a ganância e o negacionismo de certas alas das elites econômica e política, é isso mesmo; o nó a desatar é a tibieza da atuação estatal.

Falta repressão eficiente aos ilícitos, mormente contra desmatamentos e queimadas ilegais; falha essa que induz a crença de impunidade e inviabiliza qualquer efeito dissuasório ou preventivo das infrações. Ademais, não adianta agir sem a habilidade de eliminar efetivamente as práticas nocivas e promover restauração, notadamente por insuficiência de investimentos em inteligência, prevenção e estruturação de arranjos de governança territorial e de desenvolvimento sustentável.

Pouco vale autuar somente laranjas, que figuram propositalmente como boi de piranha nos cadastros e registros de imóvel (como detentores, possuidores ou até como proprietários beneficiários de regularização pelo INCRA e órgãos fundiários estaduais), mantendo inabaláveis e ocultos os grandes operadores e financiadores dos ilícitos ambientais, verdadeiros “donos do negócio”, organizações frequentemente associadas a crimes econômicos, consoante deixou patente substancioso diagnóstico do Ministério da Justiça por intermédio da Estratégia Nacional contra a Corrupção (ver especialmente ENCLLA, produto da Ação 10 de 2023).

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No campo da leniência, não há mais perniciosa omissão do Estado que a falta de controle sobre as emissões de gases de efeito estufa pelos agentes econômicos, a despeito de não nos faltar comando jurídico-constitucional para impor tal medida regulatória.

Ora, a Constituição (art. 225) proclama o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, sadio e seguro para as presentes e futuras gerações. Em vista do dever constitucional de garantir segurança à população em face dos eventos extremos que se intensificam, igualmente vigora o dever de evitar e limitar as emissões. Cumpre ao Estado estatuir regime obrigatório de transição para economia sustentável de baixo carbono, com metas de curto prazo, sem condescender com o crescimento do passivo que os grandes emissores de carbono produzem nesse intervalo. Já passamos da época em que se admitia, juridicamente, como meio bastante de proteção, a atuação tímida por meio de políticas de incentivo de adesão voluntária.

Significa que, por um lado, cumpre ao Estado exigir dos poluidores (por atividade ilícita tais como desmatamento e queimada), como parte da indenização, o equivalente aos impactos climáticos que das emissões resultantes do fato lesivo resultam, de modo a compensar os custos que a sociedade e o Estado terão no enfrentamento dos desastres que se alastram e na adaptação e resiliência das cidades.

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Por outro lado, com base na Constituição, urge demandar, no bojo do licenciamento e estudo prévio de impacto ambiental, dos grandes empreendimentos emissores, o inventário de carbono, o estudo de impacto climático e as correspondentes medidas de mitigação e compensação pelas emissões, porque não há direito de poluir e piorar a crise por novas emissões cujos efeitos sinérgico e cumulativo vão fazer “extravasar o copo cheio” de nossa combalida e saturada atmosfera.

Não é legítimo transferir à sociedade a conta de tantas catástrofes! Ora, os vetustos padrões de emissão de poluentes por fonte individual, que antes da crise climática vigoravam com base na lei da política nacional do meio ambiente, transitaram claramente para a inconstitucionalidade por processo de mutação. Seria rematado absurdo neste caos climático admitir que os grandes geradores lancem, livremente, na atmosfera, toneladas de carbono, em nome de um padrão para chaminés.

Por exemplo, não se pode mais tolerar usinas termelétricas, em vários estados, inclusive no Amazonas, lançando importante e crescente patamar de emissões (consoante estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente) sem contrapartidas no sentido do carbono net zero.

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É imprescindível, igualmente, em respeito a nossa Constituição, pôr um basta nas ações estatais incoerentes e que fazem da Administração Pública mais um vilão climático. Planos de logística sustentável (e contratações sustentáveis) no sentido de exemplificar, nas operações internas, a rota de transição verde, são urgentes nos órgãos e entes públicos.

Por outro lado, essa cobrança pela redução das emissões há de fazer o Brasil protagonista de litigância climática em âmbito internacional. Não basta cobrar a indústria nacional. Há de se cobrar as transnacionais sediadas alhures e os Países mais poluidores, a fim de que sejam obrigados pelos tribunais a fortalecerem suas metas de redução de emissões em busca de agilizar a transição justa para a economia de baixo carbono. O Brasil não é o maior poluidor mundial, mas pode se tornar a primeira vítima continental da crise da mudança do clima. Por isso, temos toda a legitimidade para tanto.

Não podemos perecer à espera indefinida de soluções pela via diplomática, a ONU e suas infindáveis COP, pois é questão inadiável de vida ou morte. Quem quer o Brasil inabitável e inviável social e economicamente no curto prazo?

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Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

Calor intenso, seca extrema, baixa umidade, megaqueimadas sincronizadas e muita fumaça tóxica de difícil dispersão. Assim padece a Amazônia, dentre outros biomas, fundamentais ao clima, às águas, à economia e à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Em meio a esse quadro de estiagem severa, exasperado por crimes ambientais, os meteorologistas não tem certeza de mais nada, nem mesmo sobre o modelo ENOS e a chegada de La Niña. As plumas de fumaças tóxicas encobriram, nos últimos dias, cerca de 60% do território nacional, pondo em perigo a saúde pública. O Brasil parece se tornar o mais contundente alvo das mudanças do clima e a Amazônia, sua mais preciosa vítima.

Assim sendo, o que falta para reversão desse quadro ameaçador que é digno da mais grave qualificação?

O preclaro Ministro Herman Benjamin bem resumiu a resposta em recente entrevista à Veja: falta-nos superar a leniência do Estado.

Pondo de lado a ganância e o negacionismo de certas alas das elites econômica e política, é isso mesmo; o nó a desatar é a tibieza da atuação estatal.

Falta repressão eficiente aos ilícitos, mormente contra desmatamentos e queimadas ilegais; falha essa que induz a crença de impunidade e inviabiliza qualquer efeito dissuasório ou preventivo das infrações. Ademais, não adianta agir sem a habilidade de eliminar efetivamente as práticas nocivas e promover restauração, notadamente por insuficiência de investimentos em inteligência, prevenção e estruturação de arranjos de governança territorial e de desenvolvimento sustentável.

Pouco vale autuar somente laranjas, que figuram propositalmente como boi de piranha nos cadastros e registros de imóvel (como detentores, possuidores ou até como proprietários beneficiários de regularização pelo INCRA e órgãos fundiários estaduais), mantendo inabaláveis e ocultos os grandes operadores e financiadores dos ilícitos ambientais, verdadeiros “donos do negócio”, organizações frequentemente associadas a crimes econômicos, consoante deixou patente substancioso diagnóstico do Ministério da Justiça por intermédio da Estratégia Nacional contra a Corrupção (ver especialmente ENCLLA, produto da Ação 10 de 2023).

No campo da leniência, não há mais perniciosa omissão do Estado que a falta de controle sobre as emissões de gases de efeito estufa pelos agentes econômicos, a despeito de não nos faltar comando jurídico-constitucional para impor tal medida regulatória.

Ora, a Constituição (art. 225) proclama o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, sadio e seguro para as presentes e futuras gerações. Em vista do dever constitucional de garantir segurança à população em face dos eventos extremos que se intensificam, igualmente vigora o dever de evitar e limitar as emissões. Cumpre ao Estado estatuir regime obrigatório de transição para economia sustentável de baixo carbono, com metas de curto prazo, sem condescender com o crescimento do passivo que os grandes emissores de carbono produzem nesse intervalo. Já passamos da época em que se admitia, juridicamente, como meio bastante de proteção, a atuação tímida por meio de políticas de incentivo de adesão voluntária.

Significa que, por um lado, cumpre ao Estado exigir dos poluidores (por atividade ilícita tais como desmatamento e queimada), como parte da indenização, o equivalente aos impactos climáticos que das emissões resultantes do fato lesivo resultam, de modo a compensar os custos que a sociedade e o Estado terão no enfrentamento dos desastres que se alastram e na adaptação e resiliência das cidades.

Por outro lado, com base na Constituição, urge demandar, no bojo do licenciamento e estudo prévio de impacto ambiental, dos grandes empreendimentos emissores, o inventário de carbono, o estudo de impacto climático e as correspondentes medidas de mitigação e compensação pelas emissões, porque não há direito de poluir e piorar a crise por novas emissões cujos efeitos sinérgico e cumulativo vão fazer “extravasar o copo cheio” de nossa combalida e saturada atmosfera.

Não é legítimo transferir à sociedade a conta de tantas catástrofes! Ora, os vetustos padrões de emissão de poluentes por fonte individual, que antes da crise climática vigoravam com base na lei da política nacional do meio ambiente, transitaram claramente para a inconstitucionalidade por processo de mutação. Seria rematado absurdo neste caos climático admitir que os grandes geradores lancem, livremente, na atmosfera, toneladas de carbono, em nome de um padrão para chaminés.

Por exemplo, não se pode mais tolerar usinas termelétricas, em vários estados, inclusive no Amazonas, lançando importante e crescente patamar de emissões (consoante estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente) sem contrapartidas no sentido do carbono net zero.

É imprescindível, igualmente, em respeito a nossa Constituição, pôr um basta nas ações estatais incoerentes e que fazem da Administração Pública mais um vilão climático. Planos de logística sustentável (e contratações sustentáveis) no sentido de exemplificar, nas operações internas, a rota de transição verde, são urgentes nos órgãos e entes públicos.

Por outro lado, essa cobrança pela redução das emissões há de fazer o Brasil protagonista de litigância climática em âmbito internacional. Não basta cobrar a indústria nacional. Há de se cobrar as transnacionais sediadas alhures e os Países mais poluidores, a fim de que sejam obrigados pelos tribunais a fortalecerem suas metas de redução de emissões em busca de agilizar a transição justa para a economia de baixo carbono. O Brasil não é o maior poluidor mundial, mas pode se tornar a primeira vítima continental da crise da mudança do clima. Por isso, temos toda a legitimidade para tanto.

Não podemos perecer à espera indefinida de soluções pela via diplomática, a ONU e suas infindáveis COP, pois é questão inadiável de vida ou morte. Quem quer o Brasil inabitável e inviável social e economicamente no curto prazo?

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

Calor intenso, seca extrema, baixa umidade, megaqueimadas sincronizadas e muita fumaça tóxica de difícil dispersão. Assim padece a Amazônia, dentre outros biomas, fundamentais ao clima, às águas, à economia e à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Em meio a esse quadro de estiagem severa, exasperado por crimes ambientais, os meteorologistas não tem certeza de mais nada, nem mesmo sobre o modelo ENOS e a chegada de La Niña. As plumas de fumaças tóxicas encobriram, nos últimos dias, cerca de 60% do território nacional, pondo em perigo a saúde pública. O Brasil parece se tornar o mais contundente alvo das mudanças do clima e a Amazônia, sua mais preciosa vítima.

Assim sendo, o que falta para reversão desse quadro ameaçador que é digno da mais grave qualificação?

O preclaro Ministro Herman Benjamin bem resumiu a resposta em recente entrevista à Veja: falta-nos superar a leniência do Estado.

Pondo de lado a ganância e o negacionismo de certas alas das elites econômica e política, é isso mesmo; o nó a desatar é a tibieza da atuação estatal.

Falta repressão eficiente aos ilícitos, mormente contra desmatamentos e queimadas ilegais; falha essa que induz a crença de impunidade e inviabiliza qualquer efeito dissuasório ou preventivo das infrações. Ademais, não adianta agir sem a habilidade de eliminar efetivamente as práticas nocivas e promover restauração, notadamente por insuficiência de investimentos em inteligência, prevenção e estruturação de arranjos de governança territorial e de desenvolvimento sustentável.

Pouco vale autuar somente laranjas, que figuram propositalmente como boi de piranha nos cadastros e registros de imóvel (como detentores, possuidores ou até como proprietários beneficiários de regularização pelo INCRA e órgãos fundiários estaduais), mantendo inabaláveis e ocultos os grandes operadores e financiadores dos ilícitos ambientais, verdadeiros “donos do negócio”, organizações frequentemente associadas a crimes econômicos, consoante deixou patente substancioso diagnóstico do Ministério da Justiça por intermédio da Estratégia Nacional contra a Corrupção (ver especialmente ENCLLA, produto da Ação 10 de 2023).

No campo da leniência, não há mais perniciosa omissão do Estado que a falta de controle sobre as emissões de gases de efeito estufa pelos agentes econômicos, a despeito de não nos faltar comando jurídico-constitucional para impor tal medida regulatória.

Ora, a Constituição (art. 225) proclama o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, sadio e seguro para as presentes e futuras gerações. Em vista do dever constitucional de garantir segurança à população em face dos eventos extremos que se intensificam, igualmente vigora o dever de evitar e limitar as emissões. Cumpre ao Estado estatuir regime obrigatório de transição para economia sustentável de baixo carbono, com metas de curto prazo, sem condescender com o crescimento do passivo que os grandes emissores de carbono produzem nesse intervalo. Já passamos da época em que se admitia, juridicamente, como meio bastante de proteção, a atuação tímida por meio de políticas de incentivo de adesão voluntária.

Significa que, por um lado, cumpre ao Estado exigir dos poluidores (por atividade ilícita tais como desmatamento e queimada), como parte da indenização, o equivalente aos impactos climáticos que das emissões resultantes do fato lesivo resultam, de modo a compensar os custos que a sociedade e o Estado terão no enfrentamento dos desastres que se alastram e na adaptação e resiliência das cidades.

Por outro lado, com base na Constituição, urge demandar, no bojo do licenciamento e estudo prévio de impacto ambiental, dos grandes empreendimentos emissores, o inventário de carbono, o estudo de impacto climático e as correspondentes medidas de mitigação e compensação pelas emissões, porque não há direito de poluir e piorar a crise por novas emissões cujos efeitos sinérgico e cumulativo vão fazer “extravasar o copo cheio” de nossa combalida e saturada atmosfera.

Não é legítimo transferir à sociedade a conta de tantas catástrofes! Ora, os vetustos padrões de emissão de poluentes por fonte individual, que antes da crise climática vigoravam com base na lei da política nacional do meio ambiente, transitaram claramente para a inconstitucionalidade por processo de mutação. Seria rematado absurdo neste caos climático admitir que os grandes geradores lancem, livremente, na atmosfera, toneladas de carbono, em nome de um padrão para chaminés.

Por exemplo, não se pode mais tolerar usinas termelétricas, em vários estados, inclusive no Amazonas, lançando importante e crescente patamar de emissões (consoante estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente) sem contrapartidas no sentido do carbono net zero.

É imprescindível, igualmente, em respeito a nossa Constituição, pôr um basta nas ações estatais incoerentes e que fazem da Administração Pública mais um vilão climático. Planos de logística sustentável (e contratações sustentáveis) no sentido de exemplificar, nas operações internas, a rota de transição verde, são urgentes nos órgãos e entes públicos.

Por outro lado, essa cobrança pela redução das emissões há de fazer o Brasil protagonista de litigância climática em âmbito internacional. Não basta cobrar a indústria nacional. Há de se cobrar as transnacionais sediadas alhures e os Países mais poluidores, a fim de que sejam obrigados pelos tribunais a fortalecerem suas metas de redução de emissões em busca de agilizar a transição justa para a economia de baixo carbono. O Brasil não é o maior poluidor mundial, mas pode se tornar a primeira vítima continental da crise da mudança do clima. Por isso, temos toda a legitimidade para tanto.

Não podemos perecer à espera indefinida de soluções pela via diplomática, a ONU e suas infindáveis COP, pois é questão inadiável de vida ou morte. Quem quer o Brasil inabitável e inviável social e economicamente no curto prazo?

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

Calor intenso, seca extrema, baixa umidade, megaqueimadas sincronizadas e muita fumaça tóxica de difícil dispersão. Assim padece a Amazônia, dentre outros biomas, fundamentais ao clima, às águas, à economia e à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Em meio a esse quadro de estiagem severa, exasperado por crimes ambientais, os meteorologistas não tem certeza de mais nada, nem mesmo sobre o modelo ENOS e a chegada de La Niña. As plumas de fumaças tóxicas encobriram, nos últimos dias, cerca de 60% do território nacional, pondo em perigo a saúde pública. O Brasil parece se tornar o mais contundente alvo das mudanças do clima e a Amazônia, sua mais preciosa vítima.

Assim sendo, o que falta para reversão desse quadro ameaçador que é digno da mais grave qualificação?

O preclaro Ministro Herman Benjamin bem resumiu a resposta em recente entrevista à Veja: falta-nos superar a leniência do Estado.

Pondo de lado a ganância e o negacionismo de certas alas das elites econômica e política, é isso mesmo; o nó a desatar é a tibieza da atuação estatal.

Falta repressão eficiente aos ilícitos, mormente contra desmatamentos e queimadas ilegais; falha essa que induz a crença de impunidade e inviabiliza qualquer efeito dissuasório ou preventivo das infrações. Ademais, não adianta agir sem a habilidade de eliminar efetivamente as práticas nocivas e promover restauração, notadamente por insuficiência de investimentos em inteligência, prevenção e estruturação de arranjos de governança territorial e de desenvolvimento sustentável.

Pouco vale autuar somente laranjas, que figuram propositalmente como boi de piranha nos cadastros e registros de imóvel (como detentores, possuidores ou até como proprietários beneficiários de regularização pelo INCRA e órgãos fundiários estaduais), mantendo inabaláveis e ocultos os grandes operadores e financiadores dos ilícitos ambientais, verdadeiros “donos do negócio”, organizações frequentemente associadas a crimes econômicos, consoante deixou patente substancioso diagnóstico do Ministério da Justiça por intermédio da Estratégia Nacional contra a Corrupção (ver especialmente ENCLLA, produto da Ação 10 de 2023).

No campo da leniência, não há mais perniciosa omissão do Estado que a falta de controle sobre as emissões de gases de efeito estufa pelos agentes econômicos, a despeito de não nos faltar comando jurídico-constitucional para impor tal medida regulatória.

Ora, a Constituição (art. 225) proclama o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, sadio e seguro para as presentes e futuras gerações. Em vista do dever constitucional de garantir segurança à população em face dos eventos extremos que se intensificam, igualmente vigora o dever de evitar e limitar as emissões. Cumpre ao Estado estatuir regime obrigatório de transição para economia sustentável de baixo carbono, com metas de curto prazo, sem condescender com o crescimento do passivo que os grandes emissores de carbono produzem nesse intervalo. Já passamos da época em que se admitia, juridicamente, como meio bastante de proteção, a atuação tímida por meio de políticas de incentivo de adesão voluntária.

Significa que, por um lado, cumpre ao Estado exigir dos poluidores (por atividade ilícita tais como desmatamento e queimada), como parte da indenização, o equivalente aos impactos climáticos que das emissões resultantes do fato lesivo resultam, de modo a compensar os custos que a sociedade e o Estado terão no enfrentamento dos desastres que se alastram e na adaptação e resiliência das cidades.

Por outro lado, com base na Constituição, urge demandar, no bojo do licenciamento e estudo prévio de impacto ambiental, dos grandes empreendimentos emissores, o inventário de carbono, o estudo de impacto climático e as correspondentes medidas de mitigação e compensação pelas emissões, porque não há direito de poluir e piorar a crise por novas emissões cujos efeitos sinérgico e cumulativo vão fazer “extravasar o copo cheio” de nossa combalida e saturada atmosfera.

Não é legítimo transferir à sociedade a conta de tantas catástrofes! Ora, os vetustos padrões de emissão de poluentes por fonte individual, que antes da crise climática vigoravam com base na lei da política nacional do meio ambiente, transitaram claramente para a inconstitucionalidade por processo de mutação. Seria rematado absurdo neste caos climático admitir que os grandes geradores lancem, livremente, na atmosfera, toneladas de carbono, em nome de um padrão para chaminés.

Por exemplo, não se pode mais tolerar usinas termelétricas, em vários estados, inclusive no Amazonas, lançando importante e crescente patamar de emissões (consoante estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente) sem contrapartidas no sentido do carbono net zero.

É imprescindível, igualmente, em respeito a nossa Constituição, pôr um basta nas ações estatais incoerentes e que fazem da Administração Pública mais um vilão climático. Planos de logística sustentável (e contratações sustentáveis) no sentido de exemplificar, nas operações internas, a rota de transição verde, são urgentes nos órgãos e entes públicos.

Por outro lado, essa cobrança pela redução das emissões há de fazer o Brasil protagonista de litigância climática em âmbito internacional. Não basta cobrar a indústria nacional. Há de se cobrar as transnacionais sediadas alhures e os Países mais poluidores, a fim de que sejam obrigados pelos tribunais a fortalecerem suas metas de redução de emissões em busca de agilizar a transição justa para a economia de baixo carbono. O Brasil não é o maior poluidor mundial, mas pode se tornar a primeira vítima continental da crise da mudança do clima. Por isso, temos toda a legitimidade para tanto.

Não podemos perecer à espera indefinida de soluções pela via diplomática, a ONU e suas infindáveis COP, pois é questão inadiável de vida ou morte. Quem quer o Brasil inabitável e inviável social e economicamente no curto prazo?

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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