O aumento rápido dos processos judiciais relacionados à ativos dados em garantia por meio de alienação fiduciária é, sem dúvida, um sinal claro da crise econômica que o Brasil está vivendo. Entre 2022 e 2023, o volume de novas ações nessa área subiu 19,35%, passando de 699.036 para 834.301 casos, com uma média de 2.286 disputas por dia, de acordo com o DataJud, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Esses números, portanto, mostram a fragilidade financeira das famílias e empresas brasileiras. Além disso, fica muito claro que as políticas econômicas atuais não estão conseguindo ajudar as pessoas físicas e jurídicas a manterem suas dívidas em dia.
A alienação fiduciária, que deveria ser, em teoria, uma forma de proteção para credores e devedores, tem se tornado, por outro lado, um problema crescente e oriundo da ausência de perspectiva de melhora econômica no país. Nesse mecanismo, a propriedade de um ativo é transferida ao credor como garantia para financiamentos e empréstimos. Contudo, se o devedor não consegue pagar, perde o bem, o que, por sua vez, agrava ainda mais sua situação financeira.
O principal motivo para esse aumento de litígios é a combinação de juros altos e uma economia estagnada. Com a Selic elevada, o custo do crédito fica insustentável para muitos, tornando difícil, assim, o pagamento de empréstimos e financiamentos. Além disso, a falta de crescimento econômico impede que empresas e indivíduos melhorem seu fluxo de caixa e resultados financeiros, gerando, consequentemente, mais inadimplência e mais disputas judiciais.
Com exceção do Rio de Janeiro, que teve uma pequena queda de 3,69% nos processos, o número de novas ações aumentou em praticamente todo o país. São Paulo, o estado mais populoso e economicamente ativo, registrou o maior número de novos processos, representando cerca de 27% do total nacional. Já Roraima, com um aumento percentual de 71,74%, mostra que o problema está se espalhando por todo o Brasil, atingindo até as regiões menos populosas.
O crescimento das ações envolvendo a discussão de garantias fiduciárias deve ser visto então como um sintoma de um problema maior na economia brasileira. A política de manter juros altos para controlar a inflação está se mostrando insustentável, tanto para a população quanto para as empresas, que estão se afundando em dívidas que não conseguem pagar e se mantêm com base alta para encargos e demais penalidades contratuais. Além disso, o crescimento econômico lento limita as chances de reverter essa situação no aspecto financeiro.
A lição que se toma até aqui tem relação com a urgência de o Brasil repensar a sua política econômica para evitar que essa situação piore. O aumento das disputas judiciais é, na verdade, um reflexo de uma crise que, se não for tratada adequadamente, vai continuar gerando instabilidade e incerteza. Reformas que promovam o crescimento econômico e a redução das taxas de juros são essenciais para que o país possa sair desse ciclo de inadimplência e litígios, permitindo que o mercado se estabilize e as pessoas possam pagar suas dívidas e/ou obter linhas de crédito ou financiamento sem precisar se valer de todo o seu patrimônio e com alto risco de perdê-lo pela impossibilidade de arcar com o acordado.
O Judiciário, por sua vez, está enfrentando uma sobrecarga crescente que pode, inclusive, comprometer a eficiência da Justiça. O aumento dos litígios relacionados a essa modalidade de garantia exige a criação e aplicação de mecanismos alternativos de resolução de conflitos, que possam aliviar a pressão sobre os tribunais e oferecer soluções mais rápidas e justas para credores e devedores.
Por fim, a explosão de processos envolvendo a discussão de bens dados em garantia via alienação fiduciária é um claro aviso de que mudanças são necessárias. Se o cenário atual, com juros altos e economia parada, continuar, a crise só vai se aprofundar, prejudicando ainda mais quem já está vulnerável. É hora de agir e reavaliar as políticas que governam o crédito e a economia no Brasil, sob pena de tornar a concessão de crédito uma exceção para poucos, o que prejudica tanto quem concede, quanto quem recebe o fomento.