As palavras, tanto na forma oral quanto na escrita, de uns tempos para cá, vêm causando sérios problemas, notadamente para os homens.
É comum, no ambiente de trabalho, seja na esfera pública ou na privada, flertes com um colega de trabalho (homem ou mulher). E, a depender da hipótese, notadamente por quem é mais sensível ou suscetível a influências, confundir mera paquera ou flerte com assédio sexual, conduta esta criminosa e inadmissível.
E qual a diferença?
Há de se tomar cuidado, já que, não raras vezes, um mero convite para sair e tomar um chopp ou ir a um restaurante poderá dar a entender cuidar-se de assédio e não flerte ou paquera.
Assédio sexual é crime contra a dignidade sexual e vem previsto no artigo 216-A do Código Penal com a seguinte redação: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função: Pena – detenção, de um a dois anos”.[1]
Pode ser praticado pelo homem e pela mulher e ter como vítima ambos os sexos, malgrado seja mais cometido pelo homem em razão de sua natureza própria do sexo masculino. Além disso, o autor do delito deverá possuir superioridade hierárquica ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função em relação à vítima.
De uma maneira bem simplista, subordinação hierárquica é concernente ao exercício de cargo ou função (setor público), ascendência está ligada ao exercício de emprego (setor privado).
Como o tipo penal exige que o agente se prevaleça de seu poder de mando, seja na esfera pública ou na privada, não é possível o assédio sexual envolvendo empregados ou funcionários de igual escalão, ou quando o empregado “assedia” o patrão ou outro empregado de maior autoridade.
Embora existam opiniões em contrário, não vejo como a relação entre professor e aluno possa configurar o delito, que exige superioridade hierárquica ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, que não ocorre no caso. Pelas mesmas razões, não é possível o assédio sexual entre ministro religioso e fiel.
A conduta típica consiste em constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Constranger tem o significado de obrigar ou forçar a vítima a fazer, deixar de fazer ou permitir que se faça algo.
Para que consiga o constrangimento, o sujeito deverá prevalecer-se de sua superioridade hierárquica (setor público) ou ascendência profissional (setor privado).
Não é exigida ameaça explícita, pois a mera condição do sujeito ativo é apta a influenciar no ânimo da vítima, que se vê constrangida a fazer, deixar de fazer ou permitir que se faça algo. Assim, poderá caracterizar o delito o simples convite do patrão à empregada para jantar a sós em sua residência, dando a entender que a negativa resultará retaliação.
Por outro lado, mesmo a ameaça justa, como a motivada despedida do emprego, poderá configurar o delito se houver o constrangimento (no caso de crime consumado), ou se o modo de execução for apto para tanto (no caso de crime tentado).
Por óbvio, a ameaça injusta também é apta a configurar o assédio, como, quando há promessa de influenciar o diretor ou gerente a não promover a vítima de posto.
O assédio pode dar-se por qualquer meio (palavras, gestos, cartas etc.). Entretanto, havendo violência ou grave ameaça para o constrangimento ao ato sexual, o crime será o de estupro.
O intuito do agente ao proceder ao constrangimento deve ser a obtenção de vantagem ou favorecimento sexual de quaisquer espécies (elemento subjetivo do tipo). Vantagem significa ganho ou benefício, enquanto favorecimento quer dizer agrado. São termos correlatos, sendo muito difícil diferenciá-los na análise do caso concreto. Basta, portanto, para a configuração do delito, que a intenção do agente seja a obtenção de benefício sexual.
São exemplos desse crime, o convite do delegado à investigadora para irem a um motel, sob pena de transferência do local de trabalho; os afagos feitos no corpo da secretária pelo patrão, quando aquela se vê obrigada a aceitá-los com justo receio de despedida do emprego.
O crime se consuma com o constrangimento, independente da obtenção da vantagem ou favorecimento sexual, que é exaurimento do delito (crime formal). Admite-se a tentativa quando, nada obstante a conduta do agente, a vítima não é constrangida por circunstâncias alheias à vontade daquele.
Dá para perceber a clara diferença entre uma mera paquera ou flerte com assédio sexual; no entanto, tem se tornado comum, até mesmo com outras intenções não nobres, acusar o chefe ou algum superior hierárquico de assédio sexual e lançar o fato na imprensa, onde os danos causados à honra e a imagem do pretenso autor do fato são terríveis e dificilmente serão reparados.
Por isso, muito cuidado ao paquerar alguém do emprego, notadamente se houver ascendência hierárquica ou profissional, lembrando que há forte corrente doutrinária e jurisprudencial de que pode haver assédio sexual entre professor e aluno, o que é comum ocorrer.
A situação pode se complicar ainda mais quando o agente, que pode ser homem ou mulher, apalpa ou toca de algum modo a vítima, que também pode ser de qualquer sexo, com o intuito de satisfação de sua libido (prazer sexual). Neste caso, incide o disposto no artigo 215-A do Código Penal, que trata do crime de importunação sexual, inserido no Código Penal pela Lei nº 13.718/2018, que entrou em vigor em 25 de setembro de 2018. Diz o tipo penal: “Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena – reclusão, de um a cinco anos, se o ato não constitui crime mais grave”.
Para a caracterização deste delito, o ato libidinoso, que é aquele lascivo ou voluptuoso, deve ser praticado contra a vítima, que é pessoa determinada, e sem a sua aquiescência. Assim, havendo a concordância da vítima, o fato é atípico (não constitui crime).
Do mesmo modo que ocorre no crime de estupro, há necessidade de que advenha contato corporal com a vítima que vise à satisfação da lascívia do agente, de forma que o simples fato de falar frases obscenas para ela não se amolda ao tipo penal.
A lei não limita a espécie de ato libidinoso que pode ser praticado pelo agente. Porém, por impropriedade lógica, algumas espécies de ato libidinosos não são passíveis de ser praticados sem a concordância da vítima, como a conjunção carnal, sexo anal ou oral. Nesses casos, ou haverá constrangimento para a realização do ato libidinoso por meio de violência ou grave ameaça, configurando-se o estupro, ou o fato será atípico pela concordância da vítima. Entretanto, no caso de a concordância para a prática do ato libidinoso ser obtida mediante fraude, o crime será o de violação sexual mediante fraude (art. 215 do CP).
Por outro lado, sendo a vítima menor de quatorze anos ou portadora de enfermidade ou de deficiência mental, que não lhe propicie o necessário discernimento em matéria sexual, mesmo que consinta com o ato, responderá o agente pelo delito previsto no art. 217-A do Código Penal (estupro de vulnerável). Isso porque, de acordo com a referida norma legal, pessoas nessas condições não podem validamente consentir em matéria sexual. O mesmo ocorrerá quando a vítima não puder, por qualquer outro meio, oferecer resistência, como quando está embriagada ou sob o efeito de hipnose.
A finalidade do agente é a satisfação da própria lascívia ou a de terceiro (elemento subjetivo do tipo). No caso de o terceiro realizar o ato libidinoso em conjunto com o agente, será coautor do delito.
O tipo é meramente subsidiário e somente será aplicado se não constituir crime mais grave, como o estupro (art. 213 do CP).
A diferenciação deste delito com o de estupro é a ausência de violência ou de grave ameaça. Ademais, é o agente que pratica o ato libidinoso contra a vítima, que tem atitude passiva. Ela não é constrangida por meio de violência ou grave ameaça a realizar o ato libidinoso, que caracterizaria o estupro, mas é objeto dele.
Como essa modalidade de delito pode não deixar vestígios, não se faz necessária a prova pericial. Assim, a palavra da vítima é suficiente para demonstrar a materialidade delitiva, desde que convincente, segura e não contrariada por prova em contrário.
Podemos citar como exemplos do delito a passada de mão nos seios ou nádegas, o ato vulgarmente conhecido como “encoxar” a vítima em veículo de transporte coletivo, dentre outras condutas análogas, sempre praticadas com o propósito de satisfazer a concupiscência do agente ou de terceira pessoa, sem a autorização da vítima.
O crime estará consumado com a prática do ato libidinoso contra a vítima e sem a sua anuência, independentemente da satisfação da lascívia do agente ou a de terceiro, que é exaurimento do delito (crime formal).
Assim, todo cuidado é pouco quando se tratar de paquera ou flerte, notadamente no ambiente de trabalho, e é impensado qualquer toque mais íntimo em homem ou mulher sem a sua aquiescência, que poderá caracterizar crime, com consequências bem severas para o infrator.
[1] O tipo penal possui um defeito de técnica legislativa. É que o verbo do tipo é “constranger”, mas não há um complemento. O constrangimento é sempre a alguma coisa, como ocorre no delito de constrangimento ilegal, extorsão e estupro, embora no tipo não haja menção à violência ou grave ameaça. No caso, o complemento não existe, já que o intuito de obtenção de vantagem ou favorecimento sexual é elemento subjetivo do tipo. A única maneira de interpretarmos o dispositivo é como se fosse um constrangimento ilegal específico em que a intenção do agente é dirigida à obtenção de vantagem ou favores sexuais de qualquer ordem.