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Opinião|As instituições e a reconstrução do Estado


Por Cezar Miola
Porto Alegre, devastada pelas chuvas Foto: Anselmo Cunha/AFP

A humanidade seria mais feliz se toda a energia e o talento que os homens utilizam para reparar seus erros fossem empregados em não cometê-los.

(George Bernard Shaw)

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Na Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, voltada à redução de desastres, encontramos contempladas as ações de prevenção, preparação, resposta e reconstrução. No Rio Grande do Sul, vive-se a transição entre a terceira e a quarta fase, em cenário que, pelos estragos, nos remete a uma espécie de “pós-guerra”. Quanto ao que se fez (ou não) em relação às duas primeiras, ainda caberá uma abordagem ampla e transparente.

Sobre a devastação que grassa em boa parte do solo gaúcho (e com o risco da eventual impropriedade na comparação), o que me vem à mente são histórias contadas por um querido soldado da Força Expedicionária Brasileira que, tendo combatido pela democracia e pela liberdade na Segunda Guerra, viu de perto a miséria e vivenciou a angústia das hordas de desvalidos. A pungente destruição, lida pelos olhos serenos e narrada na voz calma e embargada do meu pai (que esteve no teatro de horrores em 1945), me leva a essa associação. Até me penitencio se erro ou exagero; talvez seja porque rememoro palavras de anos passados e as associo ao contato direto que agora tenho com um cenário dantesco aqui nos Pampas. Lá, a força bruta e a opressão dos tiranos; aqui, o brado tonitruante da natureza.

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As enchentes devastaram boa parte do território sulino, com grande parcela da população tendo sua dignidade suspensa pela perda de moradias, de bens materiais e das próprias histórias. Isso sem mencionar as vidas humanas, os inestimáveis danos ao patrimônio histórico-cultural e os demais prejuízos de toda ordem, com reflexos na educação, na saúde e na segurança públicas e na atividade econômica.

Ao mesmo tempo, viu-se uma comovente mobilização de milhares de pessoas da sociedade em prol de resgates e do auxílio aos desabrigados, o que não quer significar o fracasso do poder público nas horas agudas da crise. Nas palavras do geólogo e planejador urbano Robert B. Olshansky, em entrevista à Deutsche Welle, “a atuação das ONGs e a participação da sociedade civil (nos resgates e no socorro em meio a tragédias) são indicadores de um ecossistema saudável de reconstrução. Significa que há gente engajada e que a recuperação está acontecendo de baixo para cima, sem depender só do governo”.

Os agentes públicos tiveram atuação intensa na busca e no acolhimento das pessoas e de animais a abrigos provisórios, sinal igualmente promissor de cumprimento do ideal de solidariedade expresso na Constituição da República. Aqui, a necessária reverência aos servidores civis e militares que fizeram – e continuam fazendo – um trabalho notável em zelo, dedicação e eficiência. E essa constatação permite reafirmar a necessidade de se investir mais no profissionalismo dos quadros técnicos da administração pública, na adoção de boas práticas de integridade e de governança, nos controles e nas auditorias internos e na radicalização da transparência. Cabe destacar, ainda, a importância de, humildemente, se ouvir a voz dos pesquisadores, dos cientistas, das universidades, das organizações sociais; de cultivar a empatia, sem a ira cega de quem oferece supostas soluções salvadoras unicamente ao sabor das suas convicções ideológicas, não importando aqui o seu campo.

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Recursos expressivos, mas sempre insuficientes diante da situação de calamidade pública, estão sendo mobilizados (por governos e organizações privadas), direcionados à recuperação dos Municípios e à assistência dos vitimados pela catástrofe. Há uma frase antiga, segundo a qual os responsáveis pela tomada de decisões costumam dar muita importância ao custo de fazer, mas nem sempre têm a visão estratégica de identificar o custo de “não fazer”. Sobre isso, haverá tempo para se esquadrinhar o que não foi feito (e que deveria ter sido executado), sua dimensão financeira e, de outro lado, os montantes necessários para tratar dos danos agora causados (nas múltiplas dimensões). Será preciso identificar com clareza as ações omissivas e comissivas e as respectivas responsabilidades.

Nessas circunstâncias, descortina-se mais do que nunca a relevância de instituições fortes para cuidar da segurança pública (que, em regra, é fortemente estressada nessas ocasiões), da saúde e da assistência, da limpeza urbana, das políticas econômicas e sociais; enfim, da democracia e do princípio republicano. Instituições essas também indutoras do princípio da solidariedade e de soluções consensuais, tal como observado na parceria estabelecida entre Judiciário, Ministério Público e Registradores do Estado. Em ação rápida e eficiente, cuidou-se de agilizar a emissão gratuita da segunda via de certidão de nascimento de estudantes dos prédios atingidos pelas águas, devolvendo esse “patrimônio” que se traduz em dignidade e permitindo aos alunos o retorno ao tão necessário convívio escolar. Assim também o Programa “Recomeçar é Preciso!”, resultado da cooperação entre entidades públicas, voltado à entrega de cópias de certidões de nascimento e de casamento às vítimas das enchentes.

Noutra perspectiva, grande relevância tem o papel dos Tribunais de Contas (do Estado e da União, no caso, porque suas competências vão coexistir em face da alocação de verbas locais e de recursos do Governo Federal) em prol da publicidade e do controle dos recursos destinados à recomposição dos espaços afetados, de modo que não se verifiquem excessos e que sejam fiscalizadas a legalidade do gasto, a economicidade e a efetividade. Em uma situação como a enfrentada, em que colapsam sistemas de comunicação e de transporte, na qual estruturas governamentais operam de modo precário e a desinformação acaba minando a confiança, o risco de violação das normas reguladoras da atividade administrativa aumenta sob o manto da “emergência”, sendo fundamentais as ações do controle externo, não somente na prevenção como na responsabilização de gestores em casos de malversação de recursos públicos.

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A propósito, Rui Barbosa, ao discorrer sobre a natureza jurídica do Tribunal de Contas, reconhece-o como “uma instituição de caráter em grande parte judiciário e político, destinado, por sua índole, a sentenciar em assuntos da mais alta gravidade e a servir de sólido dique aos abusos administrativos nos negócios financeiros”. Que esse “dique”, inspirada e precisa figura utilizada pelo Patrono das Casas de Contas, tenha a eficácia que faltou a algumas das contenções da nossa Capital.

É fundamental, pois, que os Tribunais de Contas continuem atuando como barreira a eventuais abusos na administração de recursos tão caros à população arrasada pelas enchentes. Mas não somente isso. Que prossigam acompanhando e avaliando o conjunto das políticas públicas, sendo inevitável se lembrar daquelas voltadas à proteção do meio ambiente (e a ocupação do solo ganha relevo), a partir da implementação da educação ambiental – Lei Federal nº 9.795/1999, foco estabelecido pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) ainda em 2022. E, nesse ofício, recomendando ou determinando medidas corretivas e preventivas (incluindo os protocolos de gestão de crise e de socorro à população). Na mesma proporção, que os órgãos de controle externo permaneçam como suporte ativo, de modo que os gestores possam contar com orientação e segurança jurídica em suas decisões no contexto da crise. Com esse objetivo, aliás, foi produzida pelo TCE-RS a cartilha “Calamidade Pública nos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul: Perguntas e Respostas”, disponível através do link https://cloud.tce.rs.gov.br/s/sBnYQZf6xtQwfED. A destacar, igualmente, o “Programa Recupera Rio Grande do Sul”, do Tribunal de Contas da União, acessível em https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-institui-programa-recupera-rio-grande-do-sul.htm.

Ainda na fala de Olshansky, é no exato momento vivido, de reconstrução após desastres, que costumam ocorrer as maiores mudanças e avanços rumo a cidades mais bem preparadas e resilientes. “Oportunidade” é outra forma de vocalizar essa formulação. E ela não pode ser desperdiçada, sobretudo no cuidado que o Estado precisa dedicar a quem menos ou nada tem. Se tudo agora soa prioritário, tenhamos o cuidado de, mormente na assistência humanitária, não descuidar daqueles que, historicamente, já ficavam à margem.

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Destacou-se aqui o quanto se fazem imprescindíveis instituições robustas. Outro ator sempre relevante para o regime democrático é a imprensa livre. Na calamidade, sua atuação ágil, técnica e eficiente, prestando serviços e dando visibilidade do nosso tormento ao país e ao mundo foi – e continuará sendo – relevante. Mesmo com a água invasora desalojando estúdios, redações e impressoras, destemidos e solidários profissionais literalmente colocaram os pés na lama para informar, orientar e acalentar.

O que vivemos nestes dias turvos na terra “onde tudo o que se planta cresce” tem a mão da natureza e muito da (falta da) mão humana em aspectos relacionados ao planejamento, às escolhas feitas, à prevenção, às respostas do momento. Não será fenômeno único e, assim, há um ensinamento a ser recolhido no fazer que a cada um de nós é reservado, sobretudo por quem solenemente prometeu defender a Constituição e o bem-estar da sua gente quando investido.

Cientes de que se trata de um processo lento e doloroso, e que diferentes variáveis impactam na reconstrução do Estado, demandando investimentos nacionais robustos e muito bem geridos, será preciso seguir com vigor no associativismo e na cooperação (a propósito, o RS é o berço do cooperativismo brasileiro). Colocar ênfase no diálogo com as instituições e a sociedade, pelo caminho da boa administração pública, é essencial para a afirmação dos direitos da pessoa humana, de uma convivência fraterna e do desenvolvimento sustentável.

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Cantamos com orgulho, num dos nossos hinos populares, que, aqui, “o que mais floresce é o amor”. E ele tem se manifestado de tantas formas, vindas de inúmeras fontes, que deve ser nosso compromisso trazer de volta “campos florindo e crianças sorrindo felizes a cantar”.

Lembrando de outra letra icônica, “meu canto, eu sei, há de se ouvir por todo meu país”. Será para agradecer, a cada dia, pelo comovedor cuidado do Brasil com “as gaúchas e os gaúchos de todas as querências”.

Porto Alegre, devastada pelas chuvas Foto: Anselmo Cunha/AFP

A humanidade seria mais feliz se toda a energia e o talento que os homens utilizam para reparar seus erros fossem empregados em não cometê-los.

(George Bernard Shaw)

Na Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, voltada à redução de desastres, encontramos contempladas as ações de prevenção, preparação, resposta e reconstrução. No Rio Grande do Sul, vive-se a transição entre a terceira e a quarta fase, em cenário que, pelos estragos, nos remete a uma espécie de “pós-guerra”. Quanto ao que se fez (ou não) em relação às duas primeiras, ainda caberá uma abordagem ampla e transparente.

Sobre a devastação que grassa em boa parte do solo gaúcho (e com o risco da eventual impropriedade na comparação), o que me vem à mente são histórias contadas por um querido soldado da Força Expedicionária Brasileira que, tendo combatido pela democracia e pela liberdade na Segunda Guerra, viu de perto a miséria e vivenciou a angústia das hordas de desvalidos. A pungente destruição, lida pelos olhos serenos e narrada na voz calma e embargada do meu pai (que esteve no teatro de horrores em 1945), me leva a essa associação. Até me penitencio se erro ou exagero; talvez seja porque rememoro palavras de anos passados e as associo ao contato direto que agora tenho com um cenário dantesco aqui nos Pampas. Lá, a força bruta e a opressão dos tiranos; aqui, o brado tonitruante da natureza.

As enchentes devastaram boa parte do território sulino, com grande parcela da população tendo sua dignidade suspensa pela perda de moradias, de bens materiais e das próprias histórias. Isso sem mencionar as vidas humanas, os inestimáveis danos ao patrimônio histórico-cultural e os demais prejuízos de toda ordem, com reflexos na educação, na saúde e na segurança públicas e na atividade econômica.

Ao mesmo tempo, viu-se uma comovente mobilização de milhares de pessoas da sociedade em prol de resgates e do auxílio aos desabrigados, o que não quer significar o fracasso do poder público nas horas agudas da crise. Nas palavras do geólogo e planejador urbano Robert B. Olshansky, em entrevista à Deutsche Welle, “a atuação das ONGs e a participação da sociedade civil (nos resgates e no socorro em meio a tragédias) são indicadores de um ecossistema saudável de reconstrução. Significa que há gente engajada e que a recuperação está acontecendo de baixo para cima, sem depender só do governo”.

Os agentes públicos tiveram atuação intensa na busca e no acolhimento das pessoas e de animais a abrigos provisórios, sinal igualmente promissor de cumprimento do ideal de solidariedade expresso na Constituição da República. Aqui, a necessária reverência aos servidores civis e militares que fizeram – e continuam fazendo – um trabalho notável em zelo, dedicação e eficiência. E essa constatação permite reafirmar a necessidade de se investir mais no profissionalismo dos quadros técnicos da administração pública, na adoção de boas práticas de integridade e de governança, nos controles e nas auditorias internos e na radicalização da transparência. Cabe destacar, ainda, a importância de, humildemente, se ouvir a voz dos pesquisadores, dos cientistas, das universidades, das organizações sociais; de cultivar a empatia, sem a ira cega de quem oferece supostas soluções salvadoras unicamente ao sabor das suas convicções ideológicas, não importando aqui o seu campo.

Recursos expressivos, mas sempre insuficientes diante da situação de calamidade pública, estão sendo mobilizados (por governos e organizações privadas), direcionados à recuperação dos Municípios e à assistência dos vitimados pela catástrofe. Há uma frase antiga, segundo a qual os responsáveis pela tomada de decisões costumam dar muita importância ao custo de fazer, mas nem sempre têm a visão estratégica de identificar o custo de “não fazer”. Sobre isso, haverá tempo para se esquadrinhar o que não foi feito (e que deveria ter sido executado), sua dimensão financeira e, de outro lado, os montantes necessários para tratar dos danos agora causados (nas múltiplas dimensões). Será preciso identificar com clareza as ações omissivas e comissivas e as respectivas responsabilidades.

Nessas circunstâncias, descortina-se mais do que nunca a relevância de instituições fortes para cuidar da segurança pública (que, em regra, é fortemente estressada nessas ocasiões), da saúde e da assistência, da limpeza urbana, das políticas econômicas e sociais; enfim, da democracia e do princípio republicano. Instituições essas também indutoras do princípio da solidariedade e de soluções consensuais, tal como observado na parceria estabelecida entre Judiciário, Ministério Público e Registradores do Estado. Em ação rápida e eficiente, cuidou-se de agilizar a emissão gratuita da segunda via de certidão de nascimento de estudantes dos prédios atingidos pelas águas, devolvendo esse “patrimônio” que se traduz em dignidade e permitindo aos alunos o retorno ao tão necessário convívio escolar. Assim também o Programa “Recomeçar é Preciso!”, resultado da cooperação entre entidades públicas, voltado à entrega de cópias de certidões de nascimento e de casamento às vítimas das enchentes.

Noutra perspectiva, grande relevância tem o papel dos Tribunais de Contas (do Estado e da União, no caso, porque suas competências vão coexistir em face da alocação de verbas locais e de recursos do Governo Federal) em prol da publicidade e do controle dos recursos destinados à recomposição dos espaços afetados, de modo que não se verifiquem excessos e que sejam fiscalizadas a legalidade do gasto, a economicidade e a efetividade. Em uma situação como a enfrentada, em que colapsam sistemas de comunicação e de transporte, na qual estruturas governamentais operam de modo precário e a desinformação acaba minando a confiança, o risco de violação das normas reguladoras da atividade administrativa aumenta sob o manto da “emergência”, sendo fundamentais as ações do controle externo, não somente na prevenção como na responsabilização de gestores em casos de malversação de recursos públicos.

A propósito, Rui Barbosa, ao discorrer sobre a natureza jurídica do Tribunal de Contas, reconhece-o como “uma instituição de caráter em grande parte judiciário e político, destinado, por sua índole, a sentenciar em assuntos da mais alta gravidade e a servir de sólido dique aos abusos administrativos nos negócios financeiros”. Que esse “dique”, inspirada e precisa figura utilizada pelo Patrono das Casas de Contas, tenha a eficácia que faltou a algumas das contenções da nossa Capital.

É fundamental, pois, que os Tribunais de Contas continuem atuando como barreira a eventuais abusos na administração de recursos tão caros à população arrasada pelas enchentes. Mas não somente isso. Que prossigam acompanhando e avaliando o conjunto das políticas públicas, sendo inevitável se lembrar daquelas voltadas à proteção do meio ambiente (e a ocupação do solo ganha relevo), a partir da implementação da educação ambiental – Lei Federal nº 9.795/1999, foco estabelecido pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) ainda em 2022. E, nesse ofício, recomendando ou determinando medidas corretivas e preventivas (incluindo os protocolos de gestão de crise e de socorro à população). Na mesma proporção, que os órgãos de controle externo permaneçam como suporte ativo, de modo que os gestores possam contar com orientação e segurança jurídica em suas decisões no contexto da crise. Com esse objetivo, aliás, foi produzida pelo TCE-RS a cartilha “Calamidade Pública nos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul: Perguntas e Respostas”, disponível através do link https://cloud.tce.rs.gov.br/s/sBnYQZf6xtQwfED. A destacar, igualmente, o “Programa Recupera Rio Grande do Sul”, do Tribunal de Contas da União, acessível em https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-institui-programa-recupera-rio-grande-do-sul.htm.

Ainda na fala de Olshansky, é no exato momento vivido, de reconstrução após desastres, que costumam ocorrer as maiores mudanças e avanços rumo a cidades mais bem preparadas e resilientes. “Oportunidade” é outra forma de vocalizar essa formulação. E ela não pode ser desperdiçada, sobretudo no cuidado que o Estado precisa dedicar a quem menos ou nada tem. Se tudo agora soa prioritário, tenhamos o cuidado de, mormente na assistência humanitária, não descuidar daqueles que, historicamente, já ficavam à margem.

Destacou-se aqui o quanto se fazem imprescindíveis instituições robustas. Outro ator sempre relevante para o regime democrático é a imprensa livre. Na calamidade, sua atuação ágil, técnica e eficiente, prestando serviços e dando visibilidade do nosso tormento ao país e ao mundo foi – e continuará sendo – relevante. Mesmo com a água invasora desalojando estúdios, redações e impressoras, destemidos e solidários profissionais literalmente colocaram os pés na lama para informar, orientar e acalentar.

O que vivemos nestes dias turvos na terra “onde tudo o que se planta cresce” tem a mão da natureza e muito da (falta da) mão humana em aspectos relacionados ao planejamento, às escolhas feitas, à prevenção, às respostas do momento. Não será fenômeno único e, assim, há um ensinamento a ser recolhido no fazer que a cada um de nós é reservado, sobretudo por quem solenemente prometeu defender a Constituição e o bem-estar da sua gente quando investido.

Cientes de que se trata de um processo lento e doloroso, e que diferentes variáveis impactam na reconstrução do Estado, demandando investimentos nacionais robustos e muito bem geridos, será preciso seguir com vigor no associativismo e na cooperação (a propósito, o RS é o berço do cooperativismo brasileiro). Colocar ênfase no diálogo com as instituições e a sociedade, pelo caminho da boa administração pública, é essencial para a afirmação dos direitos da pessoa humana, de uma convivência fraterna e do desenvolvimento sustentável.

Cantamos com orgulho, num dos nossos hinos populares, que, aqui, “o que mais floresce é o amor”. E ele tem se manifestado de tantas formas, vindas de inúmeras fontes, que deve ser nosso compromisso trazer de volta “campos florindo e crianças sorrindo felizes a cantar”.

Lembrando de outra letra icônica, “meu canto, eu sei, há de se ouvir por todo meu país”. Será para agradecer, a cada dia, pelo comovedor cuidado do Brasil com “as gaúchas e os gaúchos de todas as querências”.

Porto Alegre, devastada pelas chuvas Foto: Anselmo Cunha/AFP

A humanidade seria mais feliz se toda a energia e o talento que os homens utilizam para reparar seus erros fossem empregados em não cometê-los.

(George Bernard Shaw)

Na Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, voltada à redução de desastres, encontramos contempladas as ações de prevenção, preparação, resposta e reconstrução. No Rio Grande do Sul, vive-se a transição entre a terceira e a quarta fase, em cenário que, pelos estragos, nos remete a uma espécie de “pós-guerra”. Quanto ao que se fez (ou não) em relação às duas primeiras, ainda caberá uma abordagem ampla e transparente.

Sobre a devastação que grassa em boa parte do solo gaúcho (e com o risco da eventual impropriedade na comparação), o que me vem à mente são histórias contadas por um querido soldado da Força Expedicionária Brasileira que, tendo combatido pela democracia e pela liberdade na Segunda Guerra, viu de perto a miséria e vivenciou a angústia das hordas de desvalidos. A pungente destruição, lida pelos olhos serenos e narrada na voz calma e embargada do meu pai (que esteve no teatro de horrores em 1945), me leva a essa associação. Até me penitencio se erro ou exagero; talvez seja porque rememoro palavras de anos passados e as associo ao contato direto que agora tenho com um cenário dantesco aqui nos Pampas. Lá, a força bruta e a opressão dos tiranos; aqui, o brado tonitruante da natureza.

As enchentes devastaram boa parte do território sulino, com grande parcela da população tendo sua dignidade suspensa pela perda de moradias, de bens materiais e das próprias histórias. Isso sem mencionar as vidas humanas, os inestimáveis danos ao patrimônio histórico-cultural e os demais prejuízos de toda ordem, com reflexos na educação, na saúde e na segurança públicas e na atividade econômica.

Ao mesmo tempo, viu-se uma comovente mobilização de milhares de pessoas da sociedade em prol de resgates e do auxílio aos desabrigados, o que não quer significar o fracasso do poder público nas horas agudas da crise. Nas palavras do geólogo e planejador urbano Robert B. Olshansky, em entrevista à Deutsche Welle, “a atuação das ONGs e a participação da sociedade civil (nos resgates e no socorro em meio a tragédias) são indicadores de um ecossistema saudável de reconstrução. Significa que há gente engajada e que a recuperação está acontecendo de baixo para cima, sem depender só do governo”.

Os agentes públicos tiveram atuação intensa na busca e no acolhimento das pessoas e de animais a abrigos provisórios, sinal igualmente promissor de cumprimento do ideal de solidariedade expresso na Constituição da República. Aqui, a necessária reverência aos servidores civis e militares que fizeram – e continuam fazendo – um trabalho notável em zelo, dedicação e eficiência. E essa constatação permite reafirmar a necessidade de se investir mais no profissionalismo dos quadros técnicos da administração pública, na adoção de boas práticas de integridade e de governança, nos controles e nas auditorias internos e na radicalização da transparência. Cabe destacar, ainda, a importância de, humildemente, se ouvir a voz dos pesquisadores, dos cientistas, das universidades, das organizações sociais; de cultivar a empatia, sem a ira cega de quem oferece supostas soluções salvadoras unicamente ao sabor das suas convicções ideológicas, não importando aqui o seu campo.

Recursos expressivos, mas sempre insuficientes diante da situação de calamidade pública, estão sendo mobilizados (por governos e organizações privadas), direcionados à recuperação dos Municípios e à assistência dos vitimados pela catástrofe. Há uma frase antiga, segundo a qual os responsáveis pela tomada de decisões costumam dar muita importância ao custo de fazer, mas nem sempre têm a visão estratégica de identificar o custo de “não fazer”. Sobre isso, haverá tempo para se esquadrinhar o que não foi feito (e que deveria ter sido executado), sua dimensão financeira e, de outro lado, os montantes necessários para tratar dos danos agora causados (nas múltiplas dimensões). Será preciso identificar com clareza as ações omissivas e comissivas e as respectivas responsabilidades.

Nessas circunstâncias, descortina-se mais do que nunca a relevância de instituições fortes para cuidar da segurança pública (que, em regra, é fortemente estressada nessas ocasiões), da saúde e da assistência, da limpeza urbana, das políticas econômicas e sociais; enfim, da democracia e do princípio republicano. Instituições essas também indutoras do princípio da solidariedade e de soluções consensuais, tal como observado na parceria estabelecida entre Judiciário, Ministério Público e Registradores do Estado. Em ação rápida e eficiente, cuidou-se de agilizar a emissão gratuita da segunda via de certidão de nascimento de estudantes dos prédios atingidos pelas águas, devolvendo esse “patrimônio” que se traduz em dignidade e permitindo aos alunos o retorno ao tão necessário convívio escolar. Assim também o Programa “Recomeçar é Preciso!”, resultado da cooperação entre entidades públicas, voltado à entrega de cópias de certidões de nascimento e de casamento às vítimas das enchentes.

Noutra perspectiva, grande relevância tem o papel dos Tribunais de Contas (do Estado e da União, no caso, porque suas competências vão coexistir em face da alocação de verbas locais e de recursos do Governo Federal) em prol da publicidade e do controle dos recursos destinados à recomposição dos espaços afetados, de modo que não se verifiquem excessos e que sejam fiscalizadas a legalidade do gasto, a economicidade e a efetividade. Em uma situação como a enfrentada, em que colapsam sistemas de comunicação e de transporte, na qual estruturas governamentais operam de modo precário e a desinformação acaba minando a confiança, o risco de violação das normas reguladoras da atividade administrativa aumenta sob o manto da “emergência”, sendo fundamentais as ações do controle externo, não somente na prevenção como na responsabilização de gestores em casos de malversação de recursos públicos.

A propósito, Rui Barbosa, ao discorrer sobre a natureza jurídica do Tribunal de Contas, reconhece-o como “uma instituição de caráter em grande parte judiciário e político, destinado, por sua índole, a sentenciar em assuntos da mais alta gravidade e a servir de sólido dique aos abusos administrativos nos negócios financeiros”. Que esse “dique”, inspirada e precisa figura utilizada pelo Patrono das Casas de Contas, tenha a eficácia que faltou a algumas das contenções da nossa Capital.

É fundamental, pois, que os Tribunais de Contas continuem atuando como barreira a eventuais abusos na administração de recursos tão caros à população arrasada pelas enchentes. Mas não somente isso. Que prossigam acompanhando e avaliando o conjunto das políticas públicas, sendo inevitável se lembrar daquelas voltadas à proteção do meio ambiente (e a ocupação do solo ganha relevo), a partir da implementação da educação ambiental – Lei Federal nº 9.795/1999, foco estabelecido pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) ainda em 2022. E, nesse ofício, recomendando ou determinando medidas corretivas e preventivas (incluindo os protocolos de gestão de crise e de socorro à população). Na mesma proporção, que os órgãos de controle externo permaneçam como suporte ativo, de modo que os gestores possam contar com orientação e segurança jurídica em suas decisões no contexto da crise. Com esse objetivo, aliás, foi produzida pelo TCE-RS a cartilha “Calamidade Pública nos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul: Perguntas e Respostas”, disponível através do link https://cloud.tce.rs.gov.br/s/sBnYQZf6xtQwfED. A destacar, igualmente, o “Programa Recupera Rio Grande do Sul”, do Tribunal de Contas da União, acessível em https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-institui-programa-recupera-rio-grande-do-sul.htm.

Ainda na fala de Olshansky, é no exato momento vivido, de reconstrução após desastres, que costumam ocorrer as maiores mudanças e avanços rumo a cidades mais bem preparadas e resilientes. “Oportunidade” é outra forma de vocalizar essa formulação. E ela não pode ser desperdiçada, sobretudo no cuidado que o Estado precisa dedicar a quem menos ou nada tem. Se tudo agora soa prioritário, tenhamos o cuidado de, mormente na assistência humanitária, não descuidar daqueles que, historicamente, já ficavam à margem.

Destacou-se aqui o quanto se fazem imprescindíveis instituições robustas. Outro ator sempre relevante para o regime democrático é a imprensa livre. Na calamidade, sua atuação ágil, técnica e eficiente, prestando serviços e dando visibilidade do nosso tormento ao país e ao mundo foi – e continuará sendo – relevante. Mesmo com a água invasora desalojando estúdios, redações e impressoras, destemidos e solidários profissionais literalmente colocaram os pés na lama para informar, orientar e acalentar.

O que vivemos nestes dias turvos na terra “onde tudo o que se planta cresce” tem a mão da natureza e muito da (falta da) mão humana em aspectos relacionados ao planejamento, às escolhas feitas, à prevenção, às respostas do momento. Não será fenômeno único e, assim, há um ensinamento a ser recolhido no fazer que a cada um de nós é reservado, sobretudo por quem solenemente prometeu defender a Constituição e o bem-estar da sua gente quando investido.

Cientes de que se trata de um processo lento e doloroso, e que diferentes variáveis impactam na reconstrução do Estado, demandando investimentos nacionais robustos e muito bem geridos, será preciso seguir com vigor no associativismo e na cooperação (a propósito, o RS é o berço do cooperativismo brasileiro). Colocar ênfase no diálogo com as instituições e a sociedade, pelo caminho da boa administração pública, é essencial para a afirmação dos direitos da pessoa humana, de uma convivência fraterna e do desenvolvimento sustentável.

Cantamos com orgulho, num dos nossos hinos populares, que, aqui, “o que mais floresce é o amor”. E ele tem se manifestado de tantas formas, vindas de inúmeras fontes, que deve ser nosso compromisso trazer de volta “campos florindo e crianças sorrindo felizes a cantar”.

Lembrando de outra letra icônica, “meu canto, eu sei, há de se ouvir por todo meu país”. Será para agradecer, a cada dia, pelo comovedor cuidado do Brasil com “as gaúchas e os gaúchos de todas as querências”.

Porto Alegre, devastada pelas chuvas Foto: Anselmo Cunha/AFP

A humanidade seria mais feliz se toda a energia e o talento que os homens utilizam para reparar seus erros fossem empregados em não cometê-los.

(George Bernard Shaw)

Na Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, voltada à redução de desastres, encontramos contempladas as ações de prevenção, preparação, resposta e reconstrução. No Rio Grande do Sul, vive-se a transição entre a terceira e a quarta fase, em cenário que, pelos estragos, nos remete a uma espécie de “pós-guerra”. Quanto ao que se fez (ou não) em relação às duas primeiras, ainda caberá uma abordagem ampla e transparente.

Sobre a devastação que grassa em boa parte do solo gaúcho (e com o risco da eventual impropriedade na comparação), o que me vem à mente são histórias contadas por um querido soldado da Força Expedicionária Brasileira que, tendo combatido pela democracia e pela liberdade na Segunda Guerra, viu de perto a miséria e vivenciou a angústia das hordas de desvalidos. A pungente destruição, lida pelos olhos serenos e narrada na voz calma e embargada do meu pai (que esteve no teatro de horrores em 1945), me leva a essa associação. Até me penitencio se erro ou exagero; talvez seja porque rememoro palavras de anos passados e as associo ao contato direto que agora tenho com um cenário dantesco aqui nos Pampas. Lá, a força bruta e a opressão dos tiranos; aqui, o brado tonitruante da natureza.

As enchentes devastaram boa parte do território sulino, com grande parcela da população tendo sua dignidade suspensa pela perda de moradias, de bens materiais e das próprias histórias. Isso sem mencionar as vidas humanas, os inestimáveis danos ao patrimônio histórico-cultural e os demais prejuízos de toda ordem, com reflexos na educação, na saúde e na segurança públicas e na atividade econômica.

Ao mesmo tempo, viu-se uma comovente mobilização de milhares de pessoas da sociedade em prol de resgates e do auxílio aos desabrigados, o que não quer significar o fracasso do poder público nas horas agudas da crise. Nas palavras do geólogo e planejador urbano Robert B. Olshansky, em entrevista à Deutsche Welle, “a atuação das ONGs e a participação da sociedade civil (nos resgates e no socorro em meio a tragédias) são indicadores de um ecossistema saudável de reconstrução. Significa que há gente engajada e que a recuperação está acontecendo de baixo para cima, sem depender só do governo”.

Os agentes públicos tiveram atuação intensa na busca e no acolhimento das pessoas e de animais a abrigos provisórios, sinal igualmente promissor de cumprimento do ideal de solidariedade expresso na Constituição da República. Aqui, a necessária reverência aos servidores civis e militares que fizeram – e continuam fazendo – um trabalho notável em zelo, dedicação e eficiência. E essa constatação permite reafirmar a necessidade de se investir mais no profissionalismo dos quadros técnicos da administração pública, na adoção de boas práticas de integridade e de governança, nos controles e nas auditorias internos e na radicalização da transparência. Cabe destacar, ainda, a importância de, humildemente, se ouvir a voz dos pesquisadores, dos cientistas, das universidades, das organizações sociais; de cultivar a empatia, sem a ira cega de quem oferece supostas soluções salvadoras unicamente ao sabor das suas convicções ideológicas, não importando aqui o seu campo.

Recursos expressivos, mas sempre insuficientes diante da situação de calamidade pública, estão sendo mobilizados (por governos e organizações privadas), direcionados à recuperação dos Municípios e à assistência dos vitimados pela catástrofe. Há uma frase antiga, segundo a qual os responsáveis pela tomada de decisões costumam dar muita importância ao custo de fazer, mas nem sempre têm a visão estratégica de identificar o custo de “não fazer”. Sobre isso, haverá tempo para se esquadrinhar o que não foi feito (e que deveria ter sido executado), sua dimensão financeira e, de outro lado, os montantes necessários para tratar dos danos agora causados (nas múltiplas dimensões). Será preciso identificar com clareza as ações omissivas e comissivas e as respectivas responsabilidades.

Nessas circunstâncias, descortina-se mais do que nunca a relevância de instituições fortes para cuidar da segurança pública (que, em regra, é fortemente estressada nessas ocasiões), da saúde e da assistência, da limpeza urbana, das políticas econômicas e sociais; enfim, da democracia e do princípio republicano. Instituições essas também indutoras do princípio da solidariedade e de soluções consensuais, tal como observado na parceria estabelecida entre Judiciário, Ministério Público e Registradores do Estado. Em ação rápida e eficiente, cuidou-se de agilizar a emissão gratuita da segunda via de certidão de nascimento de estudantes dos prédios atingidos pelas águas, devolvendo esse “patrimônio” que se traduz em dignidade e permitindo aos alunos o retorno ao tão necessário convívio escolar. Assim também o Programa “Recomeçar é Preciso!”, resultado da cooperação entre entidades públicas, voltado à entrega de cópias de certidões de nascimento e de casamento às vítimas das enchentes.

Noutra perspectiva, grande relevância tem o papel dos Tribunais de Contas (do Estado e da União, no caso, porque suas competências vão coexistir em face da alocação de verbas locais e de recursos do Governo Federal) em prol da publicidade e do controle dos recursos destinados à recomposição dos espaços afetados, de modo que não se verifiquem excessos e que sejam fiscalizadas a legalidade do gasto, a economicidade e a efetividade. Em uma situação como a enfrentada, em que colapsam sistemas de comunicação e de transporte, na qual estruturas governamentais operam de modo precário e a desinformação acaba minando a confiança, o risco de violação das normas reguladoras da atividade administrativa aumenta sob o manto da “emergência”, sendo fundamentais as ações do controle externo, não somente na prevenção como na responsabilização de gestores em casos de malversação de recursos públicos.

A propósito, Rui Barbosa, ao discorrer sobre a natureza jurídica do Tribunal de Contas, reconhece-o como “uma instituição de caráter em grande parte judiciário e político, destinado, por sua índole, a sentenciar em assuntos da mais alta gravidade e a servir de sólido dique aos abusos administrativos nos negócios financeiros”. Que esse “dique”, inspirada e precisa figura utilizada pelo Patrono das Casas de Contas, tenha a eficácia que faltou a algumas das contenções da nossa Capital.

É fundamental, pois, que os Tribunais de Contas continuem atuando como barreira a eventuais abusos na administração de recursos tão caros à população arrasada pelas enchentes. Mas não somente isso. Que prossigam acompanhando e avaliando o conjunto das políticas públicas, sendo inevitável se lembrar daquelas voltadas à proteção do meio ambiente (e a ocupação do solo ganha relevo), a partir da implementação da educação ambiental – Lei Federal nº 9.795/1999, foco estabelecido pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) ainda em 2022. E, nesse ofício, recomendando ou determinando medidas corretivas e preventivas (incluindo os protocolos de gestão de crise e de socorro à população). Na mesma proporção, que os órgãos de controle externo permaneçam como suporte ativo, de modo que os gestores possam contar com orientação e segurança jurídica em suas decisões no contexto da crise. Com esse objetivo, aliás, foi produzida pelo TCE-RS a cartilha “Calamidade Pública nos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul: Perguntas e Respostas”, disponível através do link https://cloud.tce.rs.gov.br/s/sBnYQZf6xtQwfED. A destacar, igualmente, o “Programa Recupera Rio Grande do Sul”, do Tribunal de Contas da União, acessível em https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-institui-programa-recupera-rio-grande-do-sul.htm.

Ainda na fala de Olshansky, é no exato momento vivido, de reconstrução após desastres, que costumam ocorrer as maiores mudanças e avanços rumo a cidades mais bem preparadas e resilientes. “Oportunidade” é outra forma de vocalizar essa formulação. E ela não pode ser desperdiçada, sobretudo no cuidado que o Estado precisa dedicar a quem menos ou nada tem. Se tudo agora soa prioritário, tenhamos o cuidado de, mormente na assistência humanitária, não descuidar daqueles que, historicamente, já ficavam à margem.

Destacou-se aqui o quanto se fazem imprescindíveis instituições robustas. Outro ator sempre relevante para o regime democrático é a imprensa livre. Na calamidade, sua atuação ágil, técnica e eficiente, prestando serviços e dando visibilidade do nosso tormento ao país e ao mundo foi – e continuará sendo – relevante. Mesmo com a água invasora desalojando estúdios, redações e impressoras, destemidos e solidários profissionais literalmente colocaram os pés na lama para informar, orientar e acalentar.

O que vivemos nestes dias turvos na terra “onde tudo o que se planta cresce” tem a mão da natureza e muito da (falta da) mão humana em aspectos relacionados ao planejamento, às escolhas feitas, à prevenção, às respostas do momento. Não será fenômeno único e, assim, há um ensinamento a ser recolhido no fazer que a cada um de nós é reservado, sobretudo por quem solenemente prometeu defender a Constituição e o bem-estar da sua gente quando investido.

Cientes de que se trata de um processo lento e doloroso, e que diferentes variáveis impactam na reconstrução do Estado, demandando investimentos nacionais robustos e muito bem geridos, será preciso seguir com vigor no associativismo e na cooperação (a propósito, o RS é o berço do cooperativismo brasileiro). Colocar ênfase no diálogo com as instituições e a sociedade, pelo caminho da boa administração pública, é essencial para a afirmação dos direitos da pessoa humana, de uma convivência fraterna e do desenvolvimento sustentável.

Cantamos com orgulho, num dos nossos hinos populares, que, aqui, “o que mais floresce é o amor”. E ele tem se manifestado de tantas formas, vindas de inúmeras fontes, que deve ser nosso compromisso trazer de volta “campos florindo e crianças sorrindo felizes a cantar”.

Lembrando de outra letra icônica, “meu canto, eu sei, há de se ouvir por todo meu país”. Será para agradecer, a cada dia, pelo comovedor cuidado do Brasil com “as gaúchas e os gaúchos de todas as querências”.

Opinião por Cezar Miola

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