Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Áudio da ‘rachadinha’: siga os atalhos de Bolsonaro e Ramagem para livrar Flávio Bolsonaro


Gabinete de segurança Institucional, reclamação no STF, Receita, ‘guerra no Rio’, os caminhos que o ex-presidente e o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência discutiram na reunião de agosto de 2020

Por Pepita Ortega
Atualização:
O ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem Foto: MARCOS CORREA/PR

Durante a reunião de uma hora e oito minutos, o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência Alexandre Ramagem, o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno e as advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach discutiram três caminhos para uma eventual anulação do inquérito das ‘rachadinhas’, que mirou o senador Flávio Bolsonaro.

Os atalhos aventados no encontro, realizado em agosto de 2020, um mês após a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz - peça-chave no inquérito - envolviam três órgãos: o GSI, o Supremo Tribunal Federal e a Receita.

continua após a publicidade

Após serem debatidos pontos como a exposição de integrantes do governo Jair Bolsonaro e a “temeridade” em acessar a Justiça, a estratégia escolhida foi acionar a Receita contra os auditores responsáveis pelo documento que colocou os investigadores no encalço do filho 01 do ex-presidente.

Seu navegador não suporta esse video.

Gravação de uma hora e oito minutos foi apreendida pela PF na Operação Última Milha, que desmontou a 'Abin paralela'

Em nota, a advogada Luciana Pires disse que sua atuação na reunião “se deu de forma técnica e nos estritos limites do campo jurídico”. Ramagem disse que Bolsonaro sabia da gravação e que o ex-presidente “sempre se manifestou que não queria jeitinho e muito menos tráfico de influência”. Sobre a divulgação do áudio, o senador Flávio Bolsonaro disse que a “montanha pariu um rato”. A defesa de Bolsonaro disse que a conversa “só reforça o quanto o presidente ama o Brasil e o seu povo”.

continua após a publicidade

A gravação da reunião mostra que as advogadas de Flávio chegaram ao encontro com a proposta de que o Serviço Federal de Processamento de Dados produzisse “provas” sobre uma suposta devassa ilícita na vida de Flávio. A gravação indica que Ramagem - hoje no olho do furacão do inquérito da ‘Abin paralela’ - apontou qual seria “o caminho correto de averiguar uma possível vulnerabilidade” no inquérito.

O áudio tornado público nesta segunda, 15, reforça as suspeitas da PF de que a Abin paralela foi usada para apoiar a defesa de Flávio no inquérito das ‘rachadinhas’.

Além da gravação, encontrada no celular de Ramagem, a corporação encontrou documentos endereçados ao ‘presidente’, com orientações sobre o caso das rachadinhas. Descobriu, ainda, que o ex-chefe da Abin teria determinado o monitoramento de três auditores fiscais autores do Relatório de Inteligência Financeira, documento que detalhou movimentações de Flávio.

continua após a publicidade

A ação clandestina era “urgente” e foi determinada “seguindo o modus operandi da organização criminosa para descobrir ‘podres e relações políticas’ dos auditores”, segundo a PF.

O levantamento ilegal deveria ser “jogado num word somente”. Segundo a PF, as diligências foram realizadas em novembro de 2020 - três meses após a reunião com Bolsonaro, Heleno e as advogadas, e os achados foram repassados a Ramagem em dezembro daquele ano.

Diálogo entre auxiliares de Ramagem sobre monitoramento de auditores da Receita Foto: Polícia F
continua após a publicidade

A nota divulgada pela advogada Luciana Pires indica que a estratégia de questionar a conduta dos auditores se concretizou. “Protocolamos a petição mencionada nos diálogos formalmente, nos órgãos competentes, com vista a obter informações acerca do acesso ilícito aos dados pessoais do Senador Flávio Bolsonaro e, diante do seu indeferimento, impetramos um habeas data, que era o remédio processual adequado àquela ocasião, o qual hoje se encontra sob recurso”, afirmou.

Além de mostrar todas as estratégias que foram aventadas pela defesa de Bolsonaro, a gravação da reunião revelou alguns detalhes do caso: a reclamação de Bolsonaro ante o fato de seu filho ficar acuado por indícios derivados da Operação Furna da Onça; a preocupação com um eventual vazamento ou gravação das estratégias que ali eram discutidas; e até uma suposta promessa do ex-governador Wilson Witzel para acabar com o inquérito em troca de uma vaga no STF.

Confira, ponto a ponto, os caminhos discutidos na reunião gravada por Ramagem:

continua após a publicidade

‘Guerra no Rio de Janeiro’ e a ‘organização criminosa’ na Receita

Durante a conversa as advogadas de Flávio se referem ao caso Queiroz como uma “guerra no Rio de Janeiro”. “É uma guerra do habeas corpus, a questão do foro, que deveria ser uma coisa óbvia. Mas não é. Porque é o filho do presidente”. Alegam que o “que acontece com o senador nunca aconteceu com nenhum parlamentar em nenhum lugar, muito menos no Rio de Janeiro” e dizem ter chegado à conclusão de que o “RIF do Flávio foi encomendado”.

Então, as defensoras passam a sustentar, diante de Bolsonaro, que existiria uma “organização criminosa” dentro da Receita com o objetivo de “destruir desafetos e inimigos que elegerem politicamente ou questões financeiras”. Segundo as advogadas, esse grupo “têm uma blindagem de diversas instituições”, como o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro.

continua após a publicidade

“Eles aparalharam a república para poder fazer esse tipo de coisa. É basicamente triste. É, o senhores estão sendo atacados pelo quinto escalão. Fazendo informações da tua vida inteira, dos seus assessores. Eles olham o que interessa e bão em cima para a imprensa. Hoje apareceu do Fred, que fala de valores que ele recebeu nos Estados Unidos”

O pedido ao GSI

É nesse contexto que as advogadas aventam um primeiro caminho para operacionalizar a aventual anulação do inquérito das rachadinhas. Dizem que estão fazendo um pedido “especialmente” para o Gabinete de Segurança Institucional, para uma averiguação dos sistemas de inteligência que atendem à Receita. O pedido deveria ser encaminhado ao Sepro, indicam.

Heleno chega a questionar se o pedido já foi feito. A advogada de Flávio responde: “Estou pedindo, estou trazendo hoje”. O general replicou: “Estou comendo mosca”.

A tese das advogadas é a de que o grupo do qual elas suspeitam usaria um ‘manto de invisibilidade’ - uma senha encomendada que torna “indetectável” o acesso por eles. “Senha master, né”, completa Ramagem. A ideia das defensoras de Flávio era a de, através da investigação do Sepro, obter as “senhas invisíveis” e com isso anular o RIF do senador. “A gente consegue anular tudo”, frisam.

A advogada questiona como “o RIF do Flávio brotou” no Ministério Público. Diz que o caso de Flávio “teve uma proporção maior, mas não é isolado”. “Aparece o RIF do nada do Flávio e começam essa devassa na vida dele, busca e apreensão, prisão do Queiroz, do nada”, diz Luciana.

O general da reserva Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

‘A gente quer essa prova; Qual é a prova possível de ser produzida?’

Dizem que não tem nenhuma prova de que foi feito isso com o Flávio. “A gente quer essa prova. Qual é a prova possível de ser produzida? O Serpro, ele produz. Um relatório. Chama apuração especial do Serpro. O Serpro consegue levantar todos os acessos que foram feitos antes do início da investigação”

“Se você pede a apuração especial do Serpro, aparecem todos esses acessos que foram feitos, ou seja, você demonstra que não houve uma investigação como deveria ser feita. É uma investigação completamente ilegal, inconstitucional e passível de nulidade de todos os pontos. Todos os pontos a gente consegue anular, entende?”, diz Juliana.

As advogadas citam, então, dois casos que poderiam servir como uma espécie de precedente para a investida. Um deles é o de uma sentença do juiz Itagiba Catta Preta Neto, da Justiça Federal de Brasília, que, segundo Pires, “determinou uma apuração especial do Serpro e lá ele consegue detectar essas senhas invisíveis”. “A sentença dele tá aí, a sentença diz que a perícia constatou que os dados foram inseridos posteriormente”

‘A gente consegue anular a Furna da Onça de um modo geral’

A intenção da dupla é a de que a apuração do Serpro, em relação ao Flávio, beneficiasse ainda outros investigados - “família toda do Flávio”. “Porque a partir do momento que a gente tem essa apuração, uma dessas aqui do Flávio, a gente consegue pedir a nulidade disso tudo. E a gente não consegue pedir só a nulidade do caso do Flávio”.

“A grande questão é quando falar o seguinte. Ah, que o presidente da República está querendo se utilizar da estrutura da presidência para defender o filho, só que esse caso aqui, isso que a gente descobriu. Pode beneficiar, de uma forma ou de outra, todas as pessoas que foram atacadas. Então não dá para dizer que é uma coisa partidária, ideológica. A atuação do GSI. Então com isso a gente consegue anular a Furna da Onça de um modo geral.”

Foi então que o ex-presidente Jair Bolsonaro reclamou da investigação sobre seu filho 01. “O maior culpado na Furna da Onça é o Flávio”.

‘Outra opção sem ser GSI é reclamação no Supremo’

O segundo caminho cogitado pela defesa de Flávio é citado como uma opção para “fazer sem ser através do GSI”. A solução seria entrar com uma reclamação no STF e, em tese, o relator do pedido seria o ministro Gilmar Mendes.

“É temerário. Eu não sei qual a relação que ele tem com essas pessoas. Eu acho que ele vai deferir. Pedir uma apuração especial do Serpro, para dizer o seguinte: olha, pode começar sim uma investigação através de relatórios ajudando o Coaf, mas as comunicações são formais, transparentes, não é você mandar por e-mail sem passar pelo Judiciário”

Após essa abordagem, o então chefe da Abin Alexandre Ramagem fez uma primeira intervenção mais forte na reunião. Ele prega uma análise contundente sobre a questão dos auditores responsáveis pelo RIF do Flávio e então cita a “promiscuidade entre Ministério Público e Receita”.

O hoje deputado federal e pré-candidato à Prefeitura do Rio explicou porque o caminho do GSI não “seria o mais correto”. Segundo Ramagem, se a defesa de Flávio acionasse o GSI, Heleno seria “crucificado”, como “pessoalidade em prol” do senador. “Acredito que não seja o melhor caminho, mesmo cm previsão legal. Nesses juízos de exceção que está tendo no STF agora a previsão legal não quer dizer nada”.

Como mostrou o Estadão, Ramagem passa a indicar o caminho que a defesa do senador Flávio Bolsonaro deveria seguir para aventar nulidades no inquérito das ‘rachadinhas’. Tenta desvincular o então secretário da Receita José Barroso Tostes Neto da suspeitas levantadas pelas advogadas, “Ele não está vinculado. Um cara sério”

‘É o caso de conversar com o chefe da Receita’

Logo após a primeira menção nominal a Tostes, Bolsonaro afirma que “é o caso de conversar com o chefe da Receita”. “Ninguém está pedindo favor aqui. É o caso de conversar com o chefe da Receita. O Tostes”, o “zero um dos caras”. Em seguida, o ex-chefe do Executivo também sugere uma conversa com Gustavo Canuto, ex-ministro do Desenvolvimento Regional e então presidente da Dataprev. “Sem problema nenhum conversar com ele. Vai ter problema nenhum conversar com o Canuto”, disse Bolsonaro.

Em seguida, a advogada Luciana Pires questiona: “Serpro? Então, ótimo”. A menção à Canuto e uma eventual ligação com a Serpro pode ter sido uma confusão com a Dataprev. “É o caso conversar com o Canuto?” questionou Bolsonaro na ocasião. A advogada de Flávio concordou: “Com um clique. Olha, em tese, com um clique você consegue saber se um funcionário da Receita [inaudível] esses acessos lá.”

Um dia depois da reunião, as advogadas de Flávio se encontraram com Tostes.

Quando as “conversas” estavam em discussão, Bolsonaro, Heleno e as advogadas de Flávio se mostraram preocupados com um eventual vazamento da operação que ali era montada. Heleno diz que era necessário alertar Tostes que ele teria que manter " esse troço fechadíssimo”. Bolsonaro concordou e completou: “Tá certo. E deixar bem claro, a gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa, que não estamos procurando favorecimento de ninguém.”

Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, advogadas de Flávio Bolsonaro, se encontraram com José Tostes em 26 de agosto de 2020 Foto: Câmara dos Deputados

Ao final da reunião, Ramagem frisa que, em sua avaliação, a “melhor saída” para a defesa de Flávio “é dentro da Receita, pegando sério”. “Uma apuração que não tem como voltar atrás. É uma apuração administrativa que se travar, judicializa. Tem que ser lá de dentro”, anotou. Ramagem segue: “Não pode ser do agente político, ministro da economia, tem que ser na receita, mostrando que tem uma notícia para ele, para ele botar para baixo”, seguiu.

Depois, o hoje deputado diz que “compensa conversar” com o Canuto e que seria “mais importante” falar com a Receita. “Eu vou falar, também. Pedir autorização para falar”.

Ao final do áudio, Ramagem frisa: “O que eu acredito é que você tem que construir o caminho, porque é contundente o que vocês estão trazendo. E de chegar na rede correta, no lugar correto, sabendo que vai chegar para poder dar a decisão. E administrativamente, acho que dentro lá da Receita, acho que é o caminho”.

A advogada Luciana Pires chega a defender que o caminho “tem que ser processual” vez que “materialmente a história é muito ruim”. Segundo ela, entrar no mérito, “se fez, não fez”, não é bom. Ramagem completa: “Entrará no administrativo para conseguir depois entrar em jurídico.”

COM A PALAVRA, A ADVOGADA LUCIANA PIRES

Em relação à reunião que tive com o ex-Presidente da República, esclareço que estava na condição de advogada do seu filho, Senador da República. Toda a minha atuação no episódio se deu de forma técnica e nos estritos limites do campo jurídico. Protocolamos a petição mencionada nos diálogos formalmente, nos órgãos competentes, com vista a obter informações acerca do acesso ilícito aos dados pessoais do Senador Flávio Bolsonaro e, diante do seu indeferimento, impetramos um habeas data, que era o remédio processual adequado àquela ocasião, o qual hoje se encontra sob recurso.” Foi, portanto, uma reunião de cunho profissional na qual agi de acordo com as normas que regem a minha profissão.

COM A PALAVRA, ALEXANDRE RAMAGEM

Em vídeo divulgado em suas redes sociais, Alexandre Ramagem disse que Bolsonaro sabia que estava sendo gravado e que havia o aval do então presidente. “Essa gravação não foi clandestina”. Ele disse ainda que o áudio da conversa depois recuperada em seu celular foi descartado. “O presidente sempre se manifestou que não queria jeitinho. Muito menos tráfico de influência.”

Após a abertura da quarta fase da Operação Última Milha, Ramagem escreveu nas redes:

Após as informações da última operação da PF, fica claro que desprezam os fins de uma investigação, apenas para levar à imprensa ilações e rasas conjecturas.

O tal do sistema first mile, que outras 30 instituições também adquiriam, parece ter ficado de lado.

A aquisição foi regular, com parecer da AGU, e nossa gestão foi a única a fazer os controles devidos, exonerando servidores e encaminhando possível desvio de uso para corregedoria. A PF quer, mas não há como vincular o uso da ferramenta pela direção-geral da Abin.

Trazem lista de autoridades judiciais e legislativas para criar alvoroço. Dizem monitoradas, mas na verdade não. Não se encontram em first mile ou interceptação alguma. Estão em conversas de whatsapp, informações alheias, impressões pessoais de outros investigados, mas nunca em relatório oficial contrário à legalidade.

Não há interferência ou influência em processo vinculado ao senador Flávio Bolsonaro. A demanda se resolveu exclusivamente em instância judicial.

A PGR não foi favorável às prisões da operação, mas a Justiça desconsiderou a manifestação.

Há menção de áudio que só reforça defesa do devido processo, apuração administrativa, providência prevista em lei para qualquer caso de desvio de conduta funcional.

Houve finalmente indicação de que serei ouvido na PF, a fim de buscar instrução devida e desconstrução de toda e qualquer narrativa.

No Brasil, nunca será fácil uma pré-campanha da nossa oposição. Continuamos no objetivo de legitimamente mudar para melhor a cidade do Rio de Janeiro.

COM A PALAVRA, A DEFESA DE BOLSONARO

Após a divulgação do áudio, o assessor e advogado de Bolsonaro Fabio Wajngarten saiu em defesa do ex-presidente, dizendo que a conversa “só reforça o quanto o presidente ama o Brasil e o seu povo”. Ele citou especificamente um trecho retirado do áudio no qual Bolsonaro diz que não estaria procurando o favorecimento de ninguém.

COM A PALAVRA, O EX-GOVERNADOR WILSON WITZEL

“Nunca mantive qualquer relação pessoal ou profissional com o juiz Flávio Itabaiana e jamais ofereci qualquer tipo de “auxílio” a qualquer um durante meu governo.

O presidente Jair Bolsonaro deve ter se confundido e não foi a primeira vez que mencionou conversas que nunca tivemos, seja por confusão mental, diante de suas inúmeras preocupações, seja por acreditar que eu faria, a nível local, o que hoje se está verificando que foi feito com a Abin e Polícia Federal. No meu governo a Polícia Civil e militar sempre tiveram total independência e os poderes foram respeitados. A história e tudo o que aconteceu comigo comprovam isso.”

COM A PALAVRA, A DEFESA DE FLÁVIO BOLSONARO

Flávio Bolsonaro disse que nunca teve contato com integrantes da Abin. “Simplesmente não existia nenhuma relação minha com Abin. Minha defesa atacava questões processuais, portanto, nenhuma utilidade que a Abin pudesse ter. A divulgação desse tipo de documento, às vésperas das eleições, apenas tem o objetivo de prejudicar a candidatura de Alexandre Ramagem à prefeitura do Rio de Janeiro”, afirma o senador.

O ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem Foto: MARCOS CORREA/PR

Durante a reunião de uma hora e oito minutos, o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência Alexandre Ramagem, o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno e as advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach discutiram três caminhos para uma eventual anulação do inquérito das ‘rachadinhas’, que mirou o senador Flávio Bolsonaro.

Os atalhos aventados no encontro, realizado em agosto de 2020, um mês após a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz - peça-chave no inquérito - envolviam três órgãos: o GSI, o Supremo Tribunal Federal e a Receita.

Após serem debatidos pontos como a exposição de integrantes do governo Jair Bolsonaro e a “temeridade” em acessar a Justiça, a estratégia escolhida foi acionar a Receita contra os auditores responsáveis pelo documento que colocou os investigadores no encalço do filho 01 do ex-presidente.

Seu navegador não suporta esse video.

Gravação de uma hora e oito minutos foi apreendida pela PF na Operação Última Milha, que desmontou a 'Abin paralela'

Em nota, a advogada Luciana Pires disse que sua atuação na reunião “se deu de forma técnica e nos estritos limites do campo jurídico”. Ramagem disse que Bolsonaro sabia da gravação e que o ex-presidente “sempre se manifestou que não queria jeitinho e muito menos tráfico de influência”. Sobre a divulgação do áudio, o senador Flávio Bolsonaro disse que a “montanha pariu um rato”. A defesa de Bolsonaro disse que a conversa “só reforça o quanto o presidente ama o Brasil e o seu povo”.

A gravação da reunião mostra que as advogadas de Flávio chegaram ao encontro com a proposta de que o Serviço Federal de Processamento de Dados produzisse “provas” sobre uma suposta devassa ilícita na vida de Flávio. A gravação indica que Ramagem - hoje no olho do furacão do inquérito da ‘Abin paralela’ - apontou qual seria “o caminho correto de averiguar uma possível vulnerabilidade” no inquérito.

O áudio tornado público nesta segunda, 15, reforça as suspeitas da PF de que a Abin paralela foi usada para apoiar a defesa de Flávio no inquérito das ‘rachadinhas’.

Além da gravação, encontrada no celular de Ramagem, a corporação encontrou documentos endereçados ao ‘presidente’, com orientações sobre o caso das rachadinhas. Descobriu, ainda, que o ex-chefe da Abin teria determinado o monitoramento de três auditores fiscais autores do Relatório de Inteligência Financeira, documento que detalhou movimentações de Flávio.

A ação clandestina era “urgente” e foi determinada “seguindo o modus operandi da organização criminosa para descobrir ‘podres e relações políticas’ dos auditores”, segundo a PF.

O levantamento ilegal deveria ser “jogado num word somente”. Segundo a PF, as diligências foram realizadas em novembro de 2020 - três meses após a reunião com Bolsonaro, Heleno e as advogadas, e os achados foram repassados a Ramagem em dezembro daquele ano.

Diálogo entre auxiliares de Ramagem sobre monitoramento de auditores da Receita Foto: Polícia F

A nota divulgada pela advogada Luciana Pires indica que a estratégia de questionar a conduta dos auditores se concretizou. “Protocolamos a petição mencionada nos diálogos formalmente, nos órgãos competentes, com vista a obter informações acerca do acesso ilícito aos dados pessoais do Senador Flávio Bolsonaro e, diante do seu indeferimento, impetramos um habeas data, que era o remédio processual adequado àquela ocasião, o qual hoje se encontra sob recurso”, afirmou.

Além de mostrar todas as estratégias que foram aventadas pela defesa de Bolsonaro, a gravação da reunião revelou alguns detalhes do caso: a reclamação de Bolsonaro ante o fato de seu filho ficar acuado por indícios derivados da Operação Furna da Onça; a preocupação com um eventual vazamento ou gravação das estratégias que ali eram discutidas; e até uma suposta promessa do ex-governador Wilson Witzel para acabar com o inquérito em troca de uma vaga no STF.

Confira, ponto a ponto, os caminhos discutidos na reunião gravada por Ramagem:

‘Guerra no Rio de Janeiro’ e a ‘organização criminosa’ na Receita

Durante a conversa as advogadas de Flávio se referem ao caso Queiroz como uma “guerra no Rio de Janeiro”. “É uma guerra do habeas corpus, a questão do foro, que deveria ser uma coisa óbvia. Mas não é. Porque é o filho do presidente”. Alegam que o “que acontece com o senador nunca aconteceu com nenhum parlamentar em nenhum lugar, muito menos no Rio de Janeiro” e dizem ter chegado à conclusão de que o “RIF do Flávio foi encomendado”.

Então, as defensoras passam a sustentar, diante de Bolsonaro, que existiria uma “organização criminosa” dentro da Receita com o objetivo de “destruir desafetos e inimigos que elegerem politicamente ou questões financeiras”. Segundo as advogadas, esse grupo “têm uma blindagem de diversas instituições”, como o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro.

“Eles aparalharam a república para poder fazer esse tipo de coisa. É basicamente triste. É, o senhores estão sendo atacados pelo quinto escalão. Fazendo informações da tua vida inteira, dos seus assessores. Eles olham o que interessa e bão em cima para a imprensa. Hoje apareceu do Fred, que fala de valores que ele recebeu nos Estados Unidos”

O pedido ao GSI

É nesse contexto que as advogadas aventam um primeiro caminho para operacionalizar a aventual anulação do inquérito das rachadinhas. Dizem que estão fazendo um pedido “especialmente” para o Gabinete de Segurança Institucional, para uma averiguação dos sistemas de inteligência que atendem à Receita. O pedido deveria ser encaminhado ao Sepro, indicam.

Heleno chega a questionar se o pedido já foi feito. A advogada de Flávio responde: “Estou pedindo, estou trazendo hoje”. O general replicou: “Estou comendo mosca”.

A tese das advogadas é a de que o grupo do qual elas suspeitam usaria um ‘manto de invisibilidade’ - uma senha encomendada que torna “indetectável” o acesso por eles. “Senha master, né”, completa Ramagem. A ideia das defensoras de Flávio era a de, através da investigação do Sepro, obter as “senhas invisíveis” e com isso anular o RIF do senador. “A gente consegue anular tudo”, frisam.

A advogada questiona como “o RIF do Flávio brotou” no Ministério Público. Diz que o caso de Flávio “teve uma proporção maior, mas não é isolado”. “Aparece o RIF do nada do Flávio e começam essa devassa na vida dele, busca e apreensão, prisão do Queiroz, do nada”, diz Luciana.

O general da reserva Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

‘A gente quer essa prova; Qual é a prova possível de ser produzida?’

Dizem que não tem nenhuma prova de que foi feito isso com o Flávio. “A gente quer essa prova. Qual é a prova possível de ser produzida? O Serpro, ele produz. Um relatório. Chama apuração especial do Serpro. O Serpro consegue levantar todos os acessos que foram feitos antes do início da investigação”

“Se você pede a apuração especial do Serpro, aparecem todos esses acessos que foram feitos, ou seja, você demonstra que não houve uma investigação como deveria ser feita. É uma investigação completamente ilegal, inconstitucional e passível de nulidade de todos os pontos. Todos os pontos a gente consegue anular, entende?”, diz Juliana.

As advogadas citam, então, dois casos que poderiam servir como uma espécie de precedente para a investida. Um deles é o de uma sentença do juiz Itagiba Catta Preta Neto, da Justiça Federal de Brasília, que, segundo Pires, “determinou uma apuração especial do Serpro e lá ele consegue detectar essas senhas invisíveis”. “A sentença dele tá aí, a sentença diz que a perícia constatou que os dados foram inseridos posteriormente”

‘A gente consegue anular a Furna da Onça de um modo geral’

A intenção da dupla é a de que a apuração do Serpro, em relação ao Flávio, beneficiasse ainda outros investigados - “família toda do Flávio”. “Porque a partir do momento que a gente tem essa apuração, uma dessas aqui do Flávio, a gente consegue pedir a nulidade disso tudo. E a gente não consegue pedir só a nulidade do caso do Flávio”.

“A grande questão é quando falar o seguinte. Ah, que o presidente da República está querendo se utilizar da estrutura da presidência para defender o filho, só que esse caso aqui, isso que a gente descobriu. Pode beneficiar, de uma forma ou de outra, todas as pessoas que foram atacadas. Então não dá para dizer que é uma coisa partidária, ideológica. A atuação do GSI. Então com isso a gente consegue anular a Furna da Onça de um modo geral.”

Foi então que o ex-presidente Jair Bolsonaro reclamou da investigação sobre seu filho 01. “O maior culpado na Furna da Onça é o Flávio”.

‘Outra opção sem ser GSI é reclamação no Supremo’

O segundo caminho cogitado pela defesa de Flávio é citado como uma opção para “fazer sem ser através do GSI”. A solução seria entrar com uma reclamação no STF e, em tese, o relator do pedido seria o ministro Gilmar Mendes.

“É temerário. Eu não sei qual a relação que ele tem com essas pessoas. Eu acho que ele vai deferir. Pedir uma apuração especial do Serpro, para dizer o seguinte: olha, pode começar sim uma investigação através de relatórios ajudando o Coaf, mas as comunicações são formais, transparentes, não é você mandar por e-mail sem passar pelo Judiciário”

Após essa abordagem, o então chefe da Abin Alexandre Ramagem fez uma primeira intervenção mais forte na reunião. Ele prega uma análise contundente sobre a questão dos auditores responsáveis pelo RIF do Flávio e então cita a “promiscuidade entre Ministério Público e Receita”.

O hoje deputado federal e pré-candidato à Prefeitura do Rio explicou porque o caminho do GSI não “seria o mais correto”. Segundo Ramagem, se a defesa de Flávio acionasse o GSI, Heleno seria “crucificado”, como “pessoalidade em prol” do senador. “Acredito que não seja o melhor caminho, mesmo cm previsão legal. Nesses juízos de exceção que está tendo no STF agora a previsão legal não quer dizer nada”.

Como mostrou o Estadão, Ramagem passa a indicar o caminho que a defesa do senador Flávio Bolsonaro deveria seguir para aventar nulidades no inquérito das ‘rachadinhas’. Tenta desvincular o então secretário da Receita José Barroso Tostes Neto da suspeitas levantadas pelas advogadas, “Ele não está vinculado. Um cara sério”

‘É o caso de conversar com o chefe da Receita’

Logo após a primeira menção nominal a Tostes, Bolsonaro afirma que “é o caso de conversar com o chefe da Receita”. “Ninguém está pedindo favor aqui. É o caso de conversar com o chefe da Receita. O Tostes”, o “zero um dos caras”. Em seguida, o ex-chefe do Executivo também sugere uma conversa com Gustavo Canuto, ex-ministro do Desenvolvimento Regional e então presidente da Dataprev. “Sem problema nenhum conversar com ele. Vai ter problema nenhum conversar com o Canuto”, disse Bolsonaro.

Em seguida, a advogada Luciana Pires questiona: “Serpro? Então, ótimo”. A menção à Canuto e uma eventual ligação com a Serpro pode ter sido uma confusão com a Dataprev. “É o caso conversar com o Canuto?” questionou Bolsonaro na ocasião. A advogada de Flávio concordou: “Com um clique. Olha, em tese, com um clique você consegue saber se um funcionário da Receita [inaudível] esses acessos lá.”

Um dia depois da reunião, as advogadas de Flávio se encontraram com Tostes.

Quando as “conversas” estavam em discussão, Bolsonaro, Heleno e as advogadas de Flávio se mostraram preocupados com um eventual vazamento da operação que ali era montada. Heleno diz que era necessário alertar Tostes que ele teria que manter " esse troço fechadíssimo”. Bolsonaro concordou e completou: “Tá certo. E deixar bem claro, a gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa, que não estamos procurando favorecimento de ninguém.”

Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, advogadas de Flávio Bolsonaro, se encontraram com José Tostes em 26 de agosto de 2020 Foto: Câmara dos Deputados

Ao final da reunião, Ramagem frisa que, em sua avaliação, a “melhor saída” para a defesa de Flávio “é dentro da Receita, pegando sério”. “Uma apuração que não tem como voltar atrás. É uma apuração administrativa que se travar, judicializa. Tem que ser lá de dentro”, anotou. Ramagem segue: “Não pode ser do agente político, ministro da economia, tem que ser na receita, mostrando que tem uma notícia para ele, para ele botar para baixo”, seguiu.

Depois, o hoje deputado diz que “compensa conversar” com o Canuto e que seria “mais importante” falar com a Receita. “Eu vou falar, também. Pedir autorização para falar”.

Ao final do áudio, Ramagem frisa: “O que eu acredito é que você tem que construir o caminho, porque é contundente o que vocês estão trazendo. E de chegar na rede correta, no lugar correto, sabendo que vai chegar para poder dar a decisão. E administrativamente, acho que dentro lá da Receita, acho que é o caminho”.

A advogada Luciana Pires chega a defender que o caminho “tem que ser processual” vez que “materialmente a história é muito ruim”. Segundo ela, entrar no mérito, “se fez, não fez”, não é bom. Ramagem completa: “Entrará no administrativo para conseguir depois entrar em jurídico.”

COM A PALAVRA, A ADVOGADA LUCIANA PIRES

Em relação à reunião que tive com o ex-Presidente da República, esclareço que estava na condição de advogada do seu filho, Senador da República. Toda a minha atuação no episódio se deu de forma técnica e nos estritos limites do campo jurídico. Protocolamos a petição mencionada nos diálogos formalmente, nos órgãos competentes, com vista a obter informações acerca do acesso ilícito aos dados pessoais do Senador Flávio Bolsonaro e, diante do seu indeferimento, impetramos um habeas data, que era o remédio processual adequado àquela ocasião, o qual hoje se encontra sob recurso.” Foi, portanto, uma reunião de cunho profissional na qual agi de acordo com as normas que regem a minha profissão.

COM A PALAVRA, ALEXANDRE RAMAGEM

Em vídeo divulgado em suas redes sociais, Alexandre Ramagem disse que Bolsonaro sabia que estava sendo gravado e que havia o aval do então presidente. “Essa gravação não foi clandestina”. Ele disse ainda que o áudio da conversa depois recuperada em seu celular foi descartado. “O presidente sempre se manifestou que não queria jeitinho. Muito menos tráfico de influência.”

Após a abertura da quarta fase da Operação Última Milha, Ramagem escreveu nas redes:

Após as informações da última operação da PF, fica claro que desprezam os fins de uma investigação, apenas para levar à imprensa ilações e rasas conjecturas.

O tal do sistema first mile, que outras 30 instituições também adquiriam, parece ter ficado de lado.

A aquisição foi regular, com parecer da AGU, e nossa gestão foi a única a fazer os controles devidos, exonerando servidores e encaminhando possível desvio de uso para corregedoria. A PF quer, mas não há como vincular o uso da ferramenta pela direção-geral da Abin.

Trazem lista de autoridades judiciais e legislativas para criar alvoroço. Dizem monitoradas, mas na verdade não. Não se encontram em first mile ou interceptação alguma. Estão em conversas de whatsapp, informações alheias, impressões pessoais de outros investigados, mas nunca em relatório oficial contrário à legalidade.

Não há interferência ou influência em processo vinculado ao senador Flávio Bolsonaro. A demanda se resolveu exclusivamente em instância judicial.

A PGR não foi favorável às prisões da operação, mas a Justiça desconsiderou a manifestação.

Há menção de áudio que só reforça defesa do devido processo, apuração administrativa, providência prevista em lei para qualquer caso de desvio de conduta funcional.

Houve finalmente indicação de que serei ouvido na PF, a fim de buscar instrução devida e desconstrução de toda e qualquer narrativa.

No Brasil, nunca será fácil uma pré-campanha da nossa oposição. Continuamos no objetivo de legitimamente mudar para melhor a cidade do Rio de Janeiro.

COM A PALAVRA, A DEFESA DE BOLSONARO

Após a divulgação do áudio, o assessor e advogado de Bolsonaro Fabio Wajngarten saiu em defesa do ex-presidente, dizendo que a conversa “só reforça o quanto o presidente ama o Brasil e o seu povo”. Ele citou especificamente um trecho retirado do áudio no qual Bolsonaro diz que não estaria procurando o favorecimento de ninguém.

COM A PALAVRA, O EX-GOVERNADOR WILSON WITZEL

“Nunca mantive qualquer relação pessoal ou profissional com o juiz Flávio Itabaiana e jamais ofereci qualquer tipo de “auxílio” a qualquer um durante meu governo.

O presidente Jair Bolsonaro deve ter se confundido e não foi a primeira vez que mencionou conversas que nunca tivemos, seja por confusão mental, diante de suas inúmeras preocupações, seja por acreditar que eu faria, a nível local, o que hoje se está verificando que foi feito com a Abin e Polícia Federal. No meu governo a Polícia Civil e militar sempre tiveram total independência e os poderes foram respeitados. A história e tudo o que aconteceu comigo comprovam isso.”

COM A PALAVRA, A DEFESA DE FLÁVIO BOLSONARO

Flávio Bolsonaro disse que nunca teve contato com integrantes da Abin. “Simplesmente não existia nenhuma relação minha com Abin. Minha defesa atacava questões processuais, portanto, nenhuma utilidade que a Abin pudesse ter. A divulgação desse tipo de documento, às vésperas das eleições, apenas tem o objetivo de prejudicar a candidatura de Alexandre Ramagem à prefeitura do Rio de Janeiro”, afirma o senador.

O ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem Foto: MARCOS CORREA/PR

Durante a reunião de uma hora e oito minutos, o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência Alexandre Ramagem, o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno e as advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach discutiram três caminhos para uma eventual anulação do inquérito das ‘rachadinhas’, que mirou o senador Flávio Bolsonaro.

Os atalhos aventados no encontro, realizado em agosto de 2020, um mês após a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz - peça-chave no inquérito - envolviam três órgãos: o GSI, o Supremo Tribunal Federal e a Receita.

Após serem debatidos pontos como a exposição de integrantes do governo Jair Bolsonaro e a “temeridade” em acessar a Justiça, a estratégia escolhida foi acionar a Receita contra os auditores responsáveis pelo documento que colocou os investigadores no encalço do filho 01 do ex-presidente.

Seu navegador não suporta esse video.

Gravação de uma hora e oito minutos foi apreendida pela PF na Operação Última Milha, que desmontou a 'Abin paralela'

Em nota, a advogada Luciana Pires disse que sua atuação na reunião “se deu de forma técnica e nos estritos limites do campo jurídico”. Ramagem disse que Bolsonaro sabia da gravação e que o ex-presidente “sempre se manifestou que não queria jeitinho e muito menos tráfico de influência”. Sobre a divulgação do áudio, o senador Flávio Bolsonaro disse que a “montanha pariu um rato”. A defesa de Bolsonaro disse que a conversa “só reforça o quanto o presidente ama o Brasil e o seu povo”.

A gravação da reunião mostra que as advogadas de Flávio chegaram ao encontro com a proposta de que o Serviço Federal de Processamento de Dados produzisse “provas” sobre uma suposta devassa ilícita na vida de Flávio. A gravação indica que Ramagem - hoje no olho do furacão do inquérito da ‘Abin paralela’ - apontou qual seria “o caminho correto de averiguar uma possível vulnerabilidade” no inquérito.

O áudio tornado público nesta segunda, 15, reforça as suspeitas da PF de que a Abin paralela foi usada para apoiar a defesa de Flávio no inquérito das ‘rachadinhas’.

Além da gravação, encontrada no celular de Ramagem, a corporação encontrou documentos endereçados ao ‘presidente’, com orientações sobre o caso das rachadinhas. Descobriu, ainda, que o ex-chefe da Abin teria determinado o monitoramento de três auditores fiscais autores do Relatório de Inteligência Financeira, documento que detalhou movimentações de Flávio.

A ação clandestina era “urgente” e foi determinada “seguindo o modus operandi da organização criminosa para descobrir ‘podres e relações políticas’ dos auditores”, segundo a PF.

O levantamento ilegal deveria ser “jogado num word somente”. Segundo a PF, as diligências foram realizadas em novembro de 2020 - três meses após a reunião com Bolsonaro, Heleno e as advogadas, e os achados foram repassados a Ramagem em dezembro daquele ano.

Diálogo entre auxiliares de Ramagem sobre monitoramento de auditores da Receita Foto: Polícia F

A nota divulgada pela advogada Luciana Pires indica que a estratégia de questionar a conduta dos auditores se concretizou. “Protocolamos a petição mencionada nos diálogos formalmente, nos órgãos competentes, com vista a obter informações acerca do acesso ilícito aos dados pessoais do Senador Flávio Bolsonaro e, diante do seu indeferimento, impetramos um habeas data, que era o remédio processual adequado àquela ocasião, o qual hoje se encontra sob recurso”, afirmou.

Além de mostrar todas as estratégias que foram aventadas pela defesa de Bolsonaro, a gravação da reunião revelou alguns detalhes do caso: a reclamação de Bolsonaro ante o fato de seu filho ficar acuado por indícios derivados da Operação Furna da Onça; a preocupação com um eventual vazamento ou gravação das estratégias que ali eram discutidas; e até uma suposta promessa do ex-governador Wilson Witzel para acabar com o inquérito em troca de uma vaga no STF.

Confira, ponto a ponto, os caminhos discutidos na reunião gravada por Ramagem:

‘Guerra no Rio de Janeiro’ e a ‘organização criminosa’ na Receita

Durante a conversa as advogadas de Flávio se referem ao caso Queiroz como uma “guerra no Rio de Janeiro”. “É uma guerra do habeas corpus, a questão do foro, que deveria ser uma coisa óbvia. Mas não é. Porque é o filho do presidente”. Alegam que o “que acontece com o senador nunca aconteceu com nenhum parlamentar em nenhum lugar, muito menos no Rio de Janeiro” e dizem ter chegado à conclusão de que o “RIF do Flávio foi encomendado”.

Então, as defensoras passam a sustentar, diante de Bolsonaro, que existiria uma “organização criminosa” dentro da Receita com o objetivo de “destruir desafetos e inimigos que elegerem politicamente ou questões financeiras”. Segundo as advogadas, esse grupo “têm uma blindagem de diversas instituições”, como o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro.

“Eles aparalharam a república para poder fazer esse tipo de coisa. É basicamente triste. É, o senhores estão sendo atacados pelo quinto escalão. Fazendo informações da tua vida inteira, dos seus assessores. Eles olham o que interessa e bão em cima para a imprensa. Hoje apareceu do Fred, que fala de valores que ele recebeu nos Estados Unidos”

O pedido ao GSI

É nesse contexto que as advogadas aventam um primeiro caminho para operacionalizar a aventual anulação do inquérito das rachadinhas. Dizem que estão fazendo um pedido “especialmente” para o Gabinete de Segurança Institucional, para uma averiguação dos sistemas de inteligência que atendem à Receita. O pedido deveria ser encaminhado ao Sepro, indicam.

Heleno chega a questionar se o pedido já foi feito. A advogada de Flávio responde: “Estou pedindo, estou trazendo hoje”. O general replicou: “Estou comendo mosca”.

A tese das advogadas é a de que o grupo do qual elas suspeitam usaria um ‘manto de invisibilidade’ - uma senha encomendada que torna “indetectável” o acesso por eles. “Senha master, né”, completa Ramagem. A ideia das defensoras de Flávio era a de, através da investigação do Sepro, obter as “senhas invisíveis” e com isso anular o RIF do senador. “A gente consegue anular tudo”, frisam.

A advogada questiona como “o RIF do Flávio brotou” no Ministério Público. Diz que o caso de Flávio “teve uma proporção maior, mas não é isolado”. “Aparece o RIF do nada do Flávio e começam essa devassa na vida dele, busca e apreensão, prisão do Queiroz, do nada”, diz Luciana.

O general da reserva Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

‘A gente quer essa prova; Qual é a prova possível de ser produzida?’

Dizem que não tem nenhuma prova de que foi feito isso com o Flávio. “A gente quer essa prova. Qual é a prova possível de ser produzida? O Serpro, ele produz. Um relatório. Chama apuração especial do Serpro. O Serpro consegue levantar todos os acessos que foram feitos antes do início da investigação”

“Se você pede a apuração especial do Serpro, aparecem todos esses acessos que foram feitos, ou seja, você demonstra que não houve uma investigação como deveria ser feita. É uma investigação completamente ilegal, inconstitucional e passível de nulidade de todos os pontos. Todos os pontos a gente consegue anular, entende?”, diz Juliana.

As advogadas citam, então, dois casos que poderiam servir como uma espécie de precedente para a investida. Um deles é o de uma sentença do juiz Itagiba Catta Preta Neto, da Justiça Federal de Brasília, que, segundo Pires, “determinou uma apuração especial do Serpro e lá ele consegue detectar essas senhas invisíveis”. “A sentença dele tá aí, a sentença diz que a perícia constatou que os dados foram inseridos posteriormente”

‘A gente consegue anular a Furna da Onça de um modo geral’

A intenção da dupla é a de que a apuração do Serpro, em relação ao Flávio, beneficiasse ainda outros investigados - “família toda do Flávio”. “Porque a partir do momento que a gente tem essa apuração, uma dessas aqui do Flávio, a gente consegue pedir a nulidade disso tudo. E a gente não consegue pedir só a nulidade do caso do Flávio”.

“A grande questão é quando falar o seguinte. Ah, que o presidente da República está querendo se utilizar da estrutura da presidência para defender o filho, só que esse caso aqui, isso que a gente descobriu. Pode beneficiar, de uma forma ou de outra, todas as pessoas que foram atacadas. Então não dá para dizer que é uma coisa partidária, ideológica. A atuação do GSI. Então com isso a gente consegue anular a Furna da Onça de um modo geral.”

Foi então que o ex-presidente Jair Bolsonaro reclamou da investigação sobre seu filho 01. “O maior culpado na Furna da Onça é o Flávio”.

‘Outra opção sem ser GSI é reclamação no Supremo’

O segundo caminho cogitado pela defesa de Flávio é citado como uma opção para “fazer sem ser através do GSI”. A solução seria entrar com uma reclamação no STF e, em tese, o relator do pedido seria o ministro Gilmar Mendes.

“É temerário. Eu não sei qual a relação que ele tem com essas pessoas. Eu acho que ele vai deferir. Pedir uma apuração especial do Serpro, para dizer o seguinte: olha, pode começar sim uma investigação através de relatórios ajudando o Coaf, mas as comunicações são formais, transparentes, não é você mandar por e-mail sem passar pelo Judiciário”

Após essa abordagem, o então chefe da Abin Alexandre Ramagem fez uma primeira intervenção mais forte na reunião. Ele prega uma análise contundente sobre a questão dos auditores responsáveis pelo RIF do Flávio e então cita a “promiscuidade entre Ministério Público e Receita”.

O hoje deputado federal e pré-candidato à Prefeitura do Rio explicou porque o caminho do GSI não “seria o mais correto”. Segundo Ramagem, se a defesa de Flávio acionasse o GSI, Heleno seria “crucificado”, como “pessoalidade em prol” do senador. “Acredito que não seja o melhor caminho, mesmo cm previsão legal. Nesses juízos de exceção que está tendo no STF agora a previsão legal não quer dizer nada”.

Como mostrou o Estadão, Ramagem passa a indicar o caminho que a defesa do senador Flávio Bolsonaro deveria seguir para aventar nulidades no inquérito das ‘rachadinhas’. Tenta desvincular o então secretário da Receita José Barroso Tostes Neto da suspeitas levantadas pelas advogadas, “Ele não está vinculado. Um cara sério”

‘É o caso de conversar com o chefe da Receita’

Logo após a primeira menção nominal a Tostes, Bolsonaro afirma que “é o caso de conversar com o chefe da Receita”. “Ninguém está pedindo favor aqui. É o caso de conversar com o chefe da Receita. O Tostes”, o “zero um dos caras”. Em seguida, o ex-chefe do Executivo também sugere uma conversa com Gustavo Canuto, ex-ministro do Desenvolvimento Regional e então presidente da Dataprev. “Sem problema nenhum conversar com ele. Vai ter problema nenhum conversar com o Canuto”, disse Bolsonaro.

Em seguida, a advogada Luciana Pires questiona: “Serpro? Então, ótimo”. A menção à Canuto e uma eventual ligação com a Serpro pode ter sido uma confusão com a Dataprev. “É o caso conversar com o Canuto?” questionou Bolsonaro na ocasião. A advogada de Flávio concordou: “Com um clique. Olha, em tese, com um clique você consegue saber se um funcionário da Receita [inaudível] esses acessos lá.”

Um dia depois da reunião, as advogadas de Flávio se encontraram com Tostes.

Quando as “conversas” estavam em discussão, Bolsonaro, Heleno e as advogadas de Flávio se mostraram preocupados com um eventual vazamento da operação que ali era montada. Heleno diz que era necessário alertar Tostes que ele teria que manter " esse troço fechadíssimo”. Bolsonaro concordou e completou: “Tá certo. E deixar bem claro, a gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa, que não estamos procurando favorecimento de ninguém.”

Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, advogadas de Flávio Bolsonaro, se encontraram com José Tostes em 26 de agosto de 2020 Foto: Câmara dos Deputados

Ao final da reunião, Ramagem frisa que, em sua avaliação, a “melhor saída” para a defesa de Flávio “é dentro da Receita, pegando sério”. “Uma apuração que não tem como voltar atrás. É uma apuração administrativa que se travar, judicializa. Tem que ser lá de dentro”, anotou. Ramagem segue: “Não pode ser do agente político, ministro da economia, tem que ser na receita, mostrando que tem uma notícia para ele, para ele botar para baixo”, seguiu.

Depois, o hoje deputado diz que “compensa conversar” com o Canuto e que seria “mais importante” falar com a Receita. “Eu vou falar, também. Pedir autorização para falar”.

Ao final do áudio, Ramagem frisa: “O que eu acredito é que você tem que construir o caminho, porque é contundente o que vocês estão trazendo. E de chegar na rede correta, no lugar correto, sabendo que vai chegar para poder dar a decisão. E administrativamente, acho que dentro lá da Receita, acho que é o caminho”.

A advogada Luciana Pires chega a defender que o caminho “tem que ser processual” vez que “materialmente a história é muito ruim”. Segundo ela, entrar no mérito, “se fez, não fez”, não é bom. Ramagem completa: “Entrará no administrativo para conseguir depois entrar em jurídico.”

COM A PALAVRA, A ADVOGADA LUCIANA PIRES

Em relação à reunião que tive com o ex-Presidente da República, esclareço que estava na condição de advogada do seu filho, Senador da República. Toda a minha atuação no episódio se deu de forma técnica e nos estritos limites do campo jurídico. Protocolamos a petição mencionada nos diálogos formalmente, nos órgãos competentes, com vista a obter informações acerca do acesso ilícito aos dados pessoais do Senador Flávio Bolsonaro e, diante do seu indeferimento, impetramos um habeas data, que era o remédio processual adequado àquela ocasião, o qual hoje se encontra sob recurso.” Foi, portanto, uma reunião de cunho profissional na qual agi de acordo com as normas que regem a minha profissão.

COM A PALAVRA, ALEXANDRE RAMAGEM

Em vídeo divulgado em suas redes sociais, Alexandre Ramagem disse que Bolsonaro sabia que estava sendo gravado e que havia o aval do então presidente. “Essa gravação não foi clandestina”. Ele disse ainda que o áudio da conversa depois recuperada em seu celular foi descartado. “O presidente sempre se manifestou que não queria jeitinho. Muito menos tráfico de influência.”

Após a abertura da quarta fase da Operação Última Milha, Ramagem escreveu nas redes:

Após as informações da última operação da PF, fica claro que desprezam os fins de uma investigação, apenas para levar à imprensa ilações e rasas conjecturas.

O tal do sistema first mile, que outras 30 instituições também adquiriam, parece ter ficado de lado.

A aquisição foi regular, com parecer da AGU, e nossa gestão foi a única a fazer os controles devidos, exonerando servidores e encaminhando possível desvio de uso para corregedoria. A PF quer, mas não há como vincular o uso da ferramenta pela direção-geral da Abin.

Trazem lista de autoridades judiciais e legislativas para criar alvoroço. Dizem monitoradas, mas na verdade não. Não se encontram em first mile ou interceptação alguma. Estão em conversas de whatsapp, informações alheias, impressões pessoais de outros investigados, mas nunca em relatório oficial contrário à legalidade.

Não há interferência ou influência em processo vinculado ao senador Flávio Bolsonaro. A demanda se resolveu exclusivamente em instância judicial.

A PGR não foi favorável às prisões da operação, mas a Justiça desconsiderou a manifestação.

Há menção de áudio que só reforça defesa do devido processo, apuração administrativa, providência prevista em lei para qualquer caso de desvio de conduta funcional.

Houve finalmente indicação de que serei ouvido na PF, a fim de buscar instrução devida e desconstrução de toda e qualquer narrativa.

No Brasil, nunca será fácil uma pré-campanha da nossa oposição. Continuamos no objetivo de legitimamente mudar para melhor a cidade do Rio de Janeiro.

COM A PALAVRA, A DEFESA DE BOLSONARO

Após a divulgação do áudio, o assessor e advogado de Bolsonaro Fabio Wajngarten saiu em defesa do ex-presidente, dizendo que a conversa “só reforça o quanto o presidente ama o Brasil e o seu povo”. Ele citou especificamente um trecho retirado do áudio no qual Bolsonaro diz que não estaria procurando o favorecimento de ninguém.

COM A PALAVRA, O EX-GOVERNADOR WILSON WITZEL

“Nunca mantive qualquer relação pessoal ou profissional com o juiz Flávio Itabaiana e jamais ofereci qualquer tipo de “auxílio” a qualquer um durante meu governo.

O presidente Jair Bolsonaro deve ter se confundido e não foi a primeira vez que mencionou conversas que nunca tivemos, seja por confusão mental, diante de suas inúmeras preocupações, seja por acreditar que eu faria, a nível local, o que hoje se está verificando que foi feito com a Abin e Polícia Federal. No meu governo a Polícia Civil e militar sempre tiveram total independência e os poderes foram respeitados. A história e tudo o que aconteceu comigo comprovam isso.”

COM A PALAVRA, A DEFESA DE FLÁVIO BOLSONARO

Flávio Bolsonaro disse que nunca teve contato com integrantes da Abin. “Simplesmente não existia nenhuma relação minha com Abin. Minha defesa atacava questões processuais, portanto, nenhuma utilidade que a Abin pudesse ter. A divulgação desse tipo de documento, às vésperas das eleições, apenas tem o objetivo de prejudicar a candidatura de Alexandre Ramagem à prefeitura do Rio de Janeiro”, afirma o senador.

O ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem Foto: MARCOS CORREA/PR

Durante a reunião de uma hora e oito minutos, o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência Alexandre Ramagem, o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno e as advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach discutiram três caminhos para uma eventual anulação do inquérito das ‘rachadinhas’, que mirou o senador Flávio Bolsonaro.

Os atalhos aventados no encontro, realizado em agosto de 2020, um mês após a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz - peça-chave no inquérito - envolviam três órgãos: o GSI, o Supremo Tribunal Federal e a Receita.

Após serem debatidos pontos como a exposição de integrantes do governo Jair Bolsonaro e a “temeridade” em acessar a Justiça, a estratégia escolhida foi acionar a Receita contra os auditores responsáveis pelo documento que colocou os investigadores no encalço do filho 01 do ex-presidente.

Seu navegador não suporta esse video.

Gravação de uma hora e oito minutos foi apreendida pela PF na Operação Última Milha, que desmontou a 'Abin paralela'

Em nota, a advogada Luciana Pires disse que sua atuação na reunião “se deu de forma técnica e nos estritos limites do campo jurídico”. Ramagem disse que Bolsonaro sabia da gravação e que o ex-presidente “sempre se manifestou que não queria jeitinho e muito menos tráfico de influência”. Sobre a divulgação do áudio, o senador Flávio Bolsonaro disse que a “montanha pariu um rato”. A defesa de Bolsonaro disse que a conversa “só reforça o quanto o presidente ama o Brasil e o seu povo”.

A gravação da reunião mostra que as advogadas de Flávio chegaram ao encontro com a proposta de que o Serviço Federal de Processamento de Dados produzisse “provas” sobre uma suposta devassa ilícita na vida de Flávio. A gravação indica que Ramagem - hoje no olho do furacão do inquérito da ‘Abin paralela’ - apontou qual seria “o caminho correto de averiguar uma possível vulnerabilidade” no inquérito.

O áudio tornado público nesta segunda, 15, reforça as suspeitas da PF de que a Abin paralela foi usada para apoiar a defesa de Flávio no inquérito das ‘rachadinhas’.

Além da gravação, encontrada no celular de Ramagem, a corporação encontrou documentos endereçados ao ‘presidente’, com orientações sobre o caso das rachadinhas. Descobriu, ainda, que o ex-chefe da Abin teria determinado o monitoramento de três auditores fiscais autores do Relatório de Inteligência Financeira, documento que detalhou movimentações de Flávio.

A ação clandestina era “urgente” e foi determinada “seguindo o modus operandi da organização criminosa para descobrir ‘podres e relações políticas’ dos auditores”, segundo a PF.

O levantamento ilegal deveria ser “jogado num word somente”. Segundo a PF, as diligências foram realizadas em novembro de 2020 - três meses após a reunião com Bolsonaro, Heleno e as advogadas, e os achados foram repassados a Ramagem em dezembro daquele ano.

Diálogo entre auxiliares de Ramagem sobre monitoramento de auditores da Receita Foto: Polícia F

A nota divulgada pela advogada Luciana Pires indica que a estratégia de questionar a conduta dos auditores se concretizou. “Protocolamos a petição mencionada nos diálogos formalmente, nos órgãos competentes, com vista a obter informações acerca do acesso ilícito aos dados pessoais do Senador Flávio Bolsonaro e, diante do seu indeferimento, impetramos um habeas data, que era o remédio processual adequado àquela ocasião, o qual hoje se encontra sob recurso”, afirmou.

Além de mostrar todas as estratégias que foram aventadas pela defesa de Bolsonaro, a gravação da reunião revelou alguns detalhes do caso: a reclamação de Bolsonaro ante o fato de seu filho ficar acuado por indícios derivados da Operação Furna da Onça; a preocupação com um eventual vazamento ou gravação das estratégias que ali eram discutidas; e até uma suposta promessa do ex-governador Wilson Witzel para acabar com o inquérito em troca de uma vaga no STF.

Confira, ponto a ponto, os caminhos discutidos na reunião gravada por Ramagem:

‘Guerra no Rio de Janeiro’ e a ‘organização criminosa’ na Receita

Durante a conversa as advogadas de Flávio se referem ao caso Queiroz como uma “guerra no Rio de Janeiro”. “É uma guerra do habeas corpus, a questão do foro, que deveria ser uma coisa óbvia. Mas não é. Porque é o filho do presidente”. Alegam que o “que acontece com o senador nunca aconteceu com nenhum parlamentar em nenhum lugar, muito menos no Rio de Janeiro” e dizem ter chegado à conclusão de que o “RIF do Flávio foi encomendado”.

Então, as defensoras passam a sustentar, diante de Bolsonaro, que existiria uma “organização criminosa” dentro da Receita com o objetivo de “destruir desafetos e inimigos que elegerem politicamente ou questões financeiras”. Segundo as advogadas, esse grupo “têm uma blindagem de diversas instituições”, como o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro.

“Eles aparalharam a república para poder fazer esse tipo de coisa. É basicamente triste. É, o senhores estão sendo atacados pelo quinto escalão. Fazendo informações da tua vida inteira, dos seus assessores. Eles olham o que interessa e bão em cima para a imprensa. Hoje apareceu do Fred, que fala de valores que ele recebeu nos Estados Unidos”

O pedido ao GSI

É nesse contexto que as advogadas aventam um primeiro caminho para operacionalizar a aventual anulação do inquérito das rachadinhas. Dizem que estão fazendo um pedido “especialmente” para o Gabinete de Segurança Institucional, para uma averiguação dos sistemas de inteligência que atendem à Receita. O pedido deveria ser encaminhado ao Sepro, indicam.

Heleno chega a questionar se o pedido já foi feito. A advogada de Flávio responde: “Estou pedindo, estou trazendo hoje”. O general replicou: “Estou comendo mosca”.

A tese das advogadas é a de que o grupo do qual elas suspeitam usaria um ‘manto de invisibilidade’ - uma senha encomendada que torna “indetectável” o acesso por eles. “Senha master, né”, completa Ramagem. A ideia das defensoras de Flávio era a de, através da investigação do Sepro, obter as “senhas invisíveis” e com isso anular o RIF do senador. “A gente consegue anular tudo”, frisam.

A advogada questiona como “o RIF do Flávio brotou” no Ministério Público. Diz que o caso de Flávio “teve uma proporção maior, mas não é isolado”. “Aparece o RIF do nada do Flávio e começam essa devassa na vida dele, busca e apreensão, prisão do Queiroz, do nada”, diz Luciana.

O general da reserva Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro. Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

‘A gente quer essa prova; Qual é a prova possível de ser produzida?’

Dizem que não tem nenhuma prova de que foi feito isso com o Flávio. “A gente quer essa prova. Qual é a prova possível de ser produzida? O Serpro, ele produz. Um relatório. Chama apuração especial do Serpro. O Serpro consegue levantar todos os acessos que foram feitos antes do início da investigação”

“Se você pede a apuração especial do Serpro, aparecem todos esses acessos que foram feitos, ou seja, você demonstra que não houve uma investigação como deveria ser feita. É uma investigação completamente ilegal, inconstitucional e passível de nulidade de todos os pontos. Todos os pontos a gente consegue anular, entende?”, diz Juliana.

As advogadas citam, então, dois casos que poderiam servir como uma espécie de precedente para a investida. Um deles é o de uma sentença do juiz Itagiba Catta Preta Neto, da Justiça Federal de Brasília, que, segundo Pires, “determinou uma apuração especial do Serpro e lá ele consegue detectar essas senhas invisíveis”. “A sentença dele tá aí, a sentença diz que a perícia constatou que os dados foram inseridos posteriormente”

‘A gente consegue anular a Furna da Onça de um modo geral’

A intenção da dupla é a de que a apuração do Serpro, em relação ao Flávio, beneficiasse ainda outros investigados - “família toda do Flávio”. “Porque a partir do momento que a gente tem essa apuração, uma dessas aqui do Flávio, a gente consegue pedir a nulidade disso tudo. E a gente não consegue pedir só a nulidade do caso do Flávio”.

“A grande questão é quando falar o seguinte. Ah, que o presidente da República está querendo se utilizar da estrutura da presidência para defender o filho, só que esse caso aqui, isso que a gente descobriu. Pode beneficiar, de uma forma ou de outra, todas as pessoas que foram atacadas. Então não dá para dizer que é uma coisa partidária, ideológica. A atuação do GSI. Então com isso a gente consegue anular a Furna da Onça de um modo geral.”

Foi então que o ex-presidente Jair Bolsonaro reclamou da investigação sobre seu filho 01. “O maior culpado na Furna da Onça é o Flávio”.

‘Outra opção sem ser GSI é reclamação no Supremo’

O segundo caminho cogitado pela defesa de Flávio é citado como uma opção para “fazer sem ser através do GSI”. A solução seria entrar com uma reclamação no STF e, em tese, o relator do pedido seria o ministro Gilmar Mendes.

“É temerário. Eu não sei qual a relação que ele tem com essas pessoas. Eu acho que ele vai deferir. Pedir uma apuração especial do Serpro, para dizer o seguinte: olha, pode começar sim uma investigação através de relatórios ajudando o Coaf, mas as comunicações são formais, transparentes, não é você mandar por e-mail sem passar pelo Judiciário”

Após essa abordagem, o então chefe da Abin Alexandre Ramagem fez uma primeira intervenção mais forte na reunião. Ele prega uma análise contundente sobre a questão dos auditores responsáveis pelo RIF do Flávio e então cita a “promiscuidade entre Ministério Público e Receita”.

O hoje deputado federal e pré-candidato à Prefeitura do Rio explicou porque o caminho do GSI não “seria o mais correto”. Segundo Ramagem, se a defesa de Flávio acionasse o GSI, Heleno seria “crucificado”, como “pessoalidade em prol” do senador. “Acredito que não seja o melhor caminho, mesmo cm previsão legal. Nesses juízos de exceção que está tendo no STF agora a previsão legal não quer dizer nada”.

Como mostrou o Estadão, Ramagem passa a indicar o caminho que a defesa do senador Flávio Bolsonaro deveria seguir para aventar nulidades no inquérito das ‘rachadinhas’. Tenta desvincular o então secretário da Receita José Barroso Tostes Neto da suspeitas levantadas pelas advogadas, “Ele não está vinculado. Um cara sério”

‘É o caso de conversar com o chefe da Receita’

Logo após a primeira menção nominal a Tostes, Bolsonaro afirma que “é o caso de conversar com o chefe da Receita”. “Ninguém está pedindo favor aqui. É o caso de conversar com o chefe da Receita. O Tostes”, o “zero um dos caras”. Em seguida, o ex-chefe do Executivo também sugere uma conversa com Gustavo Canuto, ex-ministro do Desenvolvimento Regional e então presidente da Dataprev. “Sem problema nenhum conversar com ele. Vai ter problema nenhum conversar com o Canuto”, disse Bolsonaro.

Em seguida, a advogada Luciana Pires questiona: “Serpro? Então, ótimo”. A menção à Canuto e uma eventual ligação com a Serpro pode ter sido uma confusão com a Dataprev. “É o caso conversar com o Canuto?” questionou Bolsonaro na ocasião. A advogada de Flávio concordou: “Com um clique. Olha, em tese, com um clique você consegue saber se um funcionário da Receita [inaudível] esses acessos lá.”

Um dia depois da reunião, as advogadas de Flávio se encontraram com Tostes.

Quando as “conversas” estavam em discussão, Bolsonaro, Heleno e as advogadas de Flávio se mostraram preocupados com um eventual vazamento da operação que ali era montada. Heleno diz que era necessário alertar Tostes que ele teria que manter " esse troço fechadíssimo”. Bolsonaro concordou e completou: “Tá certo. E deixar bem claro, a gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa, que não estamos procurando favorecimento de ninguém.”

Luciana Pires e Juliana Bierrenbach, advogadas de Flávio Bolsonaro, se encontraram com José Tostes em 26 de agosto de 2020 Foto: Câmara dos Deputados

Ao final da reunião, Ramagem frisa que, em sua avaliação, a “melhor saída” para a defesa de Flávio “é dentro da Receita, pegando sério”. “Uma apuração que não tem como voltar atrás. É uma apuração administrativa que se travar, judicializa. Tem que ser lá de dentro”, anotou. Ramagem segue: “Não pode ser do agente político, ministro da economia, tem que ser na receita, mostrando que tem uma notícia para ele, para ele botar para baixo”, seguiu.

Depois, o hoje deputado diz que “compensa conversar” com o Canuto e que seria “mais importante” falar com a Receita. “Eu vou falar, também. Pedir autorização para falar”.

Ao final do áudio, Ramagem frisa: “O que eu acredito é que você tem que construir o caminho, porque é contundente o que vocês estão trazendo. E de chegar na rede correta, no lugar correto, sabendo que vai chegar para poder dar a decisão. E administrativamente, acho que dentro lá da Receita, acho que é o caminho”.

A advogada Luciana Pires chega a defender que o caminho “tem que ser processual” vez que “materialmente a história é muito ruim”. Segundo ela, entrar no mérito, “se fez, não fez”, não é bom. Ramagem completa: “Entrará no administrativo para conseguir depois entrar em jurídico.”

COM A PALAVRA, A ADVOGADA LUCIANA PIRES

Em relação à reunião que tive com o ex-Presidente da República, esclareço que estava na condição de advogada do seu filho, Senador da República. Toda a minha atuação no episódio se deu de forma técnica e nos estritos limites do campo jurídico. Protocolamos a petição mencionada nos diálogos formalmente, nos órgãos competentes, com vista a obter informações acerca do acesso ilícito aos dados pessoais do Senador Flávio Bolsonaro e, diante do seu indeferimento, impetramos um habeas data, que era o remédio processual adequado àquela ocasião, o qual hoje se encontra sob recurso.” Foi, portanto, uma reunião de cunho profissional na qual agi de acordo com as normas que regem a minha profissão.

COM A PALAVRA, ALEXANDRE RAMAGEM

Em vídeo divulgado em suas redes sociais, Alexandre Ramagem disse que Bolsonaro sabia que estava sendo gravado e que havia o aval do então presidente. “Essa gravação não foi clandestina”. Ele disse ainda que o áudio da conversa depois recuperada em seu celular foi descartado. “O presidente sempre se manifestou que não queria jeitinho. Muito menos tráfico de influência.”

Após a abertura da quarta fase da Operação Última Milha, Ramagem escreveu nas redes:

Após as informações da última operação da PF, fica claro que desprezam os fins de uma investigação, apenas para levar à imprensa ilações e rasas conjecturas.

O tal do sistema first mile, que outras 30 instituições também adquiriam, parece ter ficado de lado.

A aquisição foi regular, com parecer da AGU, e nossa gestão foi a única a fazer os controles devidos, exonerando servidores e encaminhando possível desvio de uso para corregedoria. A PF quer, mas não há como vincular o uso da ferramenta pela direção-geral da Abin.

Trazem lista de autoridades judiciais e legislativas para criar alvoroço. Dizem monitoradas, mas na verdade não. Não se encontram em first mile ou interceptação alguma. Estão em conversas de whatsapp, informações alheias, impressões pessoais de outros investigados, mas nunca em relatório oficial contrário à legalidade.

Não há interferência ou influência em processo vinculado ao senador Flávio Bolsonaro. A demanda se resolveu exclusivamente em instância judicial.

A PGR não foi favorável às prisões da operação, mas a Justiça desconsiderou a manifestação.

Há menção de áudio que só reforça defesa do devido processo, apuração administrativa, providência prevista em lei para qualquer caso de desvio de conduta funcional.

Houve finalmente indicação de que serei ouvido na PF, a fim de buscar instrução devida e desconstrução de toda e qualquer narrativa.

No Brasil, nunca será fácil uma pré-campanha da nossa oposição. Continuamos no objetivo de legitimamente mudar para melhor a cidade do Rio de Janeiro.

COM A PALAVRA, A DEFESA DE BOLSONARO

Após a divulgação do áudio, o assessor e advogado de Bolsonaro Fabio Wajngarten saiu em defesa do ex-presidente, dizendo que a conversa “só reforça o quanto o presidente ama o Brasil e o seu povo”. Ele citou especificamente um trecho retirado do áudio no qual Bolsonaro diz que não estaria procurando o favorecimento de ninguém.

COM A PALAVRA, O EX-GOVERNADOR WILSON WITZEL

“Nunca mantive qualquer relação pessoal ou profissional com o juiz Flávio Itabaiana e jamais ofereci qualquer tipo de “auxílio” a qualquer um durante meu governo.

O presidente Jair Bolsonaro deve ter se confundido e não foi a primeira vez que mencionou conversas que nunca tivemos, seja por confusão mental, diante de suas inúmeras preocupações, seja por acreditar que eu faria, a nível local, o que hoje se está verificando que foi feito com a Abin e Polícia Federal. No meu governo a Polícia Civil e militar sempre tiveram total independência e os poderes foram respeitados. A história e tudo o que aconteceu comigo comprovam isso.”

COM A PALAVRA, A DEFESA DE FLÁVIO BOLSONARO

Flávio Bolsonaro disse que nunca teve contato com integrantes da Abin. “Simplesmente não existia nenhuma relação minha com Abin. Minha defesa atacava questões processuais, portanto, nenhuma utilidade que a Abin pudesse ter. A divulgação desse tipo de documento, às vésperas das eleições, apenas tem o objetivo de prejudicar a candidatura de Alexandre Ramagem à prefeitura do Rio de Janeiro”, afirma o senador.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.