Uma Evoque, um Audi Q-5, um Corolla, uma Frontier e uma CR-V. Cinco veículos comprados em leilões realizados em um mesmo mês, por um valor total de R$ 323 mil. Esses foram os pivôs da condenação do juiz Guilherme da Rocha Zambrano, substituto na 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, à pena de aposentadoria compulsória, com holerite proporcional ao tempo de serviço. A avaliação foi a de que o magistrado incorreu em atos de comércio, com a participação ‘sistemática’ em leilões de automóveis e a constituição de uma sociedade comercial, em violação à Lei Orgânica da Magistratura.
A pena aplicada a Zambrano é a mais ‘dura’ entre as previstas na Lei maior dos magistrados. Ela foi imposta pelos integrantes do órgão Especial do Tribunal Regional do Trabalho no último dia 1º. Quatro dias depois, o presidente do TRT-4, Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa determinou o afastamento imediato de Zambrano de suas funções, sem prejuízo de seus vencimentos, até a efetivação da aposentadoria compulsória. Em fevereiro, o subsídio bruto do magistrado, sem considerar indenizações e adicionais, foi de R$ 35 mil.
Os magistrados também impuseram ao juiz de primeiro grau duas outras penas, de censura. Isso porque o procedimento disciplinar aberto contra Zambrano versou também sobre a participação do magistrado em um leilão do TRT-4 e usou o certificado digital pago pela Corte para assinar documentos pessoais.
O magistrado pediu ao Órgão Especial que declarassse a nulidade do processo administrativo disciplinar, sob alegações de que o processo teria partido de um denunciante oculto e de que haveria suspeição de desembargadores.
No mérito, Zambrano sustentou a ‘inexistência de irregularidade na aquisição de veículo’ em leilão público. Sustentou ser infundada a alegação de que exerceu atividade profissional paralela e apontou ‘não ter havido exercício de advocacia em causa própria’. Também argumentou que usou certificado digital do tribunal somente para assinar petição e recurso, um ‘fato isolado descabido de qualquer relevância para atrair penalidade’.
A relatora do caso foi a desembargadora Ana Luiza Heineck Kruse, que analisou uma a uma as imputações feitas pelo magistrado, a começar pela acusação de suposta conduta vedada - a participação de Zambrano em um leilão promovido pelo tribunal a que ele é vinculado.
Segundo os autos, o magistrado comprou uma Land Rover Range Rover Evoque Dynamic SD modelo 2012/2013 por R$ 98 mil em um leilão promovido pela 3ª Vara do Trabalho de Sapiranga. A hasta pública foi realizada em 10 de maço de 2022.
Ana Luiza Heineck Kruse anotou que o Conselho Nacional de Justiça vedou vedou a participação de magistrado em hastas públicas no âmbito do Tribunal a que está vinculado, em 2006. Segundo a desembargadora, trata-se de uma ‘proibição absoluta’ e Zambrano recebeu um lembrete da mesma, em 2013, quando o TRT circulou um e-mail sobre a proibição, também da participação de cônjuge de magistrado em leilão.
“Não cabe à nenhuma pessoa alegar o desconhecimento da lei, muito menos um magistrado que foi notificado de entendimento emanado do Conselho Nacional de Justiça. É inaceitável a escusa pelo desconhecimento do regramento ou pelo entendimento pessoal de que a conduta era autorizada, a despeito da orientação do CNJ”, anotou.
Segundo a relatora, o magistrado descumpriu determinação do CNJ, embora dela tivesse pleno conhecimento. Em sua avaliação a compra em leilão promovido pelo Tribunal a que o juiz estava vinculado, segundo o CNJ, viola o Código de Processo Civil, e consequentemente o ‘dever de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular’.
Ainda de acordo com a desembargadora, o juiz participou de pelo menos outros quatro leilões, promovidos por seguradoras, em fevereiro e março de 2022. As aquisições geraram a segunda penalidade de Zambrano - de aposentadoria compulsória - porque o Órgão Especial do TRT-4 entendeu que elas serviriam para compor o capital social de uma sociedade firmada pelo magistrado.
Segundo Kruse, o ‘magistrado praticou atos de comércio, ao adquirir veículos em leilões, formar sociedade, entregar os veículos para compor o capital e cumprir o próprio objeto da sociedade, praticando atos ostensivos de defesa do patrimônio social, correspondentes à atuação que não se limita à de um sócio meramente participante’.
Os veículos no centro do imbróglio são:
- Corolla 2013/2014 comprado por R$ 37.275,00;
- Caminhonete Nissan Frontier SE 25 X4 comprado por R$ 56.910,00;
- Audi Q5 225 CV 2015/2016 comprado por R$ 84.525,00;
- Caminhonete Honda CR-V LC 2012 comprado por R$ 46.200,00
O magistrado chegou a sustentar que ele usa a Evoque (comprada em hasta pública) e sua mulher o Audi Q5. Já o Corolla foi cedido para seu irmão e a Frontier para uma tia, narrou ainda o juiz. Por fim, a CR-V estaria em ‘disputa com adquirente do veículo em negócio’ feito com o sócio de Zambrano.
No entanto, a relatora destacou como o contrato da sociedade firmado pelo juiz diz que o capital da empresa será constituído pela capitalização de lucros decorrentes da venda dos veículos ou disponibilização em conta bancária. “Se os veículos foram adquiridos pelo magistrado para venda, sem o que a sociedade não se capitalizaria, tampouco cumpiria seu objeto social, que envolve a venda de veículos”, anotou.
A magistrada viu ‘desvirtuamento do objetivo da sociedade’. “A participação sistemática em leilões (compra de cinco veículos em menos de um mês) e a constituição da sociedade em conta de participação evidenciam atividade exercida de forma profissional e organizada e não meros atos isolados, não se cogitando de que seja necessário o desenvolvimento da atividade por vários anos para que seja considerada habitual e não meramente eventual”, frisou.
O órgão Especial do Tribunal trabalhista ainda constatou que Zambrado usou certificado digital pago pelo Tribunal para ‘atividades estritamente particulares, inclusive tidas por irregulares’. Segundo Kruse, ele uso o certificado não só para assinar o auto de arrematação da Evoque e solicitar a carta de arrematação da mesma, mas também para firmar o contrato de sociedade e outras avenças.
“Não se trata de mera negligência, mas de procedimento incorreto, vinculado a atividade irregulares e reiterado”, frisou a desembargadora.
COM A PALAVRA, GUILHERME ZAMBRANO
A reportagem busca contato com o magistrado. O espaço está aberto para manifestações.