Alvo principal da investigação sobre fraudes de R$ 25,3 bilhões na Americanas, o ex-CEO Miguel Gutierrez montou um “engenhoso esquema” para blindar seu patrimônio ante à iminência de que o “escândalo” da varejista “iria explodir”, segundo a Polícia Federal e a Procuradoria da República. A defesa afirma que o executivo “não participou de qualquer fraude”.
Os investigadores encontraram um arquivo do ex-CEO com lançamentos realizados ainda em novembro de 2022, dias antes de deixar o cargo na rede. Na ocasião, Gutierrez “estabeleceu o ‘desafio’” de proteger bens e valores supostamente amealhados em meio às fraudes que somaram R$ 25,3 bilhões e transformaram a Americanas em caso de polícia.
A PF e a Procuradoria anotam que o documento revela a estratégia de Gutierrez para isolar patrimônio supostamente ilícito via remessas de dinheiro em grandes somas a offshores sediadas em paraísos fiscais, O documento fala em “dissociar qq ligação formal MSG” - “dissociar qualquer ligação formal entre Miguel Sarmiento Gutierrez e seu patrimônio”.
O arquivo de Miguel Gutierrez, que inclui anotações de punho próprio, foi copiado pelos investigadores da Operação Disclosure - ofensiva aberta no último dia 27 no rastro de ex-executivos da Americanas que teriam engendrado as fraudes.
Anotações sobre o 'plano' de Gutierrez para ocultar patrimônio
Como mostrou o Estadão, alguns manuscritos reforçam as suspeitas da PF de que Gutierrez sabia das fraudes, embora ele tenha afirmado aos investigadores que não tinha conhecimento do esquema sob suspeita, versão reiterada por seus advogados.
Segundo a PF, o arquivo do ex-CEO mostra que ele não apenas sabia das fraudes na Americanas como montou um “plano”, cujo objetivo de longo prazo seria a “reserva de valor” e a “sucessão”. A curto prazo, o objetivo seria “blindagem patrimonial”.
No rastro de movimentos de Gutierrez, que tem cidadania espanhola, a PF descobriu remessas de valores a empresas ligadas a ele e a seus familiares no exterior.
As operações foram registradas não só em manuscritos, mas também em e-mail que continha o comando de transferência de valores às offshores sediadas no exterior, seguindo os passos de suas próprias anotações.
A avaliação da PF é que as anotações “ilustram o esquema societário com remessas de valores, empréstimos e doações entre as empresas ligadas a Miguel e seus familiares”.
Segundo a investigação, a partir de 2022, o ex-CEO e seus familiares começaram a “orquestrar a reformulação de suas sociedades empresariais”, inclusive com a constituição de uma empresa localizada no paraíso de Nassau, nas Bahamas.
Ainda em 2022, Gutierrez iniciou uma “intensa movimentação patrimonial” de seus imóveis, indica a PF. Vários bens que estavam em seu nome e de sua família foram vendidos ou incorporados ao patrimônio de pessoas jurídicas.
Anotações de ex-CEO da Americanas sobre possíveis operações financeiras
Off-shore nas Bahamas e transações bancárias em Luxemburgo
Durante as investigações, a PF encontrou documentos relacionados a transações bancárias efetuadas em contas do Bradesco Europa, sediado em Luxemburgo. Há menção a transações de até US$ 7,5 milhões. Algumas das operações envolvem empresas administradas por Gutierrez no Brasil e companhia criada nas Bahamas, um paraíso fiscal.
A PF viu possibilidade de que Gutierrez estivesse “transferindo valores, bens móveis e imóveis para empresas vinculadas a seus familiares”, o que reforçou o pedido de prisão preventiva do ex-CEO. Pesaram no pedido:
- Anotações sobre a blindagem patrimonial;
- Movimentação imobiliária a partir de 2022;
- Bem de família que foi comprado por R$ 15 milhões e declarado com valor de R$ 9,9 milhões;
- Transferências bancárias operacionalizadas em Luxemburgo;
A prisão de Gutierrez foi decretada pela 10. Vara Criminal Federal do Rio. Ele foi preso em Madri pela Interpol, mas a Justiça espanhola revogou a medida impondo algumas restrições ao ex-CEO. No Brasil, continua valendo o decreto de preventiva.
“Resta demonstrado na presente informação que Miguel Gutierrez planejou e está executando seu “desafio”, visando uma possível blindagem patrimonial através de transferências de capitais, bens móveis e imóveis. É importante ressaltar que Miguel também aparenta desvincular suas empresas de si, transferindo as mesmas para familiares e/ou outras empresas sediadas no exterior”, alegou a PF.
O Ministério Público Federal concordou com o pedido da PF destacando a “clareza solar” de Gutierrez de “articular operação de lavagem de dinheiro para viabilizar a citada blindagem patrimonial”. O órgão viu “risco à persecução penal e à efetividade de futura decisão condenatória”.
“Estando ao menos parte do patrimônio adquirido vinculado aos fictícios lucros propiciados pela fraude contábil, é inexorável conectar sua aquisição com o proveito dos crimes praticados. Deste modo, para além dos delitos contra o mercado de capitais, apresenta-se, em tese, a prática de lavagem de dinheiro por parte de Miguel Gutierrez e familiares”, anotou a Procuradoria.
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COM A PALAVRA, A DEFESA DE GUTIERREZ
“A defesa nega veementemente a participação de Miguel Gutierrez em qualquer fraude ou prática de atos para ocultar seu patrimônio, que se encontra estruturado de forma absolutamente lícita e transparente. Todos os esclarecimentos têm sido prestados às autoridades, com quem Miguel segue cooperando, para apurar a verdade sobre o caso Americanas.”