O plenário do Júri da 1ª Vara Federal de Presidente Prudente, interior de São Paulo, condenou o vigilante João Carlos Gimenez Brites a 16 anos de prisão pelo assassinato do indígena guarani-kaiowá Dorvalino Rocha. O crime ocorreu em 2005 no município de Antônio João, em Mato Grosso do Sul, a 318 quilômetros de Campo Grande.
O júri ocorreu nesta terça-feira, 28. João Carlos confessou ter sido o autor do disparo que matou Dorvalino, mas alegou ter agido em legítima defesa.
As informações foram divulgadas pela Assessoria de Comunicação do Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul.
A acusação do réu foi feita pelo procurador da República Tito Lívio Seabra, de Presidente Prudente, auxiliado pelos procuradores da República Fabrício Carrer e Ricardo Pael Ardenghi, que integram o Grupo de Apoio ao Tribunal do Júri vinculado à Câmara Criminal do MPF.
A advogada Michael Mary atuou como assistente da acusação no júri. Há mais de 40 anos Michael Mary se dedica à defesa dos povos indígenas.
Essa foi a primeira condenação pelo Tribunal do Júri Federal de um acusado de assassinar indígena em Mato Grosso do Sul. Dois outros casos anteriores chegaram a ser julgados, mas não resultaram em punição dos acusados.
No caso de Marçal de Souza, assassinado em 1983 na mesma terra indígena onde, em 2005, Dorvalino Rocha também seria morto, a Justiça reconheceu a prescrição do crime.
Já no caso de Marcos Veron, o réu foi absolvido da acusação de homicídio. “O Estado de Mato Grosso do Sul tem uma das maiores taxas de assassinatos de indígenas do país! Mesmo assim, essa é apenas a terceira vez que um caso desses chega a ser julgado pelo Tribunal do Júri e a primeira em que há condenação. A decisão é um marco histórico para o povo guarani-kaiowá”, ressaltou o procurador Ricardo Pael, que atuou em Ponta Porã entre 2013 e 2017.
Pertencente à etnia guarani-kaiowá, Dorvalino foi assassinado quando caminhava por uma estrada. Ele foi abordado por um carro com seguranças particulares.
O motorista era João Carlos, que atirou duas vezes contra a vítima. Um disparo atingiu o peito do indígena.
O MPF denunciou João Carlos por homicídio doloso em 2006 perante a 1ª Vara Federal de Ponta Porã (MS). No entanto, em razão do envolvimento do réu com a antiga empresa de segurança Gaspem - acusada de atuar de forma ilegal em casos de conflitos fundiários -, e com o objetivo de garantir a adequada isenção dos jurados que julgariam o caso, a Procuradoria pediu o desaforamento - a mudança de local para o julgamento.
O processo foi transferido para Presidente Prudente, onde ocorreu o júri federal. “Não é comum o desaforamento para outro Estado da federação, mas é sintomático que esta seja a segunda vez que isso ocorre em casos de assassinatos de indígenas em Mato Grosso do Sul”, afirma Tito Lívio, que assumiu o processo após o desaforamento.
Além da morte de Dorvalino Rocha, segundo a Procuradoria, outros casos de assassinatos de indígenas em Mato Grosso do Sul ‘têm envolvimento de seguranças da empresa Gaspem’.
A Procuradoria cita a morte de Nísio Gomes, ainda não julgado. Em 2018, a pedido do MPF, a Justiça determinou a dissolução da empresa, considerada responsável por ataques que resultaram na morte de duas pessoas e em dezenas de feridos entre 2009 e 2011, além do pagamento de multa no valor de R$ 240 mil por danos morais.
Em 2018, o Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, com jurisdição em São Paulo e Mato Grosso do Sul, impôs multa de R$ 240 mil à Gaspem por danos morais, bloqueio de bens e encerramento das atividades da empresa.
“Espera-se que a decisão faça não só justiça para o povo guarani-kaiowá e a família de Dorvalino Rocha, mas que tenha também um efeito pedagógico e sirva para conter a violência contra os indígenas de Mato Grosso do Sul”, concluiu Fabrício Carrer, que há 10 anos participa de júris federais.
Além da pena de prisão, o réu foi condenado a pagar uma pensão mensal aos filhos de Dorvalino como forma de reparação.