Vivenciamos uma época singular historicamente, com muitas facilidades para acessar o conhecimento, em razão da superabundância de livros, revistas e jornais a preços acessíveis ou gratuitos – muito diferente de uma realidade não tão distante. Enfim, aprender, é mais fácil do que no passado. Essencialmente é uma questão de direcionamento e alocação do tempo. E o tempo é o bem mais precioso que temos, pois nunca saberemos quanto de areia resta na parte superior da ampulheta. Administrar bem o tempo é a suprema sabedoria, para dispô-lo de maneira útil aos estudos, ao trabalho, ao lazer, aos bons afetos e aos relacionamentos saudáveis.
A vida é feita de escolhas e deletérias são as consequências quando desperdiçamos tempo com relacionamentos que pouco nos acrescentam ou com as futilidades de boa parte das redes sociais, programas de TV, streamings, jogos digitais. O ambiente virtual é potencialmente riquíssimo para a aprendizagem, além de desenvolver características muito valorizadas no mercado de trabalho, como disciplina pessoal, gestão do tempo, autodidatismo, fluência digital, foco, desde que haja maturidade para não embicar para o sedutor mundo digital das redes sociais e a pletora de outras distrações frívolas.
Considerada como a propulsora da Era da Informação, pela profusão ampla e democrática de conteúdos, a internet tornou-se a quase realização do grande sonho dos diretores da antiga Biblioteca de Alexandria (no período do século III a.C. ao século IV d.C.), que era “adquirir um exemplar de cada manuscrito existente na face da Terra”. No entanto, a aquisição desses exemplares era uma odisseia. Cada pergaminho era obtido por diferentes meios – prioritariamente escambo ou pilhagem –, aproveitando-se do fato de que os navios que partiam de Alexandria singravam todos os mares conhecidos à época. No entanto, pela raridade, o manuseio era restrito aos mais colendos mestres.
Hodiernamente, temos acesso facilitado aos conteúdos escolares, mas isso não se traduz em resultados no que diz respeito à aprendizagem de nossos estudantes, haja vista os resultados do Pisa 2022, agora com 81 países avaliados, em que o Brasil obteve a 64ª posição em Matemática, a 61ª em Ciências e a 53ª em Leitura. Ou seja, no último quartil em Matemática e Ciências e no último terço em Leitura.
Analisando-se de outra forma, aproximadamente 73% dos alunos de 15 anos matriculados em escolas brasileiras não atingiram o patamar mínimo em Matemática e 50% não atingiram em Leitura, pois permaneceram no Nível 1, que é a escala mais baixa (os níveis variam de 1 a 6). O Nível 2 é considerado pela OCDE o mínimo necessário para que os jovens passem a exercer plenamente a cidadania. Muitos desses estudantes podem, sim, ser considerados analfabetos funcionais para as exigências do século XXI, uma vez que não conseguem interpretar um texto de nível mediano, tampouco resolver problemas de porcentagem, de regra de três, bem como fazer conversão de moedas, comparar distâncias, etc.
Em outro teste internacional, conhecido pela sigla Pirls, são avaliados estudantes de 65 países no 4º ano em Leitura. Na última prova, em 2021, cujo resultado também foi divulgado este ano, ficamos à frente de apenas três países: Jordânia, Egito e África do Sul.
O que fazer? Não há bala de prata. De pronto, a resposta que mais se ouve: falta dinheiro para educação. Porém, convenhamos, o Brasil não investe pouco comparativamente a outros países que apresentam bom desempenho educacional. Na média, os países da OCDE investem 5,5% do PIB, enquanto o aqui investimos 6%. Temos de arregaçar as mangas e priorizar a sala de aula da Educação Básica (os m² mais nobres de qualquer organização educacional), onde estão os alunos e os professores. Como fez Sobral (CE). Como está fazendo Pernambuco para o Ensino Médio. Como fizeram cerca de uma dezena de países destroçados por guerras, invasões, pobreza e, atualmente, bem situados nos rankings globais.
Se houvesse um ou dois culpados, seria bem mais fácil, mas as nossas deficiências são multifacetadas. Começa pela nossa cultura de pouca valorização do professor, pela baixa participação e cobrança dos pais em relação ao rendimento escolar dos filhos e pela deficiente qualidade do ensino ministrado. Também pouco se prestigiam o desempenho escolar, o esforço e os méritos do discente, como o fazem os asiáticos, que nas últimas edições do Pisa ocuparam, na média, 7 das 10 primeiras colocações. Uma das principais queixas dos bons professores comprometidos com uma educação de qualidade é o desinteresse dos nossos alunos e a falta de empenho deles nos estudos.
Outros fatores são abundantemente conhecidos, como faculdades de licenciaturas com pouca prática, consequentemente professores chegam à escola despreparados e, quando na escola, recebem pouca capacitação. Também sobejam no Brasil e são ervas daninhas de difícil erradicação a prevalência de ideologias, de polarizações e o corporativismo, independentemente do direcionamento político.
O Brasil partiu da década de 1970 como importador de alimentos e hoje é o celeiro do mundo. Temos a Embrapa, a Petrobras, a Embraer, a WEG e tantos centros de pesquisas e indústrias de ponta que empregam tecnologias complexas. O agro é um case de superação e na média somos mais produtivos e tecnológicos que os americanos. Mérito de quem? Da ação contínua, perseverante, organizada e empreendedora de brasileiros. Até mesmo na educação, pois em 2022 um grupo de escolas privadas pagou para participar pela primeira vez dos exames do Pisa. Se fosse computar o desempenho das escolas privadas, entre os 81 países participantes elas ocupariam a 30ª posição em Matemática, a 22ª em Ciências e a 11ª em Leitura. Portanto, nada mau.
No entanto, sem escola pública de qualidade jamais haverá justiça social neste país, e não é enfraquecendo a escola privada que se fortalece a escola pública. Há décadas que colhemos, tanto interna como externamente, resultados ruins de nosso combalido sistema educacional. Indignação manifesta das famílias ou da sociedade? Quase nada. Comunidade silenciosa perpetua o fracasso.
*Jacir J. Venturi, membro do Conselho Estadual de Educação do Paraná, foi professor e gestor de escolas públicas e privadas, da UFPR, PUCPR e Universidade Positivo. Autor de quatro livros