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Supremo derruba orçamento secreto, se alinha a Lula e reduz poder de Lira


Corte, por 6 votos a 5, considera inconstitucional prática que fortalecia o presidente da Câmara na barganha com o Executivo; líderes veem ação coordenada com futuro governo

Por Weslley Galzo, Vera Rosa e Pepita Ortega

Atualizada às 21h45*

Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou nesta segunda-feira, 19, inconstitucional o orçamento secreto, prática revelada pelo Estadão em uma série de reportagens, desde maio de 2021. O modelo que contemplava a distribuição de emendas parlamentares para redutos eleitorais de deputados e senadores aliados ao presidente Jair Bolsonaro se tornou, nos últimos anos, o símbolo da barganha entre o governo e o Congresso.

O veredicto final dos ministros do STF foi visto por líderes do Centrão como uma ação coordenada entre a Corte e o futuro governo para favorecer o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e tirar a força do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

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A constatação veio na esteira de uma liminar (decisão provisória) concedida anteontem à noite por Gilmar Mendes, menos de 24 horas antes do julgamento. Ao atender à solicitação da Rede - partido aliado de Lula -, o ministro do STF decidiu que o dinheiro necessário para bancar o Bolsa Família deve ficar fora da regra fiscal do teto de gastos. Com isso, ele criou uma vacina contra o possível troco de Lira na direção de Lula quando a Câmara for votar, nesta terça-feira, 20, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição.

A PEC concede ao governo uma licença para aumentar o teto de gastos por dois anos e usar R$ 168 bilhões para pagar o Bolsa Família de R$ 600 e o aumento real do salário mínimo. Agora, caso o Centrão tente diminuir esse valor e o prazo de validade da PEC para um ano, Lula pode lançar mão do Plano B do crédito extraordinário autorizado por Gilmar.

Desde a semana passada, Lira já vinha dizendo que não havia os 308 votos necessários para aprovar a PEC. "Eu não sou pai de santo nem João de Deus", afirmou a líderes de partidos. Na ocasião, o deputado observou que, a exemplo de um médico, precisava de "instrumentos" para garantir votos ao governo Lula. Petistas interpretaram a frase como uma "chantagem" para obter cargos em ministérios, como Minas e Energia e Saúde. "Não faço chantagem", rebateu ele.

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Supremo Tribunal Federal deve encerrar nesta segunda julgamento sobre orçamento secreto. Foto: Dida Sampaio/Estadão

INTERFERÊNCIA. Em conversas reservadas, na tarde desta segunda o presidente da Câmara disse ter visto interferência de Lula no voto do ministro Ricardo Lewandowski. À noite, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi ao encontro de Lira para evitar a implosão da PEC.

"O recurso vai continuar no orçamento e vai ser destinado pelos próprios parlamentares", disse Haddad. "Precisamos, neste momento, que o Congresso compreenda que aquilo que foi contratado com a sociedade tem de ser pago. Não me parece que na Câmara haja razões para (a votação) ser muito mais difícil que no Senado", completou. Lira pretende agora abrigar o orçamento secreto nas emendas de comissão.

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Próximo de Lula, Lewandowski era tido como fiel da balança no julgamento, que havia sido interrompido a seu pedido, na quinta-feira, quando o placar estava em cinco a quatro. Ontem, só ele e Gilmar ainda precisavam votar.

"Apesar dos esforços, o Congresso não conseguiu se adequar às exigências da Suprema Corte", disse Lewandowski, ao acompanhar o voto de Rosa Weber. Na semana passada, Rosa definiu o orçamento secreto como um dispositivo "à margem da legalidade". Além disso, ela cobrou os nomes dos parlamentares que enviaram quantias milionárias a redutos eleitorais e também dos beneficiados, além de critérios para a distribuição de recursos.

O Supremo deu 90 dias para a publicação de dados relacionados a obras e compras feitas com o dinheiro, de 2020 até este ano. Votaram pela derrubada do orçamento secreto, além de Rosa e Lewandowski, os ministros Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar se posicionaram pela manutenção do mecanismo, desde que adotados critérios mais transparentes na distribuição dos recursos das emendas parlamentares. Os três últimos magistrados, porém, assinalaram a necessidade de transparência no envio dos recursos.

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PRESSA. O Centrão foi surpreendido com o desfecho do julgamento do STF porque, na sexta-feira, Lewandowski havia dito, em reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que as mudanças feitas pelo Congresso em um projeto de resolução para "disciplinar" a distribuição de emendas seriam consideradas na Corte.

Naquele dia, uma sessão do Congresso aprovou um texto às pressas, definindo critérios para repasses de emendas, na tentativa de mostrar uma solução aos ministros. A alteração, porém, foi considerada insatisfatória porque manteve a captura do dinheiro com as cúpulas da Câmara e do Senado.

EFEITOS. Com a decisão, ficam vedados o uso das emendas do orçamento secreto para 'atender solicitações de despesas e indicações de beneficiários realizadas por deputados, senadores, relatores da Comissão Mista de Orçamento e quaisquer usuários externos não vinculados a órgãos da administração pública federal'.

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Os ministros de Estado que chefiam pastas beneficiadas com recursos do orçamento secreto vão ser os responsáveis por orientar a execução dos repasses pendentes conforme os programas e projetos das respectivas áreas, 'afastando o caráter vinculante das indicações formuladas pelo relator-geral do orçamento'.

Além disso, o Supremo determinou que todos os órgãos responsáveis por empenhos, liquidação e pagamentos ligados a recursos do orçamento secreto entre 2020 e 2022 terão 90 dias para publicar os dados referentes aos serviços, obras e compras realizadas com os respectivos recursos, indicando os solicitadores e beneficiários das verbas, de modo 'acessível, claro e fidedigno'.

Os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes são os únicos que ainda não votaram. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
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VOTOSO ministro Ricardo Lewandowski deu voto decisivo ao acompanhar o entendimento da relatora Rosa Weber pela derrubada do orçamento secreto. 

"Ainda que reconheça os avanços da resolução aprovada pelo Congresso, sobretudo por atender a algumas preocupações ventiladas no curso deste julgamento, quanto a maior transparência, proporcionalidade e generalidade na alocação das emendas do relator geral, entendo que os vícios apontados nas iniciais das ações sob julgamento continuam persistindo, pois a sistemática ainda vigente para distribuição das verbas orçamentárias afrontam as normas constitucionais que regem a matéria, colidindo em especial com o princípio republicano, o qual encontra expressão nos postulados da isonomia, legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência que regem a administração pública", ressaltou.

Lewandowski disse que a resolução aprovada às pressas pelo Congresso, na tentativa de ampliar a transparência do orçamento secreto, segue sem permitir o rastreamento do destino das emendas e continua a impedir a identificação dos nomes dos parlamentares responsáveis pela indicação dos recursos. Segundo o ministro, é necessário que haja transparência ativa, com publicidade dos requerentes e destinatários das emendas, de modo a 'extirpar' qualquer tipo de sigilo.

O magistrado pontuou que a tentativa do Congresso de distribuir as emendas secretas proporcionalmente entre os líderes dos partidos, por meio da nova resolução, mantém a desigualdade entre os parlamentares, assim como a chance de aliados das lideranças serem privilegiados 'sem seguir critérios claros e transparentes, abrindo espaço para barganhas políticas'. 

Também fez críticas específicas à nova normativa do Congresso, como o aval para que os presidentes do Senado e da Câmara possam indicar 5% das emendas de relator. Segundo Lewandowski, a porcentagem representa um valor 'extraordinário'. "A nova regulamentação, apesar de constituir um progresso, não resolve vícios de constitucionalidade", afirmou.

Na avaliação do ministro, as emendas do relator 'subvertem a lógica do sistema de repartição de recursos orçamentários porque retiram do chefe do Executivo a necessária discricionariedade da alocação das verbas, em prejuízo da governabilidade, e em afronta ao mecanismos de freios e contrapesos que forma a separação dos poderes. "Não é possível deixar o presidente do Executivo completamente alheio ao processo de orçamentação", registrou.

Já o ministro Gilmar Mendes, último a votar nesta segunda-feira, 19,se alinhou à ala do STF favorável a ampliar a transparência do orçamento secreto. O ministro recomendou que, em até 90 dias, fossem identificados os solicitadores e beneficiários dos repasses em plataforma centralizada com as justificativas dos pedidos. Gilmar ainda cobrou dos ministérios do governo a apresentação de justificativa para a liberação dos recursos.

A presidente do STF, ministra Rosa Weber, definiu a prática como um dispositivo 'à margem da legalidade', 'envergonhado de si mesmo', que impõe 'um verdadeiro regime de exceção ao Orçamento da União'. Com esse argumento, Rosa afirmou que o mecanismo deveria ser considerado inconstitucional.

Ao acompanhar a relatora, Fachin destacou que 'não há transparência quando não se explicita os critérios objetivos da eleição de prioridade'. Já Barroso ressaltou que o esquema montado pelo governo Jair Bolsonaro gerou 'desiquilíbrio imenso à separação de poderes'.

O ministro Luiz Fux chegou a dizer que é possível sintetizar o voto com uma única frase: "Com dinheiro publico o segredo não é a alma do negócio". Cármen Lúcia chegou a afirmar que o Brasil é uma república e 'não uma entidade estatal com o nome segredo'. "As coisas do estado do povo tem que ser de conhecimento do povo", ressaltou.

Na ala favorável à manutenção do orçamento secreto houve diferentes gradações sobre o nível de transparência que deveria ser adotado. Os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques, por exemplo, não viram conflito entre o dispositivo e a Constituição. Exigiram apenas que os recursos fossem divididos de forma isonômica entre os parlamentares, com a divulgação dos nomes dos padrinhos das emendas.

O ministro Dias Toffoli, por sua vez, cobrou divisão proporcional das verbas e alinhamento às prioridades do governo. Segundo seu voto, as emendas deveriam ser alocadas somente seguindo uma relação de programas estratégicos e projetos prioritários - lista a ser definida pelo Executivo. Além disso, para Toffoli, deve haver um limite de valores repassados a cada município e os pagamentos devem ter um 'papel integrante no planejamento nacional'.

Já Alexandre de Moraes defendeu a adoção de uma solução 'intermediária', que equiparasse as emendas utilizadas no orçamento secreto àquelas individuais, o que, na prática, esvaziaria o poder de seus operadores sobre a distribuição dos recursos. O magistrado propôs que o Congresso tenha de publicizar os destinos e objetivos das emendas. Além disso, quer que os valores sejam distribuídos entre os parlamentares seguindo regras de proporcionalidade.

COLABORARAM ANDRÉ BORGES E VINÍCIUS VALFRÉ

Atualizada às 21h45*

Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou nesta segunda-feira, 19, inconstitucional o orçamento secreto, prática revelada pelo Estadão em uma série de reportagens, desde maio de 2021. O modelo que contemplava a distribuição de emendas parlamentares para redutos eleitorais de deputados e senadores aliados ao presidente Jair Bolsonaro se tornou, nos últimos anos, o símbolo da barganha entre o governo e o Congresso.

O veredicto final dos ministros do STF foi visto por líderes do Centrão como uma ação coordenada entre a Corte e o futuro governo para favorecer o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e tirar a força do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

A constatação veio na esteira de uma liminar (decisão provisória) concedida anteontem à noite por Gilmar Mendes, menos de 24 horas antes do julgamento. Ao atender à solicitação da Rede - partido aliado de Lula -, o ministro do STF decidiu que o dinheiro necessário para bancar o Bolsa Família deve ficar fora da regra fiscal do teto de gastos. Com isso, ele criou uma vacina contra o possível troco de Lira na direção de Lula quando a Câmara for votar, nesta terça-feira, 20, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição.

A PEC concede ao governo uma licença para aumentar o teto de gastos por dois anos e usar R$ 168 bilhões para pagar o Bolsa Família de R$ 600 e o aumento real do salário mínimo. Agora, caso o Centrão tente diminuir esse valor e o prazo de validade da PEC para um ano, Lula pode lançar mão do Plano B do crédito extraordinário autorizado por Gilmar.

Desde a semana passada, Lira já vinha dizendo que não havia os 308 votos necessários para aprovar a PEC. "Eu não sou pai de santo nem João de Deus", afirmou a líderes de partidos. Na ocasião, o deputado observou que, a exemplo de um médico, precisava de "instrumentos" para garantir votos ao governo Lula. Petistas interpretaram a frase como uma "chantagem" para obter cargos em ministérios, como Minas e Energia e Saúde. "Não faço chantagem", rebateu ele.

Supremo Tribunal Federal deve encerrar nesta segunda julgamento sobre orçamento secreto. Foto: Dida Sampaio/Estadão

INTERFERÊNCIA. Em conversas reservadas, na tarde desta segunda o presidente da Câmara disse ter visto interferência de Lula no voto do ministro Ricardo Lewandowski. À noite, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi ao encontro de Lira para evitar a implosão da PEC.

"O recurso vai continuar no orçamento e vai ser destinado pelos próprios parlamentares", disse Haddad. "Precisamos, neste momento, que o Congresso compreenda que aquilo que foi contratado com a sociedade tem de ser pago. Não me parece que na Câmara haja razões para (a votação) ser muito mais difícil que no Senado", completou. Lira pretende agora abrigar o orçamento secreto nas emendas de comissão.

Próximo de Lula, Lewandowski era tido como fiel da balança no julgamento, que havia sido interrompido a seu pedido, na quinta-feira, quando o placar estava em cinco a quatro. Ontem, só ele e Gilmar ainda precisavam votar.

"Apesar dos esforços, o Congresso não conseguiu se adequar às exigências da Suprema Corte", disse Lewandowski, ao acompanhar o voto de Rosa Weber. Na semana passada, Rosa definiu o orçamento secreto como um dispositivo "à margem da legalidade". Além disso, ela cobrou os nomes dos parlamentares que enviaram quantias milionárias a redutos eleitorais e também dos beneficiados, além de critérios para a distribuição de recursos.

O Supremo deu 90 dias para a publicação de dados relacionados a obras e compras feitas com o dinheiro, de 2020 até este ano. Votaram pela derrubada do orçamento secreto, além de Rosa e Lewandowski, os ministros Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar se posicionaram pela manutenção do mecanismo, desde que adotados critérios mais transparentes na distribuição dos recursos das emendas parlamentares. Os três últimos magistrados, porém, assinalaram a necessidade de transparência no envio dos recursos.

PRESSA. O Centrão foi surpreendido com o desfecho do julgamento do STF porque, na sexta-feira, Lewandowski havia dito, em reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que as mudanças feitas pelo Congresso em um projeto de resolução para "disciplinar" a distribuição de emendas seriam consideradas na Corte.

Naquele dia, uma sessão do Congresso aprovou um texto às pressas, definindo critérios para repasses de emendas, na tentativa de mostrar uma solução aos ministros. A alteração, porém, foi considerada insatisfatória porque manteve a captura do dinheiro com as cúpulas da Câmara e do Senado.

EFEITOS. Com a decisão, ficam vedados o uso das emendas do orçamento secreto para 'atender solicitações de despesas e indicações de beneficiários realizadas por deputados, senadores, relatores da Comissão Mista de Orçamento e quaisquer usuários externos não vinculados a órgãos da administração pública federal'.

Os ministros de Estado que chefiam pastas beneficiadas com recursos do orçamento secreto vão ser os responsáveis por orientar a execução dos repasses pendentes conforme os programas e projetos das respectivas áreas, 'afastando o caráter vinculante das indicações formuladas pelo relator-geral do orçamento'.

Além disso, o Supremo determinou que todos os órgãos responsáveis por empenhos, liquidação e pagamentos ligados a recursos do orçamento secreto entre 2020 e 2022 terão 90 dias para publicar os dados referentes aos serviços, obras e compras realizadas com os respectivos recursos, indicando os solicitadores e beneficiários das verbas, de modo 'acessível, claro e fidedigno'.

Os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes são os únicos que ainda não votaram. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

VOTOSO ministro Ricardo Lewandowski deu voto decisivo ao acompanhar o entendimento da relatora Rosa Weber pela derrubada do orçamento secreto. 

"Ainda que reconheça os avanços da resolução aprovada pelo Congresso, sobretudo por atender a algumas preocupações ventiladas no curso deste julgamento, quanto a maior transparência, proporcionalidade e generalidade na alocação das emendas do relator geral, entendo que os vícios apontados nas iniciais das ações sob julgamento continuam persistindo, pois a sistemática ainda vigente para distribuição das verbas orçamentárias afrontam as normas constitucionais que regem a matéria, colidindo em especial com o princípio republicano, o qual encontra expressão nos postulados da isonomia, legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência que regem a administração pública", ressaltou.

Lewandowski disse que a resolução aprovada às pressas pelo Congresso, na tentativa de ampliar a transparência do orçamento secreto, segue sem permitir o rastreamento do destino das emendas e continua a impedir a identificação dos nomes dos parlamentares responsáveis pela indicação dos recursos. Segundo o ministro, é necessário que haja transparência ativa, com publicidade dos requerentes e destinatários das emendas, de modo a 'extirpar' qualquer tipo de sigilo.

O magistrado pontuou que a tentativa do Congresso de distribuir as emendas secretas proporcionalmente entre os líderes dos partidos, por meio da nova resolução, mantém a desigualdade entre os parlamentares, assim como a chance de aliados das lideranças serem privilegiados 'sem seguir critérios claros e transparentes, abrindo espaço para barganhas políticas'. 

Também fez críticas específicas à nova normativa do Congresso, como o aval para que os presidentes do Senado e da Câmara possam indicar 5% das emendas de relator. Segundo Lewandowski, a porcentagem representa um valor 'extraordinário'. "A nova regulamentação, apesar de constituir um progresso, não resolve vícios de constitucionalidade", afirmou.

Na avaliação do ministro, as emendas do relator 'subvertem a lógica do sistema de repartição de recursos orçamentários porque retiram do chefe do Executivo a necessária discricionariedade da alocação das verbas, em prejuízo da governabilidade, e em afronta ao mecanismos de freios e contrapesos que forma a separação dos poderes. "Não é possível deixar o presidente do Executivo completamente alheio ao processo de orçamentação", registrou.

Já o ministro Gilmar Mendes, último a votar nesta segunda-feira, 19,se alinhou à ala do STF favorável a ampliar a transparência do orçamento secreto. O ministro recomendou que, em até 90 dias, fossem identificados os solicitadores e beneficiários dos repasses em plataforma centralizada com as justificativas dos pedidos. Gilmar ainda cobrou dos ministérios do governo a apresentação de justificativa para a liberação dos recursos.

A presidente do STF, ministra Rosa Weber, definiu a prática como um dispositivo 'à margem da legalidade', 'envergonhado de si mesmo', que impõe 'um verdadeiro regime de exceção ao Orçamento da União'. Com esse argumento, Rosa afirmou que o mecanismo deveria ser considerado inconstitucional.

Ao acompanhar a relatora, Fachin destacou que 'não há transparência quando não se explicita os critérios objetivos da eleição de prioridade'. Já Barroso ressaltou que o esquema montado pelo governo Jair Bolsonaro gerou 'desiquilíbrio imenso à separação de poderes'.

O ministro Luiz Fux chegou a dizer que é possível sintetizar o voto com uma única frase: "Com dinheiro publico o segredo não é a alma do negócio". Cármen Lúcia chegou a afirmar que o Brasil é uma república e 'não uma entidade estatal com o nome segredo'. "As coisas do estado do povo tem que ser de conhecimento do povo", ressaltou.

Na ala favorável à manutenção do orçamento secreto houve diferentes gradações sobre o nível de transparência que deveria ser adotado. Os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques, por exemplo, não viram conflito entre o dispositivo e a Constituição. Exigiram apenas que os recursos fossem divididos de forma isonômica entre os parlamentares, com a divulgação dos nomes dos padrinhos das emendas.

O ministro Dias Toffoli, por sua vez, cobrou divisão proporcional das verbas e alinhamento às prioridades do governo. Segundo seu voto, as emendas deveriam ser alocadas somente seguindo uma relação de programas estratégicos e projetos prioritários - lista a ser definida pelo Executivo. Além disso, para Toffoli, deve haver um limite de valores repassados a cada município e os pagamentos devem ter um 'papel integrante no planejamento nacional'.

Já Alexandre de Moraes defendeu a adoção de uma solução 'intermediária', que equiparasse as emendas utilizadas no orçamento secreto àquelas individuais, o que, na prática, esvaziaria o poder de seus operadores sobre a distribuição dos recursos. O magistrado propôs que o Congresso tenha de publicizar os destinos e objetivos das emendas. Além disso, quer que os valores sejam distribuídos entre os parlamentares seguindo regras de proporcionalidade.

COLABORARAM ANDRÉ BORGES E VINÍCIUS VALFRÉ

Atualizada às 21h45*

Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou nesta segunda-feira, 19, inconstitucional o orçamento secreto, prática revelada pelo Estadão em uma série de reportagens, desde maio de 2021. O modelo que contemplava a distribuição de emendas parlamentares para redutos eleitorais de deputados e senadores aliados ao presidente Jair Bolsonaro se tornou, nos últimos anos, o símbolo da barganha entre o governo e o Congresso.

O veredicto final dos ministros do STF foi visto por líderes do Centrão como uma ação coordenada entre a Corte e o futuro governo para favorecer o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e tirar a força do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

A constatação veio na esteira de uma liminar (decisão provisória) concedida anteontem à noite por Gilmar Mendes, menos de 24 horas antes do julgamento. Ao atender à solicitação da Rede - partido aliado de Lula -, o ministro do STF decidiu que o dinheiro necessário para bancar o Bolsa Família deve ficar fora da regra fiscal do teto de gastos. Com isso, ele criou uma vacina contra o possível troco de Lira na direção de Lula quando a Câmara for votar, nesta terça-feira, 20, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição.

A PEC concede ao governo uma licença para aumentar o teto de gastos por dois anos e usar R$ 168 bilhões para pagar o Bolsa Família de R$ 600 e o aumento real do salário mínimo. Agora, caso o Centrão tente diminuir esse valor e o prazo de validade da PEC para um ano, Lula pode lançar mão do Plano B do crédito extraordinário autorizado por Gilmar.

Desde a semana passada, Lira já vinha dizendo que não havia os 308 votos necessários para aprovar a PEC. "Eu não sou pai de santo nem João de Deus", afirmou a líderes de partidos. Na ocasião, o deputado observou que, a exemplo de um médico, precisava de "instrumentos" para garantir votos ao governo Lula. Petistas interpretaram a frase como uma "chantagem" para obter cargos em ministérios, como Minas e Energia e Saúde. "Não faço chantagem", rebateu ele.

Supremo Tribunal Federal deve encerrar nesta segunda julgamento sobre orçamento secreto. Foto: Dida Sampaio/Estadão

INTERFERÊNCIA. Em conversas reservadas, na tarde desta segunda o presidente da Câmara disse ter visto interferência de Lula no voto do ministro Ricardo Lewandowski. À noite, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi ao encontro de Lira para evitar a implosão da PEC.

"O recurso vai continuar no orçamento e vai ser destinado pelos próprios parlamentares", disse Haddad. "Precisamos, neste momento, que o Congresso compreenda que aquilo que foi contratado com a sociedade tem de ser pago. Não me parece que na Câmara haja razões para (a votação) ser muito mais difícil que no Senado", completou. Lira pretende agora abrigar o orçamento secreto nas emendas de comissão.

Próximo de Lula, Lewandowski era tido como fiel da balança no julgamento, que havia sido interrompido a seu pedido, na quinta-feira, quando o placar estava em cinco a quatro. Ontem, só ele e Gilmar ainda precisavam votar.

"Apesar dos esforços, o Congresso não conseguiu se adequar às exigências da Suprema Corte", disse Lewandowski, ao acompanhar o voto de Rosa Weber. Na semana passada, Rosa definiu o orçamento secreto como um dispositivo "à margem da legalidade". Além disso, ela cobrou os nomes dos parlamentares que enviaram quantias milionárias a redutos eleitorais e também dos beneficiados, além de critérios para a distribuição de recursos.

O Supremo deu 90 dias para a publicação de dados relacionados a obras e compras feitas com o dinheiro, de 2020 até este ano. Votaram pela derrubada do orçamento secreto, além de Rosa e Lewandowski, os ministros Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar se posicionaram pela manutenção do mecanismo, desde que adotados critérios mais transparentes na distribuição dos recursos das emendas parlamentares. Os três últimos magistrados, porém, assinalaram a necessidade de transparência no envio dos recursos.

PRESSA. O Centrão foi surpreendido com o desfecho do julgamento do STF porque, na sexta-feira, Lewandowski havia dito, em reunião com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que as mudanças feitas pelo Congresso em um projeto de resolução para "disciplinar" a distribuição de emendas seriam consideradas na Corte.

Naquele dia, uma sessão do Congresso aprovou um texto às pressas, definindo critérios para repasses de emendas, na tentativa de mostrar uma solução aos ministros. A alteração, porém, foi considerada insatisfatória porque manteve a captura do dinheiro com as cúpulas da Câmara e do Senado.

EFEITOS. Com a decisão, ficam vedados o uso das emendas do orçamento secreto para 'atender solicitações de despesas e indicações de beneficiários realizadas por deputados, senadores, relatores da Comissão Mista de Orçamento e quaisquer usuários externos não vinculados a órgãos da administração pública federal'.

Os ministros de Estado que chefiam pastas beneficiadas com recursos do orçamento secreto vão ser os responsáveis por orientar a execução dos repasses pendentes conforme os programas e projetos das respectivas áreas, 'afastando o caráter vinculante das indicações formuladas pelo relator-geral do orçamento'.

Além disso, o Supremo determinou que todos os órgãos responsáveis por empenhos, liquidação e pagamentos ligados a recursos do orçamento secreto entre 2020 e 2022 terão 90 dias para publicar os dados referentes aos serviços, obras e compras realizadas com os respectivos recursos, indicando os solicitadores e beneficiários das verbas, de modo 'acessível, claro e fidedigno'.

Os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes são os únicos que ainda não votaram. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

VOTOSO ministro Ricardo Lewandowski deu voto decisivo ao acompanhar o entendimento da relatora Rosa Weber pela derrubada do orçamento secreto. 

"Ainda que reconheça os avanços da resolução aprovada pelo Congresso, sobretudo por atender a algumas preocupações ventiladas no curso deste julgamento, quanto a maior transparência, proporcionalidade e generalidade na alocação das emendas do relator geral, entendo que os vícios apontados nas iniciais das ações sob julgamento continuam persistindo, pois a sistemática ainda vigente para distribuição das verbas orçamentárias afrontam as normas constitucionais que regem a matéria, colidindo em especial com o princípio republicano, o qual encontra expressão nos postulados da isonomia, legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência que regem a administração pública", ressaltou.

Lewandowski disse que a resolução aprovada às pressas pelo Congresso, na tentativa de ampliar a transparência do orçamento secreto, segue sem permitir o rastreamento do destino das emendas e continua a impedir a identificação dos nomes dos parlamentares responsáveis pela indicação dos recursos. Segundo o ministro, é necessário que haja transparência ativa, com publicidade dos requerentes e destinatários das emendas, de modo a 'extirpar' qualquer tipo de sigilo.

O magistrado pontuou que a tentativa do Congresso de distribuir as emendas secretas proporcionalmente entre os líderes dos partidos, por meio da nova resolução, mantém a desigualdade entre os parlamentares, assim como a chance de aliados das lideranças serem privilegiados 'sem seguir critérios claros e transparentes, abrindo espaço para barganhas políticas'. 

Também fez críticas específicas à nova normativa do Congresso, como o aval para que os presidentes do Senado e da Câmara possam indicar 5% das emendas de relator. Segundo Lewandowski, a porcentagem representa um valor 'extraordinário'. "A nova regulamentação, apesar de constituir um progresso, não resolve vícios de constitucionalidade", afirmou.

Na avaliação do ministro, as emendas do relator 'subvertem a lógica do sistema de repartição de recursos orçamentários porque retiram do chefe do Executivo a necessária discricionariedade da alocação das verbas, em prejuízo da governabilidade, e em afronta ao mecanismos de freios e contrapesos que forma a separação dos poderes. "Não é possível deixar o presidente do Executivo completamente alheio ao processo de orçamentação", registrou.

Já o ministro Gilmar Mendes, último a votar nesta segunda-feira, 19,se alinhou à ala do STF favorável a ampliar a transparência do orçamento secreto. O ministro recomendou que, em até 90 dias, fossem identificados os solicitadores e beneficiários dos repasses em plataforma centralizada com as justificativas dos pedidos. Gilmar ainda cobrou dos ministérios do governo a apresentação de justificativa para a liberação dos recursos.

A presidente do STF, ministra Rosa Weber, definiu a prática como um dispositivo 'à margem da legalidade', 'envergonhado de si mesmo', que impõe 'um verdadeiro regime de exceção ao Orçamento da União'. Com esse argumento, Rosa afirmou que o mecanismo deveria ser considerado inconstitucional.

Ao acompanhar a relatora, Fachin destacou que 'não há transparência quando não se explicita os critérios objetivos da eleição de prioridade'. Já Barroso ressaltou que o esquema montado pelo governo Jair Bolsonaro gerou 'desiquilíbrio imenso à separação de poderes'.

O ministro Luiz Fux chegou a dizer que é possível sintetizar o voto com uma única frase: "Com dinheiro publico o segredo não é a alma do negócio". Cármen Lúcia chegou a afirmar que o Brasil é uma república e 'não uma entidade estatal com o nome segredo'. "As coisas do estado do povo tem que ser de conhecimento do povo", ressaltou.

Na ala favorável à manutenção do orçamento secreto houve diferentes gradações sobre o nível de transparência que deveria ser adotado. Os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques, por exemplo, não viram conflito entre o dispositivo e a Constituição. Exigiram apenas que os recursos fossem divididos de forma isonômica entre os parlamentares, com a divulgação dos nomes dos padrinhos das emendas.

O ministro Dias Toffoli, por sua vez, cobrou divisão proporcional das verbas e alinhamento às prioridades do governo. Segundo seu voto, as emendas deveriam ser alocadas somente seguindo uma relação de programas estratégicos e projetos prioritários - lista a ser definida pelo Executivo. Além disso, para Toffoli, deve haver um limite de valores repassados a cada município e os pagamentos devem ter um 'papel integrante no planejamento nacional'.

Já Alexandre de Moraes defendeu a adoção de uma solução 'intermediária', que equiparasse as emendas utilizadas no orçamento secreto àquelas individuais, o que, na prática, esvaziaria o poder de seus operadores sobre a distribuição dos recursos. O magistrado propôs que o Congresso tenha de publicizar os destinos e objetivos das emendas. Além disso, quer que os valores sejam distribuídos entre os parlamentares seguindo regras de proporcionalidade.

COLABORARAM ANDRÉ BORGES E VINÍCIUS VALFRÉ

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