O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, minimizou nesta segunda-feira, 22, as críticas dirigidas aos ministros por sua exposição e defendeu que, como autoridades e intelectuais, eles estão legitimados a participarem do debate público.
“Se o Supremo decide na frente da televisão, ao vivo, para a sociedade assistir, eu me sinto legitimado e no dever de explicar minha posição”, afirmou ao defender que, em sua avaliação, essas críticas estão relacionadas à insatisfação com as decisões do tribunal e não ao protagonismo dos ministros na imprensa. “Participar do debate público, como um intelectual público, faz parte da minha vida.”
Barroso também voltou a defender o que vem chamando de uma “agenda para o Brasil”. A plataforma – mais política do que jurídica – prega a união de esforços em torno de oito eixos: erradicar a pobreza, promover o crescimento econômico e social, valorizar a livre iniciativa, investir em tecnologia, saneamento básico, moradia popular e na educação básica e, por fim, alçar o Brasil à liderança global em matéria ambiental.
Há anos, Barroso vem defendendo essas bandeiras e consolidando as ideias em uma espécie de roteiro programático para o País. O ministro negou que elas representem uma intromissão indevida sobre a atividade política. Segundo ele, é a “agenda da Constituição”. “É uma agenda, eu diria, patriótica”, emendou em palestra na Fundação FHC, em São Paulo. “Eu não tenho ambições políticas. Eu vivo para servir o Brasil.”
O presidente do STF também saiu em defesa do ministro Alexandre de Moraes contra os ataques dirigidos por apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro, que o acusam de censura e perseguição. As declarações vêm um dia após o ato bolsonarista organizado em Copacabana, no Rio, que reeditou acusações ao ministro e críticas ao tribunal.
Sem mencionar a manifestação, Barroso disse que a atuação do colega “merece admiração e respeito”. “Eu tenho defendido a atuação do ministro Alexandre de Moraes. Primeiro, pelo custo pessoal. Claro que qualquer ministro que estivesse lá talvez pudesse fazer pontualmente diferente, mas no conjunto eu acho que a atuação dele merece admiração e respeito. E eu tenho defendido, porque acho que ele teve um papel muito importante nesse momento. A verdade é que nós enfrentamos as sombras.”
Uma das preocupações da gestão de Barroso na presidência do Supremo Tribunal Federal é justamente manter a coesão da Corte e evitar que atritos internos arranhem a legitimidade do Poder Judiciário. Por um lado, a pressão bolsonarista preservou o tribunal unido contra as ameaças antidemocráticas. Com a derrota do ex-presidente e o bolsonarismo fora do Palácio do Planalto, ainda que a extrema-direita continue coordenada e se mantenha relevante eleitoralmente, a avaliação nos corredores do STF é a de que os ataques têm menos potencial destrutivo.
Para o ministro, o período de recessão democrática vivido pelo Brasil no governo Jair Bolsonaro fez com que o STF assumisse a liderança do “embate contra o extremismo”. “Nós lidamos com coisas muito inusitadas. A barbárie chegando muito perto das nossas portas.”
O presidente do STF afirmou ainda que as suspeitas sobre a segurança das urnas e a defesa do voto impresso foram o “germe do golpe” – que, segundo ele só não aconteceu porque o comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, rejeitou o plano golpista. A investigação pode levar à condenação criminal de Bolsonaro.
Outro desafio de Barroso é a relação institucional, sobretudo com o Congresso. Em meio a críticas de deputados e senadores sobre o que veem como uma intervenção indevida do tribunal em temas que deveriam ser regulamentados pelo Legislativo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a debater a abertura de uma CPI do Judiciário. Além disso, parlamentares defendem propostas para alterar o regime de indicação dos ministros e regras internas de funcionamento do tribunal.
Barroso nega que o STF tenha buscado ativamente o protagonismo que assumiu na vida política nacional. O texto constitucional é considerado extenso por juristas, o que abre caminho para uma ampla revisão pelo Judiciário. Além disso, o rol de atores legitimados a acionar o Supremo Tribunal Federal foi ampliado desde a Constituição de 1988, o que permitiu a transferência de conflitos políticos para a arena judicial e a chegada de toda sorte de controvérsia ao STF. “O Supremo discute desde a queima da cana de açúcar até o direito a interromper a gestação”, resumiu o ministro.
Segundo Barroso, o protagonismo do Supremo é resultado da combinação entre o desenho institucional e a exposição do tribunal na mídia. Não há, em sua avaliação, uma postura ativista ou falta de contenção por parte dos ministros. “Muitos confundem com ativismo judicial. O que existe é um certo protagonismo judicial. A judicialização é um fato da vida e o arranjo institucional facilita o acesso ao Judiciário. Mas o ativismo judicial é uma atitude. São raros os casos.”
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A crise com o Congresso escalou no final da gestão da ministra Rosa Weber, que antecedeu Barroso na presidência do Supremo, após julgamentos em série que desagradaram os parlamentares. Ela pautou temas como a descriminalização do aborto e do porte de drogas para consumo próprio e o marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Embora tenha engavetado o julgamento sobre a descriminalização do aborto, Barroso declarou que é a favor da medida. “Prender a mulher não serve para nada. Não é uma boa política pública. A criminalização não diminui o número de abortos e impede as mulheres pobres de terem aconselhamento do serviço público de saúde. Essa é uma discussão mal colocada, mas muito explorada por uma visão conservadora mais radical.”
O ministro também comentou o papel das big techs nas investidas contra a democracia. Enquanto o Congresso patina na discussão do PL das Fake News e deixa o tema sem regulamentação, o STF virou alvo de críticas por mandar remover contas que espalham fake news e ataques antidemocráticos. O capítulo mais recente dessa queda de braço é travado pelo empresário Elon Musk, dono do X, que ameaçou levantar restrições a perfis bloqueados pelo ministro Alexandre de Moraes. Como resposta, Moraes mandou incluir o bilionário no inquérito das milícias digitais.
Barroso afirmou que a lógica das redes funciona como um “incentivo perverso à difusão de discursos de ódio”. “Por trás do rótulo liberdade de expressão, se instalou um modelo de negócio que é fundado no engajamento, as plataformas digitais. O ódio, a mentira, o extremismo e o sensacionalismo conquistam muito mais cliques do que a fala moderada.”