O fim do drama fiscal brasileiro passa pela costura dos dois lados de nosso curto cobertor orçamentário. A ponta das despesas é abordada pelo Governo 'no atacado', sobretudo por meio de uma urgente reforma previdenciária.
Na ponta das receitas, enquanto na escala macro a (qual?) reforma tributária patina, acelerando em ponto morto, medidas de 'varejo' têm sido adotadas em paralelo, tal como tem acontecido em outros dos chamados 'ministérios técnicos' - destaques para Justiça e Infraestrutura - apesar das intrigas palacianas.
Uma dessas iniciativas foi delineada pela Medida Provisória (MP) n. 899/19, publicada em 17/10/19. Seu texto regulamenta o art. 171 do Código Tributário Nacional (CTN), que possibilita a transação em matéria tributária.
A viabilização de acordos entre fisco e pagadores de impostos não é uma demanda inovadora: é propagada há tempos pelos setores especializados, mas nunca contou com vontade institucional suficiente.
Um Ministério da Economia de DNA liberal parece enfim disposto a atribuir efetividade - normativa e prática - à previsão do artigo 171 do CTN.
Caso vingue na prática, a MP proporcionará a empresas e pessoas físicas a oportunidade de quitar débitos tributários com descontos combinados previamente entre as partes (particular e fisco).
O texto prevê três modalidades de transação:
- (1) individual ou por adesão, quanto a débitos já inscritos em dívida ativa,
- (2) por adesão, para os demais débitos em contencioso administrativo ou judicial, e,
- (3) também por adesão, para o contencioso envolvendo débitos de baixo valor.
O texto se cerca de algumas cautelas: proíbe, por exemplo, a concessão de reduções, via transação, de valores de tributo (principal) ou de multas qualificadas (casos de fraude, sonegação, etc.).
Do ponto de vista do Estado, a intenção das regras é atribuir eficiência prática à máquina de arrecadação da massa de créditos da União Federal, notoriamente falha e morosa por uma série de razões.
Do ponto de vista dos particulares, o sucesso da MP viabilizará maior regularização tributária com descontos significativos, pré-estabelecidos ou até mesmo negociados.
Trata-se de tentar uma 'paz possível' entre fisco e contribuintes.
Há quem jogue contra.
Dois são os argumentos mais comuns historicamente levantados contra a transação em matéria fiscal: de um lado, a indisponibilidade do dinheiro público, e, de outro lado, a possibilidade de multiplicação de situações concretas de injustiça.
No primeiro caso, alega-se que o Governo não poderia simplesmente desistir da recuperação de créditos que devem ser revertidos em prol da população.
Na segunda hipótese, o que se diz é que, sobretudo em transações 'individuais' (contribuinte por contribuinte), é possível que um deles obtenha condições mais favoráveis que o outro.
São perspectivas tão válidas quanto seus contrapontos.
O essencial, contudo, é que a realidade do País faz com que os riscos valham a pena.
A atual estrutura de cobrança, rígida, implacável e igual para todos, se mostrou distópica: o que produziu foi frouxidão, demora e vantagem comparativa para os devedores que têm condição de arcar com defesas muitas vezes protelatórias.
É preciso flexibilizar o sistema, podendo-se falar mesmo na urgência de uma 'reforma arrecadatória' cujo pontapé inicial seja justamente a MP n. 899, da qual espera-se, porém, que não vingue a possibilidade de a Fazenda requerer a falência daquele que descumpra o acordo - sanção excessiva e desproporcional.
A aplicação da nova MP depende ainda de regulamentação por parte do Ministério da Economia e da PGFN, mas suas intenções são saudáveis.
Fala-se em um potencial de recuperação de créditos da ordem de 1 a 2 trilhões de reais.
Que seja metade ou menos. O fundamental é que o plano funcione na prática e que proporcione uma modernização duradoura e produtiva do sistema de arrecadação nacional, se possível a ponto de ser copiada por Estados e Municípios.
No cenário atual, não fazer nada é insistir no erro.
*Matheus Curioni é bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo, Largo São Francisco. É advogado associado do CSMV Advogados, atuante em Direito Tributário nas áreas de consultoria e contencioso.