O descalabro no tratamento da questão das emergências climáticas por parte do governo federal está na falta de atitude diante do desmatamento, do fogo criminoso, da poluição do solo, da atmosfera e da água e no excesso de discursos.
Retórica não salva o planeta. Estão aí as vinte e nove COPs, em que se registra mais retrocesso do que avanços. Chega-se ao cúmulo de, em Baku, incensar-se o petróleo, o óleo diesel e o gás fóssil, como se fossem as mais gratificantes benesses da Providência.
O espetáculo deprimente do Brasil em chamas há poucas semanas mereceu a promessa da criação de Autoridade Climática. Um vazio que, à evidência, até o momento não foi preenchido.
Prometer punição não é o mesmo que punir. As sanções pecuniárias constituem uma falácia. Quanto se arrecadou com multa ambiental no Brasil? Além de serem meramente simbólicas, as Fazendas Públicas não conseguem receber o quantum, pois há meandros burocráticos, inumeráveis recursos à Justiça e uma leniência tão prejudicial quanto a própria infração ecológica.
E pensar que o Brasil teria tudo para ser a promissora potência verde nos tempos de Paulo Nogueira Neto, que auxiliou a elaborar o conceito de sustentabilidade quando da redação do Relatório Brundtland. Foi um disseminador de unidades de conservação, alguém que aliou ciência e militância, algo que é muito difícil de ocorrer numa terra de iletramento ambiental como é o Brasil.
O artigo 225 da Constituição é um dos mais belos dispositivos fundantes já redigidos no planeta. Uma lástima que não seja cumprido. Bastaria a exata observância do que ele e seu séquito preveem, para que o Brasil deixasse de ser Pária Ambiental e voltasse a ocupar a linha de frente da tutela ecológica.
Não é necessária a criação de mais uma estrutura burocrática para alertar o governo de que todas as repartições públicas devem ter as emergências climáticas em seu radar. Não é necessário criar comitê técnico-científico, porque os cientistas pátrios, a começar da USP, já produziram todo o material suficiente a que a defesa da natureza seja eficaz. Basta a vontade política do governo para cessem as queimadas e os desmatamentos, as grilagens e a continuidade do genocídio indígena, a conspurcação dos rios, a eliminação da biodiversidade, a conversão de vastos territórios pátrios em terra sem lei, onde a bandidagem impõe a sua vontade e não toma conhecimento de qualquer autoridade governamental.
Não é necessário qualquer outro órgão, mas o adequado cumprimento da vontade constitucional. O texto fundante de 5.10.1988, por sua clareza e objetividade, foi considerado um dos mais generosos dispositivos em relação ao ambiente. Tanto que a Constituição chegou a ser chamada “Ecológica”.
Só que, em lugar de atendimento integral à vontade do constituinte, que representa a única entidade soberana nesta República, a cidadania, houve negligência culposa e até dolosa, a comprometer o amanhã e a acelerar, neste território, o termo final da experiência humana sobre o planeta.
O Brasil precisa de um bilhão de árvores. Onde o plantio nas vastas áreas degradadas que já foram utilizadas para cana e depois destinadas ao pasto e que hoje estão ociosas? Bastaria reflorestar tais glebas e o Brasil recuperaria, ao menos em parte, a sua cobertura vegetal condenada ao extermínio. Onde está o saneamento básico, cuja ausência polui ainda mais os cursos d’água que resistiram à barbárie de uma civilização que protege o automóvel e condena as pessoas à perda da saúde, por serem obrigadas a respirar o veneno expelido pelo transporte movido a combustível fóssil?
Onde está a educação ambiental que deveria ocorrer em todos os níveis, de maneira formal e informal, para que todos os brasileiros conheçam o perigo que os ronda e que é o maior desafio já posto ao bicho-homem, que se vangloria de ser racional, mas que age tão irracionalmente em relação ao seu único habitat?
Não há necessidade de autoridade climática, nem de aumentar as nomeações de um Estado perdulário, que gasta mais do que arrecada e com despesas que nada trazem de benefício para os mais vulneráveis, por sinal, as vítimas preferenciais das emergências climáticas.
É preciso, simplesmente, cumprir a Constituição. Levar a sério o artigo 225 da Lei Fundamental. É isso que uma cidadania lúcida, letrada e consciente reclamaria do governo federal. Mas onde foi parar a educação de qualidade para a edificação de uma Pátria realmente civilizada?