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Opinião|Bets: a importância da regulamentação para proteger o mercado e combater a lavagem de dinheiro


Em vez de marginalizar os jogadores e empurrar o problema para baixo do tapete, a regulamentação permite que o governo controle e supervisione a atividade, implementando práticas responsáveis e educativas

Por Beatriz Lerner e Giovanna Souza
Atualização:

A recente notícia de que beneficiários do Bolsa Família gastaram uma média de R$ 3 milhões em apostas online apenas no mês de agosto é um sinal de alerta.[1] Além disso, é preocupante observar estudantes desistindo da faculdade para apostarem no infame “Jogo do Tigrinho” – com 35% investindo o dinheiro da educação. Mas o que isso revela sobre nossa sociedade? O vício em jogos de azar não é apenas uma questão de entretenimento; é um problema jurídico e social que exige atenção urgente.

A vulnerabilidade econômica combinada com a falta de educação financeira é uma bomba-relógio. Assim como o “Tigrinho”, predadores silenciosos rondam suas presas, atraindo os mais vulneráveis com a promessa de um caminho fácil para a riqueza. Porém, o que muitas vezes parece uma presa fácil, revela-se uma armadilha. Muitos enxergam nas apostas uma solução rápida, mas os danos são profundos.

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O que atualmente é visto como um problema financeiro, rapidamente se transformará em uma questão social. De acordo com a neurociência[2], o vício em jogos deve ser tratado como um problema de saúde pública, exigindo uma intervenção mais robusta e estratégica.

Não por outro motivo, que a Lei 14.790/2023 traz algum alento ao regular algumas modalidades de apostas no Brasil. Essa lei estabelece dois grupos principais: apostas em eventos reais de temática esportiva e eventos virtuais de jogos on-line. Nesse prisma, o segundo grupo são jogos cujo resultado é determinado, em sua maior parte, por um gerador aleatório, seja ele de números, símbolos ou figuras.

É nesse campo que poderia entrar o famoso “Jogo do Tigre” e demais “Bets” e que funcionam como um típico jogo de azar, movido pela sorte e por algoritmos imprevisíveis. Entretanto, apesar de sua popularidade crescente, as “Bets” e similares operam em uma zona cinzenta. Embora a lei tenha permitido certos jogos online, muitos deles, como o “Tigrinho”, ainda não encontram respaldo na legislação atual, permanecendo sem regulamentação e, consequentemente, sem supervisão adequada.

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Isso porque, a Lei 14.790/2023 visa regulamentar jogos específicos, operados dentro de plataformas digitais que estão sob controle de órgãos reguladores, com regras claras sobre seu funcionamento e tributação. Até o momento, esses jogos, como o “Tigrinho” e similares, aguardam a criação de diretrizes específicas e regulamentação que lhes ofereça um enquadramento jurídico adequado. Enquanto isso não ocorre, permanecem operando em um limbo legal, sem fiscalização ou regras claras que protejam o consumidor e o mercado.

Ainda assim, esses jogos continuam a ganhar popularidade diariamente. Influenciadores digitais e a mídia os promovem como uma promessa de enriquecimento rápido, alimentando a ilusão de ganhos fáceis. A dúvida que paira é: até quando essas modalidades seguirão operando à margem da legalidade? Sem regulamentação, o risco cresce tanto para os jogadores quanto para a própria economia, enquanto o sonho de fortuna instantânea se transforma em uma armadilha silenciosa para enriquecimento rápido, alimentando esperanças que raramente se concretizam.

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Sem regulamentação clara, o cenário continua nebuloso, expondo os jogadores — e a própria economia — aos riscos de uma promessa que pode ser tão instável quanto os próprios algoritmos que definem seus resultados. Atualmente as “Bets” só estão drenando dinheiro, canalizando-o diretamente para o exterior.

Para mais, há uma outra questão premente que clama por uma regulamentação eficaz das apostas: a prevenção e o combate à lavagem de dinheiro. Há quem lembre de como, no passado, compravam-se bilhetes premiados de loteria para justificar valores injustificáveis, frutos de lavagem de dinheiro, perante a Receita Federal.

Desde o princípio, ficou claro que as apostas online poderiam servir de porta de entrada para atividades criminosas. Recentemente, algumas figuras públicas tiveram seus nomes ligados à Operação Integration, que investiga práticas ilegais associadas a esse contexto.

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Dessa forma, dois aspectos fundamentais emergem na pressão por uma regulamentação rigorosa desse setor: o primeiro é a prevenção e combate a lavagem de dinheiro; o segundo diz respeito à possibilidade de reinvestir esses recursos na economia nacional, ao invés de vê-los escorregar para o exterior, sem qualquer benefício para o Brasil.

Desse modo, resta observar a postura adotada diante deste cenário. Há disposição para implementar medidas efetivas e interdisciplinares para regulamentar os jogos de azar, assegurando assim maior segurança para todos os envolvidos? Essa abordagem requer um esforço significativo, e a tendência no Brasil tem sido recorrer ao direito penal como solucionador de todas as mazelas sociais.

Para tanto, emerge rememorar as diretrizes fundadas por Claus Roxin para delimitar a punição no direito penal, que são utilizadas até os dias atuais pela doutrina majoritária, tanto nacionalmente, como internacionalmente, especificamente na Alemanha e Espanha.

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Sem embargos, Roxin[3] leciona:

“O Direito Penal objetiva a proteção de bens jurídicos, mas não é a proteção a qualquer custo: só é político-criminalmente defensável proibir ações que, além de arriscadas, ultrapassem o risco permitido. Este conceito define até que ponto, e sob que condições, o ordenamento jurídico está disposto a aceitar que se pratiquem ações perigosas”.

Em suma, o direito penal possui três principais fins: (1) a proteção de bens jurídicos fundamentais para a convivência social, (2) a prevenção de prática perigosa, (3) repressão e punição. A criação de normas jurídicas penais só se justifica para proteger bens jurídicos de ações ex ante perigosas, do contrário, seria “proibir por proibir”[4].

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Não obstante, antes de criar uma nova norma penal, deve-se analisar se, com a penalização, a conduta vai proteger a sociedade, em seu desenvolvimento e pacificação, e se essa conduta é tão injusta, ao ponto de justificar o cerceamento da liberdade do indivíduo.

Nessa perspectiva, Hassemer[5] afirma:

“Através da pena estatal não só se realiza a luta contra o delito, como também se garante a juridicidade, a formalização do modo social de sancioná-lo. Não faz parte do caráter da pena a função de resposta ao desvio (o Direito Penal não é somente uma parte do controle social). A juridicidade dessa resposta (o Direito Penal caracteriza-se por sua formalização) também pertence ao caráter da pena”.

A ampliação do uso do Direito Penal como solução para questões sociais, como a regulamentação das apostas, deslegitima suas funções essenciais. Conforme estabelecido por Claus Roxin, o Direito Penal deve se concentrar na proteção de bens jurídicos fundamentais e na proteção de condutas perigosas, em vez de se transformar em um mero instrumento de repressão. Assim, a reflexão sobre a verdadeira função do Direito Penal é vital para assegurar que ele exerça seu papel de maneira adequada e eficaz.

A solução mais apropriada envolve a promoção da educação financeira e da conscientização. Uma estratégia integrada, que envolva a educação sobre as consequências das apostas e a promoção de hábitos financeiros saudáveis, pode aumentar significativamente a eficácia dessas iniciativas. Além disso, considerar restrições nas apostas — como limitar os valores a um percentual da renda declarada no CPF junto à Receita Federal — pode ser uma medida eficaz para prevenir comportamentos impulsivos e proteger os indivíduos dos riscos envolvidos.

Isso exige um trabalho considerável. A pergunta que fica é: o Brasil estará disposto a seguir o caminho mais acertado e regulamentar o setor, como fazem países sérios da Europa, que contam com órgãos reguladores de jogos? Ou optará pela solução mais fácil, proibindo tudo com um simples golpe de caneta? Optar pela solução mais fácil revela um apelo ao paternalismo estatal que envolve nosso sistema, evitando o enfrentamento de um problema que, em sua essência, é econômico e social. Afinal, por que mergulhar nas complexidades sociais quando é mais fácil invocar o Direito Penal? Por que buscar soluções reais quando se pode apenas brandir o bastão da autoridade?

A opção pela proibição não só ignora a complexidade do vício em jogos, mas também perpetua uma abordagem simplista que não condiz com um país que busca se desenvolver. É muito mais fácil criminalizar do que regulamentar, mas essa facilidade não deve ser confundida com eficácia.

A regulamentação do setor de jogos representa uma oportunidade de adaptar-se às realidades contemporâneas. Em vez de marginalizar os jogadores e empurrar o problema para baixo do tapete, a regulamentação permite que o governo controle e supervisione a atividade, implementando práticas responsáveis e educativas. Isso não só protege os consumidores, mas também gera receita para o Estado, que pode ser investida em programas de prevenção e conscientização.

Essa mudança não só alinha o país com as práticas internacionais, mas também reflete um compromisso com o desenvolvimento social e econômico responsável. O fato é que algum tipo de restrição e regulação parece inafastável. Os impactos dessa questão são profundos e já chegou o momento de debater o tema de forma mais abrangente e crítica.

[1] SENADO FEDERAL. Beneficiários do Bolsa Família enviaram R$ 3 bi para bets em agosto, segundo o BC. Rádio Senado, 25 set. 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2024/09/25/beneficiarios-do-bolsa-familia-enviaram-r-3-bi-para-bets-em-agosto-segundo-o-bc. Acesso em: 1 out. 2024.

[2] MACEDO, Fausto. Neurociência comprova que jogos de azar são casos de saúde pública e devem ser proibidos. Estadão, 21 set. 2023. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/neurociencia-comprova-que-jogos-de-azar-sao-casos-de-saude-publica-e-devem-ser-proibidos/. Acesso em: 1 out. 2024.

[3] ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no Direito Penal. – trad. Luís Greco. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 81-83.

[4] Ob. cit.

[5] Hassemer, Los fines de la pena, cit., p. 136.

A recente notícia de que beneficiários do Bolsa Família gastaram uma média de R$ 3 milhões em apostas online apenas no mês de agosto é um sinal de alerta.[1] Além disso, é preocupante observar estudantes desistindo da faculdade para apostarem no infame “Jogo do Tigrinho” – com 35% investindo o dinheiro da educação. Mas o que isso revela sobre nossa sociedade? O vício em jogos de azar não é apenas uma questão de entretenimento; é um problema jurídico e social que exige atenção urgente.

A vulnerabilidade econômica combinada com a falta de educação financeira é uma bomba-relógio. Assim como o “Tigrinho”, predadores silenciosos rondam suas presas, atraindo os mais vulneráveis com a promessa de um caminho fácil para a riqueza. Porém, o que muitas vezes parece uma presa fácil, revela-se uma armadilha. Muitos enxergam nas apostas uma solução rápida, mas os danos são profundos.

O que atualmente é visto como um problema financeiro, rapidamente se transformará em uma questão social. De acordo com a neurociência[2], o vício em jogos deve ser tratado como um problema de saúde pública, exigindo uma intervenção mais robusta e estratégica.

Não por outro motivo, que a Lei 14.790/2023 traz algum alento ao regular algumas modalidades de apostas no Brasil. Essa lei estabelece dois grupos principais: apostas em eventos reais de temática esportiva e eventos virtuais de jogos on-line. Nesse prisma, o segundo grupo são jogos cujo resultado é determinado, em sua maior parte, por um gerador aleatório, seja ele de números, símbolos ou figuras.

É nesse campo que poderia entrar o famoso “Jogo do Tigre” e demais “Bets” e que funcionam como um típico jogo de azar, movido pela sorte e por algoritmos imprevisíveis. Entretanto, apesar de sua popularidade crescente, as “Bets” e similares operam em uma zona cinzenta. Embora a lei tenha permitido certos jogos online, muitos deles, como o “Tigrinho”, ainda não encontram respaldo na legislação atual, permanecendo sem regulamentação e, consequentemente, sem supervisão adequada.

Isso porque, a Lei 14.790/2023 visa regulamentar jogos específicos, operados dentro de plataformas digitais que estão sob controle de órgãos reguladores, com regras claras sobre seu funcionamento e tributação. Até o momento, esses jogos, como o “Tigrinho” e similares, aguardam a criação de diretrizes específicas e regulamentação que lhes ofereça um enquadramento jurídico adequado. Enquanto isso não ocorre, permanecem operando em um limbo legal, sem fiscalização ou regras claras que protejam o consumidor e o mercado.

Ainda assim, esses jogos continuam a ganhar popularidade diariamente. Influenciadores digitais e a mídia os promovem como uma promessa de enriquecimento rápido, alimentando a ilusão de ganhos fáceis. A dúvida que paira é: até quando essas modalidades seguirão operando à margem da legalidade? Sem regulamentação, o risco cresce tanto para os jogadores quanto para a própria economia, enquanto o sonho de fortuna instantânea se transforma em uma armadilha silenciosa para enriquecimento rápido, alimentando esperanças que raramente se concretizam.

Sem regulamentação clara, o cenário continua nebuloso, expondo os jogadores — e a própria economia — aos riscos de uma promessa que pode ser tão instável quanto os próprios algoritmos que definem seus resultados. Atualmente as “Bets” só estão drenando dinheiro, canalizando-o diretamente para o exterior.

Para mais, há uma outra questão premente que clama por uma regulamentação eficaz das apostas: a prevenção e o combate à lavagem de dinheiro. Há quem lembre de como, no passado, compravam-se bilhetes premiados de loteria para justificar valores injustificáveis, frutos de lavagem de dinheiro, perante a Receita Federal.

Desde o princípio, ficou claro que as apostas online poderiam servir de porta de entrada para atividades criminosas. Recentemente, algumas figuras públicas tiveram seus nomes ligados à Operação Integration, que investiga práticas ilegais associadas a esse contexto.

Dessa forma, dois aspectos fundamentais emergem na pressão por uma regulamentação rigorosa desse setor: o primeiro é a prevenção e combate a lavagem de dinheiro; o segundo diz respeito à possibilidade de reinvestir esses recursos na economia nacional, ao invés de vê-los escorregar para o exterior, sem qualquer benefício para o Brasil.

Desse modo, resta observar a postura adotada diante deste cenário. Há disposição para implementar medidas efetivas e interdisciplinares para regulamentar os jogos de azar, assegurando assim maior segurança para todos os envolvidos? Essa abordagem requer um esforço significativo, e a tendência no Brasil tem sido recorrer ao direito penal como solucionador de todas as mazelas sociais.

Para tanto, emerge rememorar as diretrizes fundadas por Claus Roxin para delimitar a punição no direito penal, que são utilizadas até os dias atuais pela doutrina majoritária, tanto nacionalmente, como internacionalmente, especificamente na Alemanha e Espanha.

Sem embargos, Roxin[3] leciona:

“O Direito Penal objetiva a proteção de bens jurídicos, mas não é a proteção a qualquer custo: só é político-criminalmente defensável proibir ações que, além de arriscadas, ultrapassem o risco permitido. Este conceito define até que ponto, e sob que condições, o ordenamento jurídico está disposto a aceitar que se pratiquem ações perigosas”.

Em suma, o direito penal possui três principais fins: (1) a proteção de bens jurídicos fundamentais para a convivência social, (2) a prevenção de prática perigosa, (3) repressão e punição. A criação de normas jurídicas penais só se justifica para proteger bens jurídicos de ações ex ante perigosas, do contrário, seria “proibir por proibir”[4].

Não obstante, antes de criar uma nova norma penal, deve-se analisar se, com a penalização, a conduta vai proteger a sociedade, em seu desenvolvimento e pacificação, e se essa conduta é tão injusta, ao ponto de justificar o cerceamento da liberdade do indivíduo.

Nessa perspectiva, Hassemer[5] afirma:

“Através da pena estatal não só se realiza a luta contra o delito, como também se garante a juridicidade, a formalização do modo social de sancioná-lo. Não faz parte do caráter da pena a função de resposta ao desvio (o Direito Penal não é somente uma parte do controle social). A juridicidade dessa resposta (o Direito Penal caracteriza-se por sua formalização) também pertence ao caráter da pena”.

A ampliação do uso do Direito Penal como solução para questões sociais, como a regulamentação das apostas, deslegitima suas funções essenciais. Conforme estabelecido por Claus Roxin, o Direito Penal deve se concentrar na proteção de bens jurídicos fundamentais e na proteção de condutas perigosas, em vez de se transformar em um mero instrumento de repressão. Assim, a reflexão sobre a verdadeira função do Direito Penal é vital para assegurar que ele exerça seu papel de maneira adequada e eficaz.

A solução mais apropriada envolve a promoção da educação financeira e da conscientização. Uma estratégia integrada, que envolva a educação sobre as consequências das apostas e a promoção de hábitos financeiros saudáveis, pode aumentar significativamente a eficácia dessas iniciativas. Além disso, considerar restrições nas apostas — como limitar os valores a um percentual da renda declarada no CPF junto à Receita Federal — pode ser uma medida eficaz para prevenir comportamentos impulsivos e proteger os indivíduos dos riscos envolvidos.

Isso exige um trabalho considerável. A pergunta que fica é: o Brasil estará disposto a seguir o caminho mais acertado e regulamentar o setor, como fazem países sérios da Europa, que contam com órgãos reguladores de jogos? Ou optará pela solução mais fácil, proibindo tudo com um simples golpe de caneta? Optar pela solução mais fácil revela um apelo ao paternalismo estatal que envolve nosso sistema, evitando o enfrentamento de um problema que, em sua essência, é econômico e social. Afinal, por que mergulhar nas complexidades sociais quando é mais fácil invocar o Direito Penal? Por que buscar soluções reais quando se pode apenas brandir o bastão da autoridade?

A opção pela proibição não só ignora a complexidade do vício em jogos, mas também perpetua uma abordagem simplista que não condiz com um país que busca se desenvolver. É muito mais fácil criminalizar do que regulamentar, mas essa facilidade não deve ser confundida com eficácia.

A regulamentação do setor de jogos representa uma oportunidade de adaptar-se às realidades contemporâneas. Em vez de marginalizar os jogadores e empurrar o problema para baixo do tapete, a regulamentação permite que o governo controle e supervisione a atividade, implementando práticas responsáveis e educativas. Isso não só protege os consumidores, mas também gera receita para o Estado, que pode ser investida em programas de prevenção e conscientização.

Essa mudança não só alinha o país com as práticas internacionais, mas também reflete um compromisso com o desenvolvimento social e econômico responsável. O fato é que algum tipo de restrição e regulação parece inafastável. Os impactos dessa questão são profundos e já chegou o momento de debater o tema de forma mais abrangente e crítica.

[1] SENADO FEDERAL. Beneficiários do Bolsa Família enviaram R$ 3 bi para bets em agosto, segundo o BC. Rádio Senado, 25 set. 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2024/09/25/beneficiarios-do-bolsa-familia-enviaram-r-3-bi-para-bets-em-agosto-segundo-o-bc. Acesso em: 1 out. 2024.

[2] MACEDO, Fausto. Neurociência comprova que jogos de azar são casos de saúde pública e devem ser proibidos. Estadão, 21 set. 2023. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/neurociencia-comprova-que-jogos-de-azar-sao-casos-de-saude-publica-e-devem-ser-proibidos/. Acesso em: 1 out. 2024.

[3] ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no Direito Penal. – trad. Luís Greco. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 81-83.

[4] Ob. cit.

[5] Hassemer, Los fines de la pena, cit., p. 136.

A recente notícia de que beneficiários do Bolsa Família gastaram uma média de R$ 3 milhões em apostas online apenas no mês de agosto é um sinal de alerta.[1] Além disso, é preocupante observar estudantes desistindo da faculdade para apostarem no infame “Jogo do Tigrinho” – com 35% investindo o dinheiro da educação. Mas o que isso revela sobre nossa sociedade? O vício em jogos de azar não é apenas uma questão de entretenimento; é um problema jurídico e social que exige atenção urgente.

A vulnerabilidade econômica combinada com a falta de educação financeira é uma bomba-relógio. Assim como o “Tigrinho”, predadores silenciosos rondam suas presas, atraindo os mais vulneráveis com a promessa de um caminho fácil para a riqueza. Porém, o que muitas vezes parece uma presa fácil, revela-se uma armadilha. Muitos enxergam nas apostas uma solução rápida, mas os danos são profundos.

O que atualmente é visto como um problema financeiro, rapidamente se transformará em uma questão social. De acordo com a neurociência[2], o vício em jogos deve ser tratado como um problema de saúde pública, exigindo uma intervenção mais robusta e estratégica.

Não por outro motivo, que a Lei 14.790/2023 traz algum alento ao regular algumas modalidades de apostas no Brasil. Essa lei estabelece dois grupos principais: apostas em eventos reais de temática esportiva e eventos virtuais de jogos on-line. Nesse prisma, o segundo grupo são jogos cujo resultado é determinado, em sua maior parte, por um gerador aleatório, seja ele de números, símbolos ou figuras.

É nesse campo que poderia entrar o famoso “Jogo do Tigre” e demais “Bets” e que funcionam como um típico jogo de azar, movido pela sorte e por algoritmos imprevisíveis. Entretanto, apesar de sua popularidade crescente, as “Bets” e similares operam em uma zona cinzenta. Embora a lei tenha permitido certos jogos online, muitos deles, como o “Tigrinho”, ainda não encontram respaldo na legislação atual, permanecendo sem regulamentação e, consequentemente, sem supervisão adequada.

Isso porque, a Lei 14.790/2023 visa regulamentar jogos específicos, operados dentro de plataformas digitais que estão sob controle de órgãos reguladores, com regras claras sobre seu funcionamento e tributação. Até o momento, esses jogos, como o “Tigrinho” e similares, aguardam a criação de diretrizes específicas e regulamentação que lhes ofereça um enquadramento jurídico adequado. Enquanto isso não ocorre, permanecem operando em um limbo legal, sem fiscalização ou regras claras que protejam o consumidor e o mercado.

Ainda assim, esses jogos continuam a ganhar popularidade diariamente. Influenciadores digitais e a mídia os promovem como uma promessa de enriquecimento rápido, alimentando a ilusão de ganhos fáceis. A dúvida que paira é: até quando essas modalidades seguirão operando à margem da legalidade? Sem regulamentação, o risco cresce tanto para os jogadores quanto para a própria economia, enquanto o sonho de fortuna instantânea se transforma em uma armadilha silenciosa para enriquecimento rápido, alimentando esperanças que raramente se concretizam.

Sem regulamentação clara, o cenário continua nebuloso, expondo os jogadores — e a própria economia — aos riscos de uma promessa que pode ser tão instável quanto os próprios algoritmos que definem seus resultados. Atualmente as “Bets” só estão drenando dinheiro, canalizando-o diretamente para o exterior.

Para mais, há uma outra questão premente que clama por uma regulamentação eficaz das apostas: a prevenção e o combate à lavagem de dinheiro. Há quem lembre de como, no passado, compravam-se bilhetes premiados de loteria para justificar valores injustificáveis, frutos de lavagem de dinheiro, perante a Receita Federal.

Desde o princípio, ficou claro que as apostas online poderiam servir de porta de entrada para atividades criminosas. Recentemente, algumas figuras públicas tiveram seus nomes ligados à Operação Integration, que investiga práticas ilegais associadas a esse contexto.

Dessa forma, dois aspectos fundamentais emergem na pressão por uma regulamentação rigorosa desse setor: o primeiro é a prevenção e combate a lavagem de dinheiro; o segundo diz respeito à possibilidade de reinvestir esses recursos na economia nacional, ao invés de vê-los escorregar para o exterior, sem qualquer benefício para o Brasil.

Desse modo, resta observar a postura adotada diante deste cenário. Há disposição para implementar medidas efetivas e interdisciplinares para regulamentar os jogos de azar, assegurando assim maior segurança para todos os envolvidos? Essa abordagem requer um esforço significativo, e a tendência no Brasil tem sido recorrer ao direito penal como solucionador de todas as mazelas sociais.

Para tanto, emerge rememorar as diretrizes fundadas por Claus Roxin para delimitar a punição no direito penal, que são utilizadas até os dias atuais pela doutrina majoritária, tanto nacionalmente, como internacionalmente, especificamente na Alemanha e Espanha.

Sem embargos, Roxin[3] leciona:

“O Direito Penal objetiva a proteção de bens jurídicos, mas não é a proteção a qualquer custo: só é político-criminalmente defensável proibir ações que, além de arriscadas, ultrapassem o risco permitido. Este conceito define até que ponto, e sob que condições, o ordenamento jurídico está disposto a aceitar que se pratiquem ações perigosas”.

Em suma, o direito penal possui três principais fins: (1) a proteção de bens jurídicos fundamentais para a convivência social, (2) a prevenção de prática perigosa, (3) repressão e punição. A criação de normas jurídicas penais só se justifica para proteger bens jurídicos de ações ex ante perigosas, do contrário, seria “proibir por proibir”[4].

Não obstante, antes de criar uma nova norma penal, deve-se analisar se, com a penalização, a conduta vai proteger a sociedade, em seu desenvolvimento e pacificação, e se essa conduta é tão injusta, ao ponto de justificar o cerceamento da liberdade do indivíduo.

Nessa perspectiva, Hassemer[5] afirma:

“Através da pena estatal não só se realiza a luta contra o delito, como também se garante a juridicidade, a formalização do modo social de sancioná-lo. Não faz parte do caráter da pena a função de resposta ao desvio (o Direito Penal não é somente uma parte do controle social). A juridicidade dessa resposta (o Direito Penal caracteriza-se por sua formalização) também pertence ao caráter da pena”.

A ampliação do uso do Direito Penal como solução para questões sociais, como a regulamentação das apostas, deslegitima suas funções essenciais. Conforme estabelecido por Claus Roxin, o Direito Penal deve se concentrar na proteção de bens jurídicos fundamentais e na proteção de condutas perigosas, em vez de se transformar em um mero instrumento de repressão. Assim, a reflexão sobre a verdadeira função do Direito Penal é vital para assegurar que ele exerça seu papel de maneira adequada e eficaz.

A solução mais apropriada envolve a promoção da educação financeira e da conscientização. Uma estratégia integrada, que envolva a educação sobre as consequências das apostas e a promoção de hábitos financeiros saudáveis, pode aumentar significativamente a eficácia dessas iniciativas. Além disso, considerar restrições nas apostas — como limitar os valores a um percentual da renda declarada no CPF junto à Receita Federal — pode ser uma medida eficaz para prevenir comportamentos impulsivos e proteger os indivíduos dos riscos envolvidos.

Isso exige um trabalho considerável. A pergunta que fica é: o Brasil estará disposto a seguir o caminho mais acertado e regulamentar o setor, como fazem países sérios da Europa, que contam com órgãos reguladores de jogos? Ou optará pela solução mais fácil, proibindo tudo com um simples golpe de caneta? Optar pela solução mais fácil revela um apelo ao paternalismo estatal que envolve nosso sistema, evitando o enfrentamento de um problema que, em sua essência, é econômico e social. Afinal, por que mergulhar nas complexidades sociais quando é mais fácil invocar o Direito Penal? Por que buscar soluções reais quando se pode apenas brandir o bastão da autoridade?

A opção pela proibição não só ignora a complexidade do vício em jogos, mas também perpetua uma abordagem simplista que não condiz com um país que busca se desenvolver. É muito mais fácil criminalizar do que regulamentar, mas essa facilidade não deve ser confundida com eficácia.

A regulamentação do setor de jogos representa uma oportunidade de adaptar-se às realidades contemporâneas. Em vez de marginalizar os jogadores e empurrar o problema para baixo do tapete, a regulamentação permite que o governo controle e supervisione a atividade, implementando práticas responsáveis e educativas. Isso não só protege os consumidores, mas também gera receita para o Estado, que pode ser investida em programas de prevenção e conscientização.

Essa mudança não só alinha o país com as práticas internacionais, mas também reflete um compromisso com o desenvolvimento social e econômico responsável. O fato é que algum tipo de restrição e regulação parece inafastável. Os impactos dessa questão são profundos e já chegou o momento de debater o tema de forma mais abrangente e crítica.

[1] SENADO FEDERAL. Beneficiários do Bolsa Família enviaram R$ 3 bi para bets em agosto, segundo o BC. Rádio Senado, 25 set. 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2024/09/25/beneficiarios-do-bolsa-familia-enviaram-r-3-bi-para-bets-em-agosto-segundo-o-bc. Acesso em: 1 out. 2024.

[2] MACEDO, Fausto. Neurociência comprova que jogos de azar são casos de saúde pública e devem ser proibidos. Estadão, 21 set. 2023. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/neurociencia-comprova-que-jogos-de-azar-sao-casos-de-saude-publica-e-devem-ser-proibidos/. Acesso em: 1 out. 2024.

[3] ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no Direito Penal. – trad. Luís Greco. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 81-83.

[4] Ob. cit.

[5] Hassemer, Los fines de la pena, cit., p. 136.

A recente notícia de que beneficiários do Bolsa Família gastaram uma média de R$ 3 milhões em apostas online apenas no mês de agosto é um sinal de alerta.[1] Além disso, é preocupante observar estudantes desistindo da faculdade para apostarem no infame “Jogo do Tigrinho” – com 35% investindo o dinheiro da educação. Mas o que isso revela sobre nossa sociedade? O vício em jogos de azar não é apenas uma questão de entretenimento; é um problema jurídico e social que exige atenção urgente.

A vulnerabilidade econômica combinada com a falta de educação financeira é uma bomba-relógio. Assim como o “Tigrinho”, predadores silenciosos rondam suas presas, atraindo os mais vulneráveis com a promessa de um caminho fácil para a riqueza. Porém, o que muitas vezes parece uma presa fácil, revela-se uma armadilha. Muitos enxergam nas apostas uma solução rápida, mas os danos são profundos.

O que atualmente é visto como um problema financeiro, rapidamente se transformará em uma questão social. De acordo com a neurociência[2], o vício em jogos deve ser tratado como um problema de saúde pública, exigindo uma intervenção mais robusta e estratégica.

Não por outro motivo, que a Lei 14.790/2023 traz algum alento ao regular algumas modalidades de apostas no Brasil. Essa lei estabelece dois grupos principais: apostas em eventos reais de temática esportiva e eventos virtuais de jogos on-line. Nesse prisma, o segundo grupo são jogos cujo resultado é determinado, em sua maior parte, por um gerador aleatório, seja ele de números, símbolos ou figuras.

É nesse campo que poderia entrar o famoso “Jogo do Tigre” e demais “Bets” e que funcionam como um típico jogo de azar, movido pela sorte e por algoritmos imprevisíveis. Entretanto, apesar de sua popularidade crescente, as “Bets” e similares operam em uma zona cinzenta. Embora a lei tenha permitido certos jogos online, muitos deles, como o “Tigrinho”, ainda não encontram respaldo na legislação atual, permanecendo sem regulamentação e, consequentemente, sem supervisão adequada.

Isso porque, a Lei 14.790/2023 visa regulamentar jogos específicos, operados dentro de plataformas digitais que estão sob controle de órgãos reguladores, com regras claras sobre seu funcionamento e tributação. Até o momento, esses jogos, como o “Tigrinho” e similares, aguardam a criação de diretrizes específicas e regulamentação que lhes ofereça um enquadramento jurídico adequado. Enquanto isso não ocorre, permanecem operando em um limbo legal, sem fiscalização ou regras claras que protejam o consumidor e o mercado.

Ainda assim, esses jogos continuam a ganhar popularidade diariamente. Influenciadores digitais e a mídia os promovem como uma promessa de enriquecimento rápido, alimentando a ilusão de ganhos fáceis. A dúvida que paira é: até quando essas modalidades seguirão operando à margem da legalidade? Sem regulamentação, o risco cresce tanto para os jogadores quanto para a própria economia, enquanto o sonho de fortuna instantânea se transforma em uma armadilha silenciosa para enriquecimento rápido, alimentando esperanças que raramente se concretizam.

Sem regulamentação clara, o cenário continua nebuloso, expondo os jogadores — e a própria economia — aos riscos de uma promessa que pode ser tão instável quanto os próprios algoritmos que definem seus resultados. Atualmente as “Bets” só estão drenando dinheiro, canalizando-o diretamente para o exterior.

Para mais, há uma outra questão premente que clama por uma regulamentação eficaz das apostas: a prevenção e o combate à lavagem de dinheiro. Há quem lembre de como, no passado, compravam-se bilhetes premiados de loteria para justificar valores injustificáveis, frutos de lavagem de dinheiro, perante a Receita Federal.

Desde o princípio, ficou claro que as apostas online poderiam servir de porta de entrada para atividades criminosas. Recentemente, algumas figuras públicas tiveram seus nomes ligados à Operação Integration, que investiga práticas ilegais associadas a esse contexto.

Dessa forma, dois aspectos fundamentais emergem na pressão por uma regulamentação rigorosa desse setor: o primeiro é a prevenção e combate a lavagem de dinheiro; o segundo diz respeito à possibilidade de reinvestir esses recursos na economia nacional, ao invés de vê-los escorregar para o exterior, sem qualquer benefício para o Brasil.

Desse modo, resta observar a postura adotada diante deste cenário. Há disposição para implementar medidas efetivas e interdisciplinares para regulamentar os jogos de azar, assegurando assim maior segurança para todos os envolvidos? Essa abordagem requer um esforço significativo, e a tendência no Brasil tem sido recorrer ao direito penal como solucionador de todas as mazelas sociais.

Para tanto, emerge rememorar as diretrizes fundadas por Claus Roxin para delimitar a punição no direito penal, que são utilizadas até os dias atuais pela doutrina majoritária, tanto nacionalmente, como internacionalmente, especificamente na Alemanha e Espanha.

Sem embargos, Roxin[3] leciona:

“O Direito Penal objetiva a proteção de bens jurídicos, mas não é a proteção a qualquer custo: só é político-criminalmente defensável proibir ações que, além de arriscadas, ultrapassem o risco permitido. Este conceito define até que ponto, e sob que condições, o ordenamento jurídico está disposto a aceitar que se pratiquem ações perigosas”.

Em suma, o direito penal possui três principais fins: (1) a proteção de bens jurídicos fundamentais para a convivência social, (2) a prevenção de prática perigosa, (3) repressão e punição. A criação de normas jurídicas penais só se justifica para proteger bens jurídicos de ações ex ante perigosas, do contrário, seria “proibir por proibir”[4].

Não obstante, antes de criar uma nova norma penal, deve-se analisar se, com a penalização, a conduta vai proteger a sociedade, em seu desenvolvimento e pacificação, e se essa conduta é tão injusta, ao ponto de justificar o cerceamento da liberdade do indivíduo.

Nessa perspectiva, Hassemer[5] afirma:

“Através da pena estatal não só se realiza a luta contra o delito, como também se garante a juridicidade, a formalização do modo social de sancioná-lo. Não faz parte do caráter da pena a função de resposta ao desvio (o Direito Penal não é somente uma parte do controle social). A juridicidade dessa resposta (o Direito Penal caracteriza-se por sua formalização) também pertence ao caráter da pena”.

A ampliação do uso do Direito Penal como solução para questões sociais, como a regulamentação das apostas, deslegitima suas funções essenciais. Conforme estabelecido por Claus Roxin, o Direito Penal deve se concentrar na proteção de bens jurídicos fundamentais e na proteção de condutas perigosas, em vez de se transformar em um mero instrumento de repressão. Assim, a reflexão sobre a verdadeira função do Direito Penal é vital para assegurar que ele exerça seu papel de maneira adequada e eficaz.

A solução mais apropriada envolve a promoção da educação financeira e da conscientização. Uma estratégia integrada, que envolva a educação sobre as consequências das apostas e a promoção de hábitos financeiros saudáveis, pode aumentar significativamente a eficácia dessas iniciativas. Além disso, considerar restrições nas apostas — como limitar os valores a um percentual da renda declarada no CPF junto à Receita Federal — pode ser uma medida eficaz para prevenir comportamentos impulsivos e proteger os indivíduos dos riscos envolvidos.

Isso exige um trabalho considerável. A pergunta que fica é: o Brasil estará disposto a seguir o caminho mais acertado e regulamentar o setor, como fazem países sérios da Europa, que contam com órgãos reguladores de jogos? Ou optará pela solução mais fácil, proibindo tudo com um simples golpe de caneta? Optar pela solução mais fácil revela um apelo ao paternalismo estatal que envolve nosso sistema, evitando o enfrentamento de um problema que, em sua essência, é econômico e social. Afinal, por que mergulhar nas complexidades sociais quando é mais fácil invocar o Direito Penal? Por que buscar soluções reais quando se pode apenas brandir o bastão da autoridade?

A opção pela proibição não só ignora a complexidade do vício em jogos, mas também perpetua uma abordagem simplista que não condiz com um país que busca se desenvolver. É muito mais fácil criminalizar do que regulamentar, mas essa facilidade não deve ser confundida com eficácia.

A regulamentação do setor de jogos representa uma oportunidade de adaptar-se às realidades contemporâneas. Em vez de marginalizar os jogadores e empurrar o problema para baixo do tapete, a regulamentação permite que o governo controle e supervisione a atividade, implementando práticas responsáveis e educativas. Isso não só protege os consumidores, mas também gera receita para o Estado, que pode ser investida em programas de prevenção e conscientização.

Essa mudança não só alinha o país com as práticas internacionais, mas também reflete um compromisso com o desenvolvimento social e econômico responsável. O fato é que algum tipo de restrição e regulação parece inafastável. Os impactos dessa questão são profundos e já chegou o momento de debater o tema de forma mais abrangente e crítica.

[1] SENADO FEDERAL. Beneficiários do Bolsa Família enviaram R$ 3 bi para bets em agosto, segundo o BC. Rádio Senado, 25 set. 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2024/09/25/beneficiarios-do-bolsa-familia-enviaram-r-3-bi-para-bets-em-agosto-segundo-o-bc. Acesso em: 1 out. 2024.

[2] MACEDO, Fausto. Neurociência comprova que jogos de azar são casos de saúde pública e devem ser proibidos. Estadão, 21 set. 2023. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/neurociencia-comprova-que-jogos-de-azar-sao-casos-de-saude-publica-e-devem-ser-proibidos/. Acesso em: 1 out. 2024.

[3] ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no Direito Penal. – trad. Luís Greco. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 81-83.

[4] Ob. cit.

[5] Hassemer, Los fines de la pena, cit., p. 136.

A recente notícia de que beneficiários do Bolsa Família gastaram uma média de R$ 3 milhões em apostas online apenas no mês de agosto é um sinal de alerta.[1] Além disso, é preocupante observar estudantes desistindo da faculdade para apostarem no infame “Jogo do Tigrinho” – com 35% investindo o dinheiro da educação. Mas o que isso revela sobre nossa sociedade? O vício em jogos de azar não é apenas uma questão de entretenimento; é um problema jurídico e social que exige atenção urgente.

A vulnerabilidade econômica combinada com a falta de educação financeira é uma bomba-relógio. Assim como o “Tigrinho”, predadores silenciosos rondam suas presas, atraindo os mais vulneráveis com a promessa de um caminho fácil para a riqueza. Porém, o que muitas vezes parece uma presa fácil, revela-se uma armadilha. Muitos enxergam nas apostas uma solução rápida, mas os danos são profundos.

O que atualmente é visto como um problema financeiro, rapidamente se transformará em uma questão social. De acordo com a neurociência[2], o vício em jogos deve ser tratado como um problema de saúde pública, exigindo uma intervenção mais robusta e estratégica.

Não por outro motivo, que a Lei 14.790/2023 traz algum alento ao regular algumas modalidades de apostas no Brasil. Essa lei estabelece dois grupos principais: apostas em eventos reais de temática esportiva e eventos virtuais de jogos on-line. Nesse prisma, o segundo grupo são jogos cujo resultado é determinado, em sua maior parte, por um gerador aleatório, seja ele de números, símbolos ou figuras.

É nesse campo que poderia entrar o famoso “Jogo do Tigre” e demais “Bets” e que funcionam como um típico jogo de azar, movido pela sorte e por algoritmos imprevisíveis. Entretanto, apesar de sua popularidade crescente, as “Bets” e similares operam em uma zona cinzenta. Embora a lei tenha permitido certos jogos online, muitos deles, como o “Tigrinho”, ainda não encontram respaldo na legislação atual, permanecendo sem regulamentação e, consequentemente, sem supervisão adequada.

Isso porque, a Lei 14.790/2023 visa regulamentar jogos específicos, operados dentro de plataformas digitais que estão sob controle de órgãos reguladores, com regras claras sobre seu funcionamento e tributação. Até o momento, esses jogos, como o “Tigrinho” e similares, aguardam a criação de diretrizes específicas e regulamentação que lhes ofereça um enquadramento jurídico adequado. Enquanto isso não ocorre, permanecem operando em um limbo legal, sem fiscalização ou regras claras que protejam o consumidor e o mercado.

Ainda assim, esses jogos continuam a ganhar popularidade diariamente. Influenciadores digitais e a mídia os promovem como uma promessa de enriquecimento rápido, alimentando a ilusão de ganhos fáceis. A dúvida que paira é: até quando essas modalidades seguirão operando à margem da legalidade? Sem regulamentação, o risco cresce tanto para os jogadores quanto para a própria economia, enquanto o sonho de fortuna instantânea se transforma em uma armadilha silenciosa para enriquecimento rápido, alimentando esperanças que raramente se concretizam.

Sem regulamentação clara, o cenário continua nebuloso, expondo os jogadores — e a própria economia — aos riscos de uma promessa que pode ser tão instável quanto os próprios algoritmos que definem seus resultados. Atualmente as “Bets” só estão drenando dinheiro, canalizando-o diretamente para o exterior.

Para mais, há uma outra questão premente que clama por uma regulamentação eficaz das apostas: a prevenção e o combate à lavagem de dinheiro. Há quem lembre de como, no passado, compravam-se bilhetes premiados de loteria para justificar valores injustificáveis, frutos de lavagem de dinheiro, perante a Receita Federal.

Desde o princípio, ficou claro que as apostas online poderiam servir de porta de entrada para atividades criminosas. Recentemente, algumas figuras públicas tiveram seus nomes ligados à Operação Integration, que investiga práticas ilegais associadas a esse contexto.

Dessa forma, dois aspectos fundamentais emergem na pressão por uma regulamentação rigorosa desse setor: o primeiro é a prevenção e combate a lavagem de dinheiro; o segundo diz respeito à possibilidade de reinvestir esses recursos na economia nacional, ao invés de vê-los escorregar para o exterior, sem qualquer benefício para o Brasil.

Desse modo, resta observar a postura adotada diante deste cenário. Há disposição para implementar medidas efetivas e interdisciplinares para regulamentar os jogos de azar, assegurando assim maior segurança para todos os envolvidos? Essa abordagem requer um esforço significativo, e a tendência no Brasil tem sido recorrer ao direito penal como solucionador de todas as mazelas sociais.

Para tanto, emerge rememorar as diretrizes fundadas por Claus Roxin para delimitar a punição no direito penal, que são utilizadas até os dias atuais pela doutrina majoritária, tanto nacionalmente, como internacionalmente, especificamente na Alemanha e Espanha.

Sem embargos, Roxin[3] leciona:

“O Direito Penal objetiva a proteção de bens jurídicos, mas não é a proteção a qualquer custo: só é político-criminalmente defensável proibir ações que, além de arriscadas, ultrapassem o risco permitido. Este conceito define até que ponto, e sob que condições, o ordenamento jurídico está disposto a aceitar que se pratiquem ações perigosas”.

Em suma, o direito penal possui três principais fins: (1) a proteção de bens jurídicos fundamentais para a convivência social, (2) a prevenção de prática perigosa, (3) repressão e punição. A criação de normas jurídicas penais só se justifica para proteger bens jurídicos de ações ex ante perigosas, do contrário, seria “proibir por proibir”[4].

Não obstante, antes de criar uma nova norma penal, deve-se analisar se, com a penalização, a conduta vai proteger a sociedade, em seu desenvolvimento e pacificação, e se essa conduta é tão injusta, ao ponto de justificar o cerceamento da liberdade do indivíduo.

Nessa perspectiva, Hassemer[5] afirma:

“Através da pena estatal não só se realiza a luta contra o delito, como também se garante a juridicidade, a formalização do modo social de sancioná-lo. Não faz parte do caráter da pena a função de resposta ao desvio (o Direito Penal não é somente uma parte do controle social). A juridicidade dessa resposta (o Direito Penal caracteriza-se por sua formalização) também pertence ao caráter da pena”.

A ampliação do uso do Direito Penal como solução para questões sociais, como a regulamentação das apostas, deslegitima suas funções essenciais. Conforme estabelecido por Claus Roxin, o Direito Penal deve se concentrar na proteção de bens jurídicos fundamentais e na proteção de condutas perigosas, em vez de se transformar em um mero instrumento de repressão. Assim, a reflexão sobre a verdadeira função do Direito Penal é vital para assegurar que ele exerça seu papel de maneira adequada e eficaz.

A solução mais apropriada envolve a promoção da educação financeira e da conscientização. Uma estratégia integrada, que envolva a educação sobre as consequências das apostas e a promoção de hábitos financeiros saudáveis, pode aumentar significativamente a eficácia dessas iniciativas. Além disso, considerar restrições nas apostas — como limitar os valores a um percentual da renda declarada no CPF junto à Receita Federal — pode ser uma medida eficaz para prevenir comportamentos impulsivos e proteger os indivíduos dos riscos envolvidos.

Isso exige um trabalho considerável. A pergunta que fica é: o Brasil estará disposto a seguir o caminho mais acertado e regulamentar o setor, como fazem países sérios da Europa, que contam com órgãos reguladores de jogos? Ou optará pela solução mais fácil, proibindo tudo com um simples golpe de caneta? Optar pela solução mais fácil revela um apelo ao paternalismo estatal que envolve nosso sistema, evitando o enfrentamento de um problema que, em sua essência, é econômico e social. Afinal, por que mergulhar nas complexidades sociais quando é mais fácil invocar o Direito Penal? Por que buscar soluções reais quando se pode apenas brandir o bastão da autoridade?

A opção pela proibição não só ignora a complexidade do vício em jogos, mas também perpetua uma abordagem simplista que não condiz com um país que busca se desenvolver. É muito mais fácil criminalizar do que regulamentar, mas essa facilidade não deve ser confundida com eficácia.

A regulamentação do setor de jogos representa uma oportunidade de adaptar-se às realidades contemporâneas. Em vez de marginalizar os jogadores e empurrar o problema para baixo do tapete, a regulamentação permite que o governo controle e supervisione a atividade, implementando práticas responsáveis e educativas. Isso não só protege os consumidores, mas também gera receita para o Estado, que pode ser investida em programas de prevenção e conscientização.

Essa mudança não só alinha o país com as práticas internacionais, mas também reflete um compromisso com o desenvolvimento social e econômico responsável. O fato é que algum tipo de restrição e regulação parece inafastável. Os impactos dessa questão são profundos e já chegou o momento de debater o tema de forma mais abrangente e crítica.

[1] SENADO FEDERAL. Beneficiários do Bolsa Família enviaram R$ 3 bi para bets em agosto, segundo o BC. Rádio Senado, 25 set. 2024. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2024/09/25/beneficiarios-do-bolsa-familia-enviaram-r-3-bi-para-bets-em-agosto-segundo-o-bc. Acesso em: 1 out. 2024.

[2] MACEDO, Fausto. Neurociência comprova que jogos de azar são casos de saúde pública e devem ser proibidos. Estadão, 21 set. 2023. Disponível em: https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/neurociencia-comprova-que-jogos-de-azar-sao-casos-de-saude-publica-e-devem-ser-proibidos/. Acesso em: 1 out. 2024.

[3] ROXIN, Claus. Funcionalismo e imputação objetiva no Direito Penal. – trad. Luís Greco. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 81-83.

[4] Ob. cit.

[5] Hassemer, Los fines de la pena, cit., p. 136.

Opinião por Beatriz Lerner
Giovanna Souza

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