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Banho de sangue


O relato em primeira pessoa de um repórter que cobriu o massacre do Carandiru

Por Fausto Macedo
Atualização:
 Foto: Itamar Miranda/Agência Estado

A monotonia da tarde daquela sexta-feira, 2 de outubro, que seguia para o seu crepúsculo, foi cortada pelo alerta do Bip (código 25 L) preso ao cinto. 'Rebelião na Casa de Detenção', dizia a mensagem.

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Eu estava na Procuradoria da República que, à época, ficava alojada em um prédio antigo do Centro de São Paulo, à Praça da República. Entre ligar para o jornal e pedir um carro, presumidamente uma hora no trânsito caótico, escolhi pegar o Metrô.

Após a baldeação na Sé, cheguei à Estação Carandiru, na zona Norte da cidade, à margem da avenida Cruzeiro do Sul, na expectativa de fazer a cobertura de um motim como tantos outros que se arrastam por longas horas e varam a noite. Dali, do alto da plataforma de trens - nesse trecho do percurso os trilhos passam muito acima do nível da rua -, tinha-se uma boa visão panorâmica dos pavilhões.

Dali, do alto da plataforma de trens, tinha-se uma boa visão panorâmica dos pavilhões que se erguiam atrás das muralhas colossais. Mas havia algo estranho. Não havia tropas em marcha, nem camburões circulando, o grito das sirenes, cerco. Nada.

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Um silêncio fúnebre.

Em 20 minutos a insurreição havia sido sufocada. Briga de facções, era a primeira versão. A tropa de choque chegou. O choque é o choque. Quando eles chegam é para arrebentar. Gente treinada para o pior. Infantaria pesada.

O seu comandante, por esse tempo, era o coronel Ubiratan Guimarães, estilo durão, oficial enérgico, disciplinador. Carismático na caserna, merecedor de continências e deferências de seus camaradas.

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A história que a Polícia espalhou para explicar o estouro do maior banho de sangue das prisões do País dava conta de que os reclusos do Pavilhão 9 fizeram explodir um petardo. O estrondo aturdiu e fez ir ao chão o coronel, momentaneamente sem sentidos.

A agressão a seu líder descontrolou o batalhão munido de armamento de guerra, mais de trezentos militares que invadiram a velha masmorra empunhando metralhadoras e puxando cães ferozes, adestrados para o ataque.

Não houve negociação. Nem tempo para isso. Seguiu-se uma fuzilaria jamais vista, que durou até a munição chegar ao fim. O Pavilhão 9 era o inferno.

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À frente do grande presídio, no pátio que dava para a rua, já início da noite, fez-se grande vigília das mães por notícias de seus filhos. A primeira informação contava oito mortos.

(A balela perdurou até às 17 horas do outro dia, sábado, 3, quando encerrou a eleição para prefeito - o voto ainda era em cédula de papel. O governo Fleury Fllho, então chefe do Executivo estadual, queria fazer o sucessor de Luíza Erundina. E trabalhava com a suposição de que a divulgação de dados reais sobre o massacre poderia, de alguma forma, prejudicar o desempenho de seu candidato ao Paço da metrópole. O embuste, afinal, não deu certo. Paulo Salim Maluf ganhou a corrida).

Em meio à longa noite de agonia, o pesado portão de ferro pintado de um verde escuro se abria e por ele passavam as viaturas do choque e informações desencontradas, que só faziam crescer o desassossego e a inquietação das famílias.

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Já perto da madrugada, vem o padre, a passos trôpegos. Ele saiu da diretoria do presídio. Trazia orações e uma revelação perturbadora. 'Mais de 100 mortos, mais de 100 mortos!!'.

Na segunda-feira, 5, ante a repercussão que o massacre ganhou em todo o mundo os dados oficiais já indicavam 111 corpos da chacina. E a Detenção, enfim, se abriu para os jornalistas.

Um cenário desolador. No Pavilhão 9, os repórteres puderam, então, percorrer os andares e pavimentos, aqui e ali o rastro da truculência, Colchões, beliches e paredões furados à bala, o chão ainda tingido de sangue.

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Já não havia mais corpos. Todos haviam sido levados aos postos do Instituto Médico Legal. Para cumprimento de mera rotina. O exame necroscópico indicaria ferimentos, disparos que alvejaram cada prisioneiro, o trajeto dos projéteis. Formalidade que, no Massacre do Carandiru, não levou à pista dos algozes ou, no linguajar forense, não individualizou condutas.

Sobreviventes se encorajaram e aos jornalistas fizeram os primeiros relatos sobre o avanço da tropa ensandecida, corpos atirados no fosso do elevador. Os soldados atiçando a matilha de pastores-alemães para destroçar de vez os feridos.

A perícia reconstituiu uma chuva de mais de 3 mil disparos de grosso calibre. Um bombardeio que produziu a montanha de cadáveres daquele 2 de outubro de 1992 e que, trinta anos depois, permanece sem castigo.

*Fausto Macedo era repórter do extinto Jornal da Tarde quando cobriu o massacre do Carandiru. Hoje é editor do blog que leva seu nome no Estadão.

 Foto: Itamar Miranda/Agência Estado

A monotonia da tarde daquela sexta-feira, 2 de outubro, que seguia para o seu crepúsculo, foi cortada pelo alerta do Bip (código 25 L) preso ao cinto. 'Rebelião na Casa de Detenção', dizia a mensagem.

Eu estava na Procuradoria da República que, à época, ficava alojada em um prédio antigo do Centro de São Paulo, à Praça da República. Entre ligar para o jornal e pedir um carro, presumidamente uma hora no trânsito caótico, escolhi pegar o Metrô.

Após a baldeação na Sé, cheguei à Estação Carandiru, na zona Norte da cidade, à margem da avenida Cruzeiro do Sul, na expectativa de fazer a cobertura de um motim como tantos outros que se arrastam por longas horas e varam a noite. Dali, do alto da plataforma de trens - nesse trecho do percurso os trilhos passam muito acima do nível da rua -, tinha-se uma boa visão panorâmica dos pavilhões.

Dali, do alto da plataforma de trens, tinha-se uma boa visão panorâmica dos pavilhões que se erguiam atrás das muralhas colossais. Mas havia algo estranho. Não havia tropas em marcha, nem camburões circulando, o grito das sirenes, cerco. Nada.

Um silêncio fúnebre.

Em 20 minutos a insurreição havia sido sufocada. Briga de facções, era a primeira versão. A tropa de choque chegou. O choque é o choque. Quando eles chegam é para arrebentar. Gente treinada para o pior. Infantaria pesada.

O seu comandante, por esse tempo, era o coronel Ubiratan Guimarães, estilo durão, oficial enérgico, disciplinador. Carismático na caserna, merecedor de continências e deferências de seus camaradas.

A história que a Polícia espalhou para explicar o estouro do maior banho de sangue das prisões do País dava conta de que os reclusos do Pavilhão 9 fizeram explodir um petardo. O estrondo aturdiu e fez ir ao chão o coronel, momentaneamente sem sentidos.

A agressão a seu líder descontrolou o batalhão munido de armamento de guerra, mais de trezentos militares que invadiram a velha masmorra empunhando metralhadoras e puxando cães ferozes, adestrados para o ataque.

Não houve negociação. Nem tempo para isso. Seguiu-se uma fuzilaria jamais vista, que durou até a munição chegar ao fim. O Pavilhão 9 era o inferno.

À frente do grande presídio, no pátio que dava para a rua, já início da noite, fez-se grande vigília das mães por notícias de seus filhos. A primeira informação contava oito mortos.

(A balela perdurou até às 17 horas do outro dia, sábado, 3, quando encerrou a eleição para prefeito - o voto ainda era em cédula de papel. O governo Fleury Fllho, então chefe do Executivo estadual, queria fazer o sucessor de Luíza Erundina. E trabalhava com a suposição de que a divulgação de dados reais sobre o massacre poderia, de alguma forma, prejudicar o desempenho de seu candidato ao Paço da metrópole. O embuste, afinal, não deu certo. Paulo Salim Maluf ganhou a corrida).

Em meio à longa noite de agonia, o pesado portão de ferro pintado de um verde escuro se abria e por ele passavam as viaturas do choque e informações desencontradas, que só faziam crescer o desassossego e a inquietação das famílias.

Já perto da madrugada, vem o padre, a passos trôpegos. Ele saiu da diretoria do presídio. Trazia orações e uma revelação perturbadora. 'Mais de 100 mortos, mais de 100 mortos!!'.

Na segunda-feira, 5, ante a repercussão que o massacre ganhou em todo o mundo os dados oficiais já indicavam 111 corpos da chacina. E a Detenção, enfim, se abriu para os jornalistas.

Um cenário desolador. No Pavilhão 9, os repórteres puderam, então, percorrer os andares e pavimentos, aqui e ali o rastro da truculência, Colchões, beliches e paredões furados à bala, o chão ainda tingido de sangue.

Já não havia mais corpos. Todos haviam sido levados aos postos do Instituto Médico Legal. Para cumprimento de mera rotina. O exame necroscópico indicaria ferimentos, disparos que alvejaram cada prisioneiro, o trajeto dos projéteis. Formalidade que, no Massacre do Carandiru, não levou à pista dos algozes ou, no linguajar forense, não individualizou condutas.

Sobreviventes se encorajaram e aos jornalistas fizeram os primeiros relatos sobre o avanço da tropa ensandecida, corpos atirados no fosso do elevador. Os soldados atiçando a matilha de pastores-alemães para destroçar de vez os feridos.

A perícia reconstituiu uma chuva de mais de 3 mil disparos de grosso calibre. Um bombardeio que produziu a montanha de cadáveres daquele 2 de outubro de 1992 e que, trinta anos depois, permanece sem castigo.

*Fausto Macedo era repórter do extinto Jornal da Tarde quando cobriu o massacre do Carandiru. Hoje é editor do blog que leva seu nome no Estadão.

 Foto: Itamar Miranda/Agência Estado

A monotonia da tarde daquela sexta-feira, 2 de outubro, que seguia para o seu crepúsculo, foi cortada pelo alerta do Bip (código 25 L) preso ao cinto. 'Rebelião na Casa de Detenção', dizia a mensagem.

Eu estava na Procuradoria da República que, à época, ficava alojada em um prédio antigo do Centro de São Paulo, à Praça da República. Entre ligar para o jornal e pedir um carro, presumidamente uma hora no trânsito caótico, escolhi pegar o Metrô.

Após a baldeação na Sé, cheguei à Estação Carandiru, na zona Norte da cidade, à margem da avenida Cruzeiro do Sul, na expectativa de fazer a cobertura de um motim como tantos outros que se arrastam por longas horas e varam a noite. Dali, do alto da plataforma de trens - nesse trecho do percurso os trilhos passam muito acima do nível da rua -, tinha-se uma boa visão panorâmica dos pavilhões.

Dali, do alto da plataforma de trens, tinha-se uma boa visão panorâmica dos pavilhões que se erguiam atrás das muralhas colossais. Mas havia algo estranho. Não havia tropas em marcha, nem camburões circulando, o grito das sirenes, cerco. Nada.

Um silêncio fúnebre.

Em 20 minutos a insurreição havia sido sufocada. Briga de facções, era a primeira versão. A tropa de choque chegou. O choque é o choque. Quando eles chegam é para arrebentar. Gente treinada para o pior. Infantaria pesada.

O seu comandante, por esse tempo, era o coronel Ubiratan Guimarães, estilo durão, oficial enérgico, disciplinador. Carismático na caserna, merecedor de continências e deferências de seus camaradas.

A história que a Polícia espalhou para explicar o estouro do maior banho de sangue das prisões do País dava conta de que os reclusos do Pavilhão 9 fizeram explodir um petardo. O estrondo aturdiu e fez ir ao chão o coronel, momentaneamente sem sentidos.

A agressão a seu líder descontrolou o batalhão munido de armamento de guerra, mais de trezentos militares que invadiram a velha masmorra empunhando metralhadoras e puxando cães ferozes, adestrados para o ataque.

Não houve negociação. Nem tempo para isso. Seguiu-se uma fuzilaria jamais vista, que durou até a munição chegar ao fim. O Pavilhão 9 era o inferno.

À frente do grande presídio, no pátio que dava para a rua, já início da noite, fez-se grande vigília das mães por notícias de seus filhos. A primeira informação contava oito mortos.

(A balela perdurou até às 17 horas do outro dia, sábado, 3, quando encerrou a eleição para prefeito - o voto ainda era em cédula de papel. O governo Fleury Fllho, então chefe do Executivo estadual, queria fazer o sucessor de Luíza Erundina. E trabalhava com a suposição de que a divulgação de dados reais sobre o massacre poderia, de alguma forma, prejudicar o desempenho de seu candidato ao Paço da metrópole. O embuste, afinal, não deu certo. Paulo Salim Maluf ganhou a corrida).

Em meio à longa noite de agonia, o pesado portão de ferro pintado de um verde escuro se abria e por ele passavam as viaturas do choque e informações desencontradas, que só faziam crescer o desassossego e a inquietação das famílias.

Já perto da madrugada, vem o padre, a passos trôpegos. Ele saiu da diretoria do presídio. Trazia orações e uma revelação perturbadora. 'Mais de 100 mortos, mais de 100 mortos!!'.

Na segunda-feira, 5, ante a repercussão que o massacre ganhou em todo o mundo os dados oficiais já indicavam 111 corpos da chacina. E a Detenção, enfim, se abriu para os jornalistas.

Um cenário desolador. No Pavilhão 9, os repórteres puderam, então, percorrer os andares e pavimentos, aqui e ali o rastro da truculência, Colchões, beliches e paredões furados à bala, o chão ainda tingido de sangue.

Já não havia mais corpos. Todos haviam sido levados aos postos do Instituto Médico Legal. Para cumprimento de mera rotina. O exame necroscópico indicaria ferimentos, disparos que alvejaram cada prisioneiro, o trajeto dos projéteis. Formalidade que, no Massacre do Carandiru, não levou à pista dos algozes ou, no linguajar forense, não individualizou condutas.

Sobreviventes se encorajaram e aos jornalistas fizeram os primeiros relatos sobre o avanço da tropa ensandecida, corpos atirados no fosso do elevador. Os soldados atiçando a matilha de pastores-alemães para destroçar de vez os feridos.

A perícia reconstituiu uma chuva de mais de 3 mil disparos de grosso calibre. Um bombardeio que produziu a montanha de cadáveres daquele 2 de outubro de 1992 e que, trinta anos depois, permanece sem castigo.

*Fausto Macedo era repórter do extinto Jornal da Tarde quando cobriu o massacre do Carandiru. Hoje é editor do blog que leva seu nome no Estadão.

 Foto: Itamar Miranda/Agência Estado

A monotonia da tarde daquela sexta-feira, 2 de outubro, que seguia para o seu crepúsculo, foi cortada pelo alerta do Bip (código 25 L) preso ao cinto. 'Rebelião na Casa de Detenção', dizia a mensagem.

Eu estava na Procuradoria da República que, à época, ficava alojada em um prédio antigo do Centro de São Paulo, à Praça da República. Entre ligar para o jornal e pedir um carro, presumidamente uma hora no trânsito caótico, escolhi pegar o Metrô.

Após a baldeação na Sé, cheguei à Estação Carandiru, na zona Norte da cidade, à margem da avenida Cruzeiro do Sul, na expectativa de fazer a cobertura de um motim como tantos outros que se arrastam por longas horas e varam a noite. Dali, do alto da plataforma de trens - nesse trecho do percurso os trilhos passam muito acima do nível da rua -, tinha-se uma boa visão panorâmica dos pavilhões.

Dali, do alto da plataforma de trens, tinha-se uma boa visão panorâmica dos pavilhões que se erguiam atrás das muralhas colossais. Mas havia algo estranho. Não havia tropas em marcha, nem camburões circulando, o grito das sirenes, cerco. Nada.

Um silêncio fúnebre.

Em 20 minutos a insurreição havia sido sufocada. Briga de facções, era a primeira versão. A tropa de choque chegou. O choque é o choque. Quando eles chegam é para arrebentar. Gente treinada para o pior. Infantaria pesada.

O seu comandante, por esse tempo, era o coronel Ubiratan Guimarães, estilo durão, oficial enérgico, disciplinador. Carismático na caserna, merecedor de continências e deferências de seus camaradas.

A história que a Polícia espalhou para explicar o estouro do maior banho de sangue das prisões do País dava conta de que os reclusos do Pavilhão 9 fizeram explodir um petardo. O estrondo aturdiu e fez ir ao chão o coronel, momentaneamente sem sentidos.

A agressão a seu líder descontrolou o batalhão munido de armamento de guerra, mais de trezentos militares que invadiram a velha masmorra empunhando metralhadoras e puxando cães ferozes, adestrados para o ataque.

Não houve negociação. Nem tempo para isso. Seguiu-se uma fuzilaria jamais vista, que durou até a munição chegar ao fim. O Pavilhão 9 era o inferno.

À frente do grande presídio, no pátio que dava para a rua, já início da noite, fez-se grande vigília das mães por notícias de seus filhos. A primeira informação contava oito mortos.

(A balela perdurou até às 17 horas do outro dia, sábado, 3, quando encerrou a eleição para prefeito - o voto ainda era em cédula de papel. O governo Fleury Fllho, então chefe do Executivo estadual, queria fazer o sucessor de Luíza Erundina. E trabalhava com a suposição de que a divulgação de dados reais sobre o massacre poderia, de alguma forma, prejudicar o desempenho de seu candidato ao Paço da metrópole. O embuste, afinal, não deu certo. Paulo Salim Maluf ganhou a corrida).

Em meio à longa noite de agonia, o pesado portão de ferro pintado de um verde escuro se abria e por ele passavam as viaturas do choque e informações desencontradas, que só faziam crescer o desassossego e a inquietação das famílias.

Já perto da madrugada, vem o padre, a passos trôpegos. Ele saiu da diretoria do presídio. Trazia orações e uma revelação perturbadora. 'Mais de 100 mortos, mais de 100 mortos!!'.

Na segunda-feira, 5, ante a repercussão que o massacre ganhou em todo o mundo os dados oficiais já indicavam 111 corpos da chacina. E a Detenção, enfim, se abriu para os jornalistas.

Um cenário desolador. No Pavilhão 9, os repórteres puderam, então, percorrer os andares e pavimentos, aqui e ali o rastro da truculência, Colchões, beliches e paredões furados à bala, o chão ainda tingido de sangue.

Já não havia mais corpos. Todos haviam sido levados aos postos do Instituto Médico Legal. Para cumprimento de mera rotina. O exame necroscópico indicaria ferimentos, disparos que alvejaram cada prisioneiro, o trajeto dos projéteis. Formalidade que, no Massacre do Carandiru, não levou à pista dos algozes ou, no linguajar forense, não individualizou condutas.

Sobreviventes se encorajaram e aos jornalistas fizeram os primeiros relatos sobre o avanço da tropa ensandecida, corpos atirados no fosso do elevador. Os soldados atiçando a matilha de pastores-alemães para destroçar de vez os feridos.

A perícia reconstituiu uma chuva de mais de 3 mil disparos de grosso calibre. Um bombardeio que produziu a montanha de cadáveres daquele 2 de outubro de 1992 e que, trinta anos depois, permanece sem castigo.

*Fausto Macedo era repórter do extinto Jornal da Tarde quando cobriu o massacre do Carandiru. Hoje é editor do blog que leva seu nome no Estadão.

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