O grande número de menções - 72 vezes - a José Dirceu na denúncia do caso do triplex do Guarujá, cuja propriedade a Operação Lava Jato atribuiu ao ex-presidente Lula, foi um dos principais argumentos que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, usou para derrubar as duas condenações do ex-ministro-chefe da Casa Civil - uma de 23 anos, outra de onze anos de prisão por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, ambas de autoria do ex-juiz federal Sérgio Moro.
Segundo o decano do STF, o fato do nome de Dirceu ter sido citado 72 vezes na denúncia contra Lula é um dos fatores que leva à conclusão de que teria havido parcialidade da finada operação também quanto a Zé Dirceu.
Para Gilmar, a denúncia contra o ex-ministro na Lava Jato, anterior às imputações a Lula, foi um ‘ensaio’ da acusação que seria oferecida contra o então ex-presidente.
O decano frisou que o ex-chefe da força-tarefa da Lava Jato, o ex-procurador Deltan Dallagnol, antecipou, em mensagem a Moro, detalhes da denúncia contra Lula se referindo especificamente a Zé Dirceu.
Gilmar considerou que tal contexto torna o caso do ex-ministro da Casa Civil ‘específico’ e ‘particular’, pavimentando o caminho para a anulação das condenações que somaram 34 anos de prisão.
Ao acolher o pedido de Dirceu, para estender ao ex-ministro a decisão que declarou a suspeição de Moro e anulou os processos de Lula na Lava Jato, Gilmar deu ênfase a indicativos de que juiz e procuradores ajustaram estratégias também para pegar Dirceu.
Para o decano, a condenação de Dirceu foi o alicerce da denúncia contra Lula.
“O pedido pelo requerente (Dirceu) justifica-se, então, nessas condições singulares, com base em elementos concretos que demonstram que a confraria formada pelo ex-juiz Sérgio Moro e os procuradores de Curitiba encarava a condenação de Dirceu como objetivo a ser alcançado para alicerçar as denúncias que, em seguida, seriam oferecidas contra Luiz Inácio Lula da Silva”, anotou o decano.
A decisão de Gilmar atendeu a um pedido da defesa de Dirceu, a cargo do criminalista Roberto Podval, contrariando parecer da Procuradoria-Geral da República.
Para rebater os argumentos de Gonet, Gilmar usou as 72 citações a Dirceu na denúncia que atribuía a Lula a propriedade do triplex do Guarujá, famoso apartamento no que recebeu obras de melhorias da OAS. Segundo o ministro do STF, as sucessivas menções ao apartamento do Guarujá revelam que, na visão da força-tarefa da Lava Jato - então no auge da popularidade -, a conduta de Lula e do ex-ministro ‘estava imbricada a tal ponto que eles seriam não só coautores dos supostos delitos, como também teriam dirigido os eventos narrados na causa’.
“É o próprio MPF, portanto, que reconhece a intrínseca relação das condutas atribuídas ao ex-ministro-chefe da Casa Civil e ao atual presidente, a exigir que as ações contra eles oferecidas tenham um mesmo desfecho”, ponderou Gilmar.
O ministro do Supremo anotou. “Foi o próprio MPF que afirmou que os réus agiram em concurso de agentes e que as condutas a eles atribuídas são inseparáveis, a ponto de justificar a abertura de um tópico específico na denúncia do triplex do Guarujá para narrar os elos pessoais, profissionais e políticos que unem o requerente ao presidente da República.”
Essa argumentação de Gilmar rebateu a indicação do procurador-geral da República de que o pedido de Dirceu não atenderia a requisitos específicos e para que fosse acolhido pelo STF.
Paulo Gonet observou que Lula e Dirceu não eram corréus - ou seja, processados no mesmo caso - o que inviabilizaria a extensão, em favor do ex-ministro, da decisão que beneficiou o presidente.
Gilmar também respondeu ao apontamento do procurador de que a decisão que beneficiou Lula era fundada em ‘motivos de caráter exclusivamente pessoal’ e também por isso ela não poderia ser estendida a Dirceu.
Para o decano, as mensagens hackeadas dos protagonistas da Lava Jato e a estrutura das denúncias contra Lula e Dirceu mostram que os mesmos elementos que levaram o Supremo a reconhecer a suspeição de Moro nos processos contra o presidente também estão presentes no caso do ex-chefe da Casa Civil.
“Diante do conjunto de indícios de suspeição é certo que a mesma falta de isenção que havia em relação ao primeiro réu (Lula) também impediu que José Dirceu tivesse direito a um julgamento justo e imparcial”, assinalou Gilmar em sua decisão.