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Bolsonaro deu ordem para inserir dados falsos em cartão de vacinação de covid, disse Mauro Cid à PF


Relatório final da Operação Verine indica que ex-presidente que ‘agiu com consciência e vontade’ para a fraude em sua carteira de vacinação; ex-ajudante de ordens imprimiu o certificado falso dentro do Palácio da Alvorada e entregou o documento nas mãos de Bolsonaro; o advogado Fábio Wajngarten disse que o indiciamento é ‘absurdo’

Por Pepita Ortega
Atualização:
O ex-presidente Jair Bolsonaro quando da abertura da Operação Verine, em maio de 2022. Foto: Wilton Junior/Estadão

A Polícia Federal afirma que o ex-presidente Jair Bolsonaro ‘agiu com consciência e vontade’ para a fraude em sua carteira de vacinação contra a covid-19, determinando que o ex-ajudante de ordens da Presidência tenente-coronel Mauro Cid ‘intermediasse a inserção de dados falsos’ nos sistemas do Ministério da Saúde em seu benefício e de sua filha Laura.

A reportagem busca contato com as defesas do ex-presidente. O espaço está aberto para manifestações. Nas redes sociais, o advogado Fábio Wajngarten, que representa o ex-presidente, disse que o indiciamento é um ‘absurdo’.

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Segundo os investigadores, Cid imprimiu a carteira de vacinação falsa do ex-presidente dentro do Palácio da Alvorada. O delator narrou que ‘recebeu a ordem’ de Bolsonaro para fazer as inserções de dados falsos e depois entregou nas mãos do ex-chefe do Executivo o documento falsificado.

“Resta evidenciado que Mauro Cesar Cid, no exercício das atividades de chefe da Ajudância de Ordens da Presidência da República, por determinação de seu superior hierárquico, solicitou a inserção dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 em benefício do ex-Presidente e de sua filha Laura Firmo Bolsonaro”, escreveu o delegado Fábio Alvarez Shor no relatório final da Operação Verine, tornado público nesta terça-feira, 19.

No documento, a Polícia Federal indicia o ex-chefe do Executivo pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação - delitos cujas penas máximas, somadas, podem chegar a 15 anos de reclusão. Além de Bolsonaro, outros 16 investigados foram incriminados pela PF.

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O chefe da Operação Verine ainda utilizou o relatório conclusivo da investigação para rebater uma alegação do ex-presidente: a de que seu então braço-direito, Mauro Cid, teria praticado a fraude sem seu conhecimento. Segundo a PF, não há qualquer elemento que indique que o ex-ajudante de ordens, junto de outros investigados diretamente ligados a operacionalização da fraude, se uniram em unidade de desígnios para inserir os dados falsos à revelia do então presidente’.

“Ao contrário, conforme demonstrado, todas as pessoas beneficiárias das inserções falsas realizada pelo grupo criminoso tinham não apenas plena ciência, como solicitaram/determinaram as inserções falsas nos sistemas do Ministério da Saúde”, frisou Fábio Alvarez Shor.

Segundo o delegado, o ex-presidente se associou com outros investigados, desde ‘novembro de 2021 até dezembro de 2022, para praticarem crimes de inserção de dados falsos em sistema de informações, especificamente dados de vacinação contra a covid-19, para emitirem os respectivos certificados ideologicamente falsos, no intuito de obterem vantagens indevidas relacionadas a burla de regras sanitárias estabelecidas durante o período de pandemia’.

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O relatório de 231 páginas da PF detalha o passo a passo da fraude: desde a ordem, de Bolsonaro, para que Cid providenciasse não só sua carteira de vacinação falsificada, mas também o documento da filha Laura, até a tentativa de acobertar o caso, com a destruição dos certificados que haviam sido impressos dentro do Palácio do Alvorada e a exclusão de dados do sistema do Ministério da Saúde.

Em trechos do documento, a Polícia Federal lembra inclusive da conduta do ex-presidente, contrária à vacinação, em especial de crianças e adolescentes. O delegado Fábio Alvarez Shor chega a citar declarações do ex-chefe do Executivo de que não vacinaria sua filha de 11 anos.

O ‘modo de agir’

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Segundo o inquérito, primeiro Cid pediu ao ex-major do Exército Ailton Barros intermediasse a fraude em benefício de sua mulher, Gabriela Santiago Cid, e de suas três filhas.

Depois, os assessores de Bolsonaro Max Guilherme Machado de Moura e Sérgio Rocha Cordeiro ‘agiram dolosamente’ solicitando que Cid fizesse o meio de campo para a inserção de dados falsos de vacinação em seus nomes nos sistemas do Ministério da Saúde. De acordo com a PF, eles emitiram ‘por várias vezes, os certificados de vacinação ideologicamente falsos para obtenção de vantagens indevidas’.

Só então que o ‘modus operandi’ teria se repetido com Bolsonaro. Segundo a delação de Cid, o ex-presidente ao tomar conhecimento de que o então ajudante de ordens tinha cartões de vacinação contra a covid-19 em seu nome e de seus familiares, ‘ordenou’ que o aliado ‘fizesse as inserções para obtenção dos cartões ideologicamente falsos para ele e sua filha Laura’.

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“Que o presidente, após saber que o colaborador possuía os cartões de vacina para si e sua família, solicitou que o colaborador fizesse para ele também; que o ex-presidente deu a ordem para fazer os cartões dele e da sua filha, Laura Bolsonaro; que o colaborador solicitou a Ailton que fizesse os cartões; que o colaborador confirma que pediu os cartões do ex-presidente e sua filha Laura Bolsonaro sob determinação do ex-presidente Jair Bolsonaro e que imprimiu os certificados; que solicitou a inserção de dados no sistema ConecteSus de sua esposa, filhas, ex-presidente Jair Bolsonaro e de sua filha, Laura Bolsonaro”, registra trecho da delação de Cid.

Acessos e impressão de certificado no Alvorada

Durante as diligências da Operação Venire, a Polícia Federal identificou o endereço IP (espécie de digital de um aparelho eletrônico) usado para acessar o aplicativo ConecteSUS de Bolsonaro, concluindo que o acesso à conta foi realizado de um computador no Palácio do Alvorada.

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Para tanto, os investigadores cruzaram dados de entrada de Mauro Cid na residência presidencial, os registros de acesso do aplicativo do Ministério da Saúde e o horário em que o cartão de vacinação de Bolsonaro emitido.

Além disso, a PF foi corroborar a indicação de Cid, de que teria impresso o certificado de vacinação de Bolsonaro e de Laura, entregando os documentos em mãos ao então presidente. A corporação puxou os registros de impressão e os discos rígidos de impressoras do Alvorada, identificando que Cid de fato imprimiu, no dia 22 de dezembro, dois arquivos: “Certificado de Vacinação Covid-19″ e “Covid 19 National Vaccination Certificate”.

No mesmo dia, houve uma mudança no cadastro do aplicativo ConecteSUS do ex-presidente. Antes, ele era controlado por Cid, que deixaria de assessorar o ex-presidente no dia 1º de janeiro. Foi então que o controle do aplicativo foi assumido por Marcelo Câmara, que acompanhou Bolsonaro em viagens a Orlando.

Nessa linha, a PF entendeu que as provas corroboram as declarações de Cid e demonstram: “Por ordem do então presidente, Cid solicitou a Ailton Barros a inserção dos dados falsos de vacinação contra a covid-19 em benefício do ex-presidente e de sua filha Laura. Em seguida, Ailton intermediou a inserção com João Carlos de Sousa Brecha. No dia 21/12/2022, o Secretário Municipal de Duque de Caxias, utilizando suas credenciais de acesso, executou a inserção dos dados falsos de vacinação no sistema do Ministério da Saúde. Logo depois, cadastrou o endereço para acesso à conta ConecteSUS de Laura e, em seguida, emitiu um certificado de vacinação em nome da menor, utilizando o serviço de internet de sua residência. No dia 22/12/2022, Cid, ao chegar no Palácio da Alvorada, acessou o ConecteSUS de Bolsonaro e emitiu o certificado de vacinação contra a Covid-19, possivelmente entregando em mãos ao então Presidente da República”.

‘Apagar rastros’

A PF narra ainda que os investigados tentaram ‘apagar os rastros das condutas criminosas especialmente envolvendo os dados falsos de vacinação em nome do ex-presidente e de sua filha. À PF, Cid contou que, ao saber das inserções falsas, o Coronel Marcelo Camara rasgou os certificados os certificados do do ex-chefe do Executivo e de Laura, pedindo que o então ajudante de ordens desfizesse as inserções falsas.

Em seguida, Cid contou que entrou em contato com Ailton Barros para tentar excluir as inserções. Segundo a PF, o ex-major teria então acionado a servidora Cláudia Helena Acosta Rodrigues da Silva, de Duque de Caxias, que foi responsável por apagar os dados do sistema do Ministério da Saúde sob alegação de ‘erro’.

Trecho de relatório final da Operação Venire Foto: Polícia Federal

Investigação

A Polícia Federal narra que a apuração da corporação teve início com uma notícia de fato encaminhada pela Controladoria-Geral da União, que relatou a ‘possível ocorrência de inserção de dados falsos no sistema de informação do Ministério da Saúde’, especialmente em nome do ex-presidente.

Segundo a CGU, Bolsonaro teria tomado uma dose da vacina da Pfizer em agosto de 2022, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. A segunda dose teria sido ministrada em 14 de outubro do mesmo ano, também no município fluminense.

Tais dados foram encaminhados à Rede Nacional de Dados em Saúde no dia 21 de dezembro de 2022, pelo Secretário de Governo de Duque de Caxias, João Carlos de Souza Brecha (indiciado). Seis dias depois, as informações foram excluídas por uma servidora, Claudia Helena Acosta Rodrigues da Silva (também indiciada) sob a justificativa de erro.

O mesmo teria ocorrido com os dados da vacinação da filha do ex-presidente Laura Bolsonaro e de dois assessores do ex-presidente: Max Guilherme e Sérgio Cordeiro. No caso desses dois últimos, no entanto, os registros não teriam sido excluídos do sistema do Ministério da Saúde.

Com bases nas diligências realizadas na Operação Verine, a PF ressalta que os dados inseridos nos sistemas do Ministério da Saúde são falsos e foram realizados a pedido e no interesse de Bolsonaro e de seus assessores.

COM A PALAVRA, A DEFESA DO EX-PRESIDENTE JAIR BOLSONARO

COMUNICADO AOS VEÍCULOS DE IMPRENSA

A defesa do ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, tendo tomado conhecimento esta manhã, por meio de diversos veículos de imprensa, acerca da decisão de formalização de indiciamento de seu cliente nos autos da Petição 10405, que apura fraudes na confecção de cartões vacinais, vem esclarecer o quanto segue:

1. É público e mundialmente notório, que o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, por convicções pessoais, jamais fez uso de qualquer imunizante contra COVID-19, a despeito de haver adquirido e disponibilizado milhões de doses a todos os cidadãos brasileiros.

2. Ao ingressar nos Estados Unidos da América (EUA), no final de dezembro de 2022, nenhum atestado vacinal lhe foi solicitado, visto que, na condição de presidente da República, estava dispensado de tal exigência.

3. Ao deixar os EUA, em março de 2023, realizou teste de PCR na véspera, valendo-se de tal documento para regressar ao Brasil.

4. O ex-Presidente JAMAIS determinou ou soube que qualquer de seus assessores tivessem confeccionado certificados vacinais com conteúdo ideologicamente falso.

5. As razões, bastante perfunctórias, indicadas pelo Exmo. Delegado de Polícia Federal, ignoram que não haveria qualquer motivo razoável ou efetividade na falsificação de certificados vacinais em relação ao ex-Presidente e a sua filha, menor de 18 anos.

6. O ex-Presidente não precisava utilizar qualquer documento vacinal, dada sua condição diplomática, para realizar viagem internacional.

7. Sua filha, à época com 12 anos de idade, estaria dispensada de atestado vacinal, visto que nenhum país do mundo impunha a exigência vacinal à crianças.

8. Se, pelas razões expostas, tanto o ex-Presidente como sua filha não necessitavam de certificados vacinais para empreenderem viagem, é inafastável a indagação de qual seria o motivo razoável para que se aderisse a uma arriscada empreitada clandestina e criminosa.

9. Por derradeiro, não é demais obtemperar, de forma hipotética, que se o ex-Presidente, mundialmente conhecido por sua posição pessoal em não utilizar nenhum imunizante, apresentasse um certificado vacinal em qualquer posto de imigração no mundo, séria imediatamente reconhecido e publicamente desqualificado em razão da postura que sempre firmou em relação ao assunto.

10. Assim, a decisão da autoridade policial no caso em apreço se demonstra precipitada, ao menos com relação ao ex-Presidente, visto que não há fundada e objetiva suspeita de sua participação ou autoria nos delitos em apuração.

11. Se qualquer pessoa tomou providências relacionadas às carteiras de vacinação do ex-Presidente e de sua filha, o fez por iniciativa própria, à revelia de ambos, sendo claro que nunca determinaram ou mesmo solicitaram que qualquer conduta, mormente ilícita, fosse adotada em seus nomes. Certamente não há nos autos nenhuma prova de conduta do ex-Presidente em sentido diverso, sendo certo que não havia nenhuma necessidade para tanto.

São Paulo, 19 de março de 2024.

Paulo Amador da Cunha Bueno OAB/SP Nº 147.616 Daniel Bettamio Tesser OAB/SP n.° 208.351 Fábio Wajngarten OAB/SP n.° 162.273

O ex-presidente Jair Bolsonaro quando da abertura da Operação Verine, em maio de 2022. Foto: Wilton Junior/Estadão

A Polícia Federal afirma que o ex-presidente Jair Bolsonaro ‘agiu com consciência e vontade’ para a fraude em sua carteira de vacinação contra a covid-19, determinando que o ex-ajudante de ordens da Presidência tenente-coronel Mauro Cid ‘intermediasse a inserção de dados falsos’ nos sistemas do Ministério da Saúde em seu benefício e de sua filha Laura.

A reportagem busca contato com as defesas do ex-presidente. O espaço está aberto para manifestações. Nas redes sociais, o advogado Fábio Wajngarten, que representa o ex-presidente, disse que o indiciamento é um ‘absurdo’.

Segundo os investigadores, Cid imprimiu a carteira de vacinação falsa do ex-presidente dentro do Palácio da Alvorada. O delator narrou que ‘recebeu a ordem’ de Bolsonaro para fazer as inserções de dados falsos e depois entregou nas mãos do ex-chefe do Executivo o documento falsificado.

“Resta evidenciado que Mauro Cesar Cid, no exercício das atividades de chefe da Ajudância de Ordens da Presidência da República, por determinação de seu superior hierárquico, solicitou a inserção dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 em benefício do ex-Presidente e de sua filha Laura Firmo Bolsonaro”, escreveu o delegado Fábio Alvarez Shor no relatório final da Operação Verine, tornado público nesta terça-feira, 19.

No documento, a Polícia Federal indicia o ex-chefe do Executivo pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação - delitos cujas penas máximas, somadas, podem chegar a 15 anos de reclusão. Além de Bolsonaro, outros 16 investigados foram incriminados pela PF.

O chefe da Operação Verine ainda utilizou o relatório conclusivo da investigação para rebater uma alegação do ex-presidente: a de que seu então braço-direito, Mauro Cid, teria praticado a fraude sem seu conhecimento. Segundo a PF, não há qualquer elemento que indique que o ex-ajudante de ordens, junto de outros investigados diretamente ligados a operacionalização da fraude, se uniram em unidade de desígnios para inserir os dados falsos à revelia do então presidente’.

“Ao contrário, conforme demonstrado, todas as pessoas beneficiárias das inserções falsas realizada pelo grupo criminoso tinham não apenas plena ciência, como solicitaram/determinaram as inserções falsas nos sistemas do Ministério da Saúde”, frisou Fábio Alvarez Shor.

Segundo o delegado, o ex-presidente se associou com outros investigados, desde ‘novembro de 2021 até dezembro de 2022, para praticarem crimes de inserção de dados falsos em sistema de informações, especificamente dados de vacinação contra a covid-19, para emitirem os respectivos certificados ideologicamente falsos, no intuito de obterem vantagens indevidas relacionadas a burla de regras sanitárias estabelecidas durante o período de pandemia’.

O relatório de 231 páginas da PF detalha o passo a passo da fraude: desde a ordem, de Bolsonaro, para que Cid providenciasse não só sua carteira de vacinação falsificada, mas também o documento da filha Laura, até a tentativa de acobertar o caso, com a destruição dos certificados que haviam sido impressos dentro do Palácio do Alvorada e a exclusão de dados do sistema do Ministério da Saúde.

Em trechos do documento, a Polícia Federal lembra inclusive da conduta do ex-presidente, contrária à vacinação, em especial de crianças e adolescentes. O delegado Fábio Alvarez Shor chega a citar declarações do ex-chefe do Executivo de que não vacinaria sua filha de 11 anos.

O ‘modo de agir’

Segundo o inquérito, primeiro Cid pediu ao ex-major do Exército Ailton Barros intermediasse a fraude em benefício de sua mulher, Gabriela Santiago Cid, e de suas três filhas.

Depois, os assessores de Bolsonaro Max Guilherme Machado de Moura e Sérgio Rocha Cordeiro ‘agiram dolosamente’ solicitando que Cid fizesse o meio de campo para a inserção de dados falsos de vacinação em seus nomes nos sistemas do Ministério da Saúde. De acordo com a PF, eles emitiram ‘por várias vezes, os certificados de vacinação ideologicamente falsos para obtenção de vantagens indevidas’.

Só então que o ‘modus operandi’ teria se repetido com Bolsonaro. Segundo a delação de Cid, o ex-presidente ao tomar conhecimento de que o então ajudante de ordens tinha cartões de vacinação contra a covid-19 em seu nome e de seus familiares, ‘ordenou’ que o aliado ‘fizesse as inserções para obtenção dos cartões ideologicamente falsos para ele e sua filha Laura’.

“Que o presidente, após saber que o colaborador possuía os cartões de vacina para si e sua família, solicitou que o colaborador fizesse para ele também; que o ex-presidente deu a ordem para fazer os cartões dele e da sua filha, Laura Bolsonaro; que o colaborador solicitou a Ailton que fizesse os cartões; que o colaborador confirma que pediu os cartões do ex-presidente e sua filha Laura Bolsonaro sob determinação do ex-presidente Jair Bolsonaro e que imprimiu os certificados; que solicitou a inserção de dados no sistema ConecteSus de sua esposa, filhas, ex-presidente Jair Bolsonaro e de sua filha, Laura Bolsonaro”, registra trecho da delação de Cid.

Acessos e impressão de certificado no Alvorada

Durante as diligências da Operação Venire, a Polícia Federal identificou o endereço IP (espécie de digital de um aparelho eletrônico) usado para acessar o aplicativo ConecteSUS de Bolsonaro, concluindo que o acesso à conta foi realizado de um computador no Palácio do Alvorada.

Para tanto, os investigadores cruzaram dados de entrada de Mauro Cid na residência presidencial, os registros de acesso do aplicativo do Ministério da Saúde e o horário em que o cartão de vacinação de Bolsonaro emitido.

Além disso, a PF foi corroborar a indicação de Cid, de que teria impresso o certificado de vacinação de Bolsonaro e de Laura, entregando os documentos em mãos ao então presidente. A corporação puxou os registros de impressão e os discos rígidos de impressoras do Alvorada, identificando que Cid de fato imprimiu, no dia 22 de dezembro, dois arquivos: “Certificado de Vacinação Covid-19″ e “Covid 19 National Vaccination Certificate”.

No mesmo dia, houve uma mudança no cadastro do aplicativo ConecteSUS do ex-presidente. Antes, ele era controlado por Cid, que deixaria de assessorar o ex-presidente no dia 1º de janeiro. Foi então que o controle do aplicativo foi assumido por Marcelo Câmara, que acompanhou Bolsonaro em viagens a Orlando.

Nessa linha, a PF entendeu que as provas corroboram as declarações de Cid e demonstram: “Por ordem do então presidente, Cid solicitou a Ailton Barros a inserção dos dados falsos de vacinação contra a covid-19 em benefício do ex-presidente e de sua filha Laura. Em seguida, Ailton intermediou a inserção com João Carlos de Sousa Brecha. No dia 21/12/2022, o Secretário Municipal de Duque de Caxias, utilizando suas credenciais de acesso, executou a inserção dos dados falsos de vacinação no sistema do Ministério da Saúde. Logo depois, cadastrou o endereço para acesso à conta ConecteSUS de Laura e, em seguida, emitiu um certificado de vacinação em nome da menor, utilizando o serviço de internet de sua residência. No dia 22/12/2022, Cid, ao chegar no Palácio da Alvorada, acessou o ConecteSUS de Bolsonaro e emitiu o certificado de vacinação contra a Covid-19, possivelmente entregando em mãos ao então Presidente da República”.

‘Apagar rastros’

A PF narra ainda que os investigados tentaram ‘apagar os rastros das condutas criminosas especialmente envolvendo os dados falsos de vacinação em nome do ex-presidente e de sua filha. À PF, Cid contou que, ao saber das inserções falsas, o Coronel Marcelo Camara rasgou os certificados os certificados do do ex-chefe do Executivo e de Laura, pedindo que o então ajudante de ordens desfizesse as inserções falsas.

Em seguida, Cid contou que entrou em contato com Ailton Barros para tentar excluir as inserções. Segundo a PF, o ex-major teria então acionado a servidora Cláudia Helena Acosta Rodrigues da Silva, de Duque de Caxias, que foi responsável por apagar os dados do sistema do Ministério da Saúde sob alegação de ‘erro’.

Trecho de relatório final da Operação Venire Foto: Polícia Federal

Investigação

A Polícia Federal narra que a apuração da corporação teve início com uma notícia de fato encaminhada pela Controladoria-Geral da União, que relatou a ‘possível ocorrência de inserção de dados falsos no sistema de informação do Ministério da Saúde’, especialmente em nome do ex-presidente.

Segundo a CGU, Bolsonaro teria tomado uma dose da vacina da Pfizer em agosto de 2022, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. A segunda dose teria sido ministrada em 14 de outubro do mesmo ano, também no município fluminense.

Tais dados foram encaminhados à Rede Nacional de Dados em Saúde no dia 21 de dezembro de 2022, pelo Secretário de Governo de Duque de Caxias, João Carlos de Souza Brecha (indiciado). Seis dias depois, as informações foram excluídas por uma servidora, Claudia Helena Acosta Rodrigues da Silva (também indiciada) sob a justificativa de erro.

O mesmo teria ocorrido com os dados da vacinação da filha do ex-presidente Laura Bolsonaro e de dois assessores do ex-presidente: Max Guilherme e Sérgio Cordeiro. No caso desses dois últimos, no entanto, os registros não teriam sido excluídos do sistema do Ministério da Saúde.

Com bases nas diligências realizadas na Operação Verine, a PF ressalta que os dados inseridos nos sistemas do Ministério da Saúde são falsos e foram realizados a pedido e no interesse de Bolsonaro e de seus assessores.

COM A PALAVRA, A DEFESA DO EX-PRESIDENTE JAIR BOLSONARO

COMUNICADO AOS VEÍCULOS DE IMPRENSA

A defesa do ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, tendo tomado conhecimento esta manhã, por meio de diversos veículos de imprensa, acerca da decisão de formalização de indiciamento de seu cliente nos autos da Petição 10405, que apura fraudes na confecção de cartões vacinais, vem esclarecer o quanto segue:

1. É público e mundialmente notório, que o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, por convicções pessoais, jamais fez uso de qualquer imunizante contra COVID-19, a despeito de haver adquirido e disponibilizado milhões de doses a todos os cidadãos brasileiros.

2. Ao ingressar nos Estados Unidos da América (EUA), no final de dezembro de 2022, nenhum atestado vacinal lhe foi solicitado, visto que, na condição de presidente da República, estava dispensado de tal exigência.

3. Ao deixar os EUA, em março de 2023, realizou teste de PCR na véspera, valendo-se de tal documento para regressar ao Brasil.

4. O ex-Presidente JAMAIS determinou ou soube que qualquer de seus assessores tivessem confeccionado certificados vacinais com conteúdo ideologicamente falso.

5. As razões, bastante perfunctórias, indicadas pelo Exmo. Delegado de Polícia Federal, ignoram que não haveria qualquer motivo razoável ou efetividade na falsificação de certificados vacinais em relação ao ex-Presidente e a sua filha, menor de 18 anos.

6. O ex-Presidente não precisava utilizar qualquer documento vacinal, dada sua condição diplomática, para realizar viagem internacional.

7. Sua filha, à época com 12 anos de idade, estaria dispensada de atestado vacinal, visto que nenhum país do mundo impunha a exigência vacinal à crianças.

8. Se, pelas razões expostas, tanto o ex-Presidente como sua filha não necessitavam de certificados vacinais para empreenderem viagem, é inafastável a indagação de qual seria o motivo razoável para que se aderisse a uma arriscada empreitada clandestina e criminosa.

9. Por derradeiro, não é demais obtemperar, de forma hipotética, que se o ex-Presidente, mundialmente conhecido por sua posição pessoal em não utilizar nenhum imunizante, apresentasse um certificado vacinal em qualquer posto de imigração no mundo, séria imediatamente reconhecido e publicamente desqualificado em razão da postura que sempre firmou em relação ao assunto.

10. Assim, a decisão da autoridade policial no caso em apreço se demonstra precipitada, ao menos com relação ao ex-Presidente, visto que não há fundada e objetiva suspeita de sua participação ou autoria nos delitos em apuração.

11. Se qualquer pessoa tomou providências relacionadas às carteiras de vacinação do ex-Presidente e de sua filha, o fez por iniciativa própria, à revelia de ambos, sendo claro que nunca determinaram ou mesmo solicitaram que qualquer conduta, mormente ilícita, fosse adotada em seus nomes. Certamente não há nos autos nenhuma prova de conduta do ex-Presidente em sentido diverso, sendo certo que não havia nenhuma necessidade para tanto.

São Paulo, 19 de março de 2024.

Paulo Amador da Cunha Bueno OAB/SP Nº 147.616 Daniel Bettamio Tesser OAB/SP n.° 208.351 Fábio Wajngarten OAB/SP n.° 162.273

O ex-presidente Jair Bolsonaro quando da abertura da Operação Verine, em maio de 2022. Foto: Wilton Junior/Estadão

A Polícia Federal afirma que o ex-presidente Jair Bolsonaro ‘agiu com consciência e vontade’ para a fraude em sua carteira de vacinação contra a covid-19, determinando que o ex-ajudante de ordens da Presidência tenente-coronel Mauro Cid ‘intermediasse a inserção de dados falsos’ nos sistemas do Ministério da Saúde em seu benefício e de sua filha Laura.

A reportagem busca contato com as defesas do ex-presidente. O espaço está aberto para manifestações. Nas redes sociais, o advogado Fábio Wajngarten, que representa o ex-presidente, disse que o indiciamento é um ‘absurdo’.

Segundo os investigadores, Cid imprimiu a carteira de vacinação falsa do ex-presidente dentro do Palácio da Alvorada. O delator narrou que ‘recebeu a ordem’ de Bolsonaro para fazer as inserções de dados falsos e depois entregou nas mãos do ex-chefe do Executivo o documento falsificado.

“Resta evidenciado que Mauro Cesar Cid, no exercício das atividades de chefe da Ajudância de Ordens da Presidência da República, por determinação de seu superior hierárquico, solicitou a inserção dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 em benefício do ex-Presidente e de sua filha Laura Firmo Bolsonaro”, escreveu o delegado Fábio Alvarez Shor no relatório final da Operação Verine, tornado público nesta terça-feira, 19.

No documento, a Polícia Federal indicia o ex-chefe do Executivo pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação - delitos cujas penas máximas, somadas, podem chegar a 15 anos de reclusão. Além de Bolsonaro, outros 16 investigados foram incriminados pela PF.

O chefe da Operação Verine ainda utilizou o relatório conclusivo da investigação para rebater uma alegação do ex-presidente: a de que seu então braço-direito, Mauro Cid, teria praticado a fraude sem seu conhecimento. Segundo a PF, não há qualquer elemento que indique que o ex-ajudante de ordens, junto de outros investigados diretamente ligados a operacionalização da fraude, se uniram em unidade de desígnios para inserir os dados falsos à revelia do então presidente’.

“Ao contrário, conforme demonstrado, todas as pessoas beneficiárias das inserções falsas realizada pelo grupo criminoso tinham não apenas plena ciência, como solicitaram/determinaram as inserções falsas nos sistemas do Ministério da Saúde”, frisou Fábio Alvarez Shor.

Segundo o delegado, o ex-presidente se associou com outros investigados, desde ‘novembro de 2021 até dezembro de 2022, para praticarem crimes de inserção de dados falsos em sistema de informações, especificamente dados de vacinação contra a covid-19, para emitirem os respectivos certificados ideologicamente falsos, no intuito de obterem vantagens indevidas relacionadas a burla de regras sanitárias estabelecidas durante o período de pandemia’.

O relatório de 231 páginas da PF detalha o passo a passo da fraude: desde a ordem, de Bolsonaro, para que Cid providenciasse não só sua carteira de vacinação falsificada, mas também o documento da filha Laura, até a tentativa de acobertar o caso, com a destruição dos certificados que haviam sido impressos dentro do Palácio do Alvorada e a exclusão de dados do sistema do Ministério da Saúde.

Em trechos do documento, a Polícia Federal lembra inclusive da conduta do ex-presidente, contrária à vacinação, em especial de crianças e adolescentes. O delegado Fábio Alvarez Shor chega a citar declarações do ex-chefe do Executivo de que não vacinaria sua filha de 11 anos.

O ‘modo de agir’

Segundo o inquérito, primeiro Cid pediu ao ex-major do Exército Ailton Barros intermediasse a fraude em benefício de sua mulher, Gabriela Santiago Cid, e de suas três filhas.

Depois, os assessores de Bolsonaro Max Guilherme Machado de Moura e Sérgio Rocha Cordeiro ‘agiram dolosamente’ solicitando que Cid fizesse o meio de campo para a inserção de dados falsos de vacinação em seus nomes nos sistemas do Ministério da Saúde. De acordo com a PF, eles emitiram ‘por várias vezes, os certificados de vacinação ideologicamente falsos para obtenção de vantagens indevidas’.

Só então que o ‘modus operandi’ teria se repetido com Bolsonaro. Segundo a delação de Cid, o ex-presidente ao tomar conhecimento de que o então ajudante de ordens tinha cartões de vacinação contra a covid-19 em seu nome e de seus familiares, ‘ordenou’ que o aliado ‘fizesse as inserções para obtenção dos cartões ideologicamente falsos para ele e sua filha Laura’.

“Que o presidente, após saber que o colaborador possuía os cartões de vacina para si e sua família, solicitou que o colaborador fizesse para ele também; que o ex-presidente deu a ordem para fazer os cartões dele e da sua filha, Laura Bolsonaro; que o colaborador solicitou a Ailton que fizesse os cartões; que o colaborador confirma que pediu os cartões do ex-presidente e sua filha Laura Bolsonaro sob determinação do ex-presidente Jair Bolsonaro e que imprimiu os certificados; que solicitou a inserção de dados no sistema ConecteSus de sua esposa, filhas, ex-presidente Jair Bolsonaro e de sua filha, Laura Bolsonaro”, registra trecho da delação de Cid.

Acessos e impressão de certificado no Alvorada

Durante as diligências da Operação Venire, a Polícia Federal identificou o endereço IP (espécie de digital de um aparelho eletrônico) usado para acessar o aplicativo ConecteSUS de Bolsonaro, concluindo que o acesso à conta foi realizado de um computador no Palácio do Alvorada.

Para tanto, os investigadores cruzaram dados de entrada de Mauro Cid na residência presidencial, os registros de acesso do aplicativo do Ministério da Saúde e o horário em que o cartão de vacinação de Bolsonaro emitido.

Além disso, a PF foi corroborar a indicação de Cid, de que teria impresso o certificado de vacinação de Bolsonaro e de Laura, entregando os documentos em mãos ao então presidente. A corporação puxou os registros de impressão e os discos rígidos de impressoras do Alvorada, identificando que Cid de fato imprimiu, no dia 22 de dezembro, dois arquivos: “Certificado de Vacinação Covid-19″ e “Covid 19 National Vaccination Certificate”.

No mesmo dia, houve uma mudança no cadastro do aplicativo ConecteSUS do ex-presidente. Antes, ele era controlado por Cid, que deixaria de assessorar o ex-presidente no dia 1º de janeiro. Foi então que o controle do aplicativo foi assumido por Marcelo Câmara, que acompanhou Bolsonaro em viagens a Orlando.

Nessa linha, a PF entendeu que as provas corroboram as declarações de Cid e demonstram: “Por ordem do então presidente, Cid solicitou a Ailton Barros a inserção dos dados falsos de vacinação contra a covid-19 em benefício do ex-presidente e de sua filha Laura. Em seguida, Ailton intermediou a inserção com João Carlos de Sousa Brecha. No dia 21/12/2022, o Secretário Municipal de Duque de Caxias, utilizando suas credenciais de acesso, executou a inserção dos dados falsos de vacinação no sistema do Ministério da Saúde. Logo depois, cadastrou o endereço para acesso à conta ConecteSUS de Laura e, em seguida, emitiu um certificado de vacinação em nome da menor, utilizando o serviço de internet de sua residência. No dia 22/12/2022, Cid, ao chegar no Palácio da Alvorada, acessou o ConecteSUS de Bolsonaro e emitiu o certificado de vacinação contra a Covid-19, possivelmente entregando em mãos ao então Presidente da República”.

‘Apagar rastros’

A PF narra ainda que os investigados tentaram ‘apagar os rastros das condutas criminosas especialmente envolvendo os dados falsos de vacinação em nome do ex-presidente e de sua filha. À PF, Cid contou que, ao saber das inserções falsas, o Coronel Marcelo Camara rasgou os certificados os certificados do do ex-chefe do Executivo e de Laura, pedindo que o então ajudante de ordens desfizesse as inserções falsas.

Em seguida, Cid contou que entrou em contato com Ailton Barros para tentar excluir as inserções. Segundo a PF, o ex-major teria então acionado a servidora Cláudia Helena Acosta Rodrigues da Silva, de Duque de Caxias, que foi responsável por apagar os dados do sistema do Ministério da Saúde sob alegação de ‘erro’.

Trecho de relatório final da Operação Venire Foto: Polícia Federal

Investigação

A Polícia Federal narra que a apuração da corporação teve início com uma notícia de fato encaminhada pela Controladoria-Geral da União, que relatou a ‘possível ocorrência de inserção de dados falsos no sistema de informação do Ministério da Saúde’, especialmente em nome do ex-presidente.

Segundo a CGU, Bolsonaro teria tomado uma dose da vacina da Pfizer em agosto de 2022, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. A segunda dose teria sido ministrada em 14 de outubro do mesmo ano, também no município fluminense.

Tais dados foram encaminhados à Rede Nacional de Dados em Saúde no dia 21 de dezembro de 2022, pelo Secretário de Governo de Duque de Caxias, João Carlos de Souza Brecha (indiciado). Seis dias depois, as informações foram excluídas por uma servidora, Claudia Helena Acosta Rodrigues da Silva (também indiciada) sob a justificativa de erro.

O mesmo teria ocorrido com os dados da vacinação da filha do ex-presidente Laura Bolsonaro e de dois assessores do ex-presidente: Max Guilherme e Sérgio Cordeiro. No caso desses dois últimos, no entanto, os registros não teriam sido excluídos do sistema do Ministério da Saúde.

Com bases nas diligências realizadas na Operação Verine, a PF ressalta que os dados inseridos nos sistemas do Ministério da Saúde são falsos e foram realizados a pedido e no interesse de Bolsonaro e de seus assessores.

COM A PALAVRA, A DEFESA DO EX-PRESIDENTE JAIR BOLSONARO

COMUNICADO AOS VEÍCULOS DE IMPRENSA

A defesa do ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, tendo tomado conhecimento esta manhã, por meio de diversos veículos de imprensa, acerca da decisão de formalização de indiciamento de seu cliente nos autos da Petição 10405, que apura fraudes na confecção de cartões vacinais, vem esclarecer o quanto segue:

1. É público e mundialmente notório, que o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, por convicções pessoais, jamais fez uso de qualquer imunizante contra COVID-19, a despeito de haver adquirido e disponibilizado milhões de doses a todos os cidadãos brasileiros.

2. Ao ingressar nos Estados Unidos da América (EUA), no final de dezembro de 2022, nenhum atestado vacinal lhe foi solicitado, visto que, na condição de presidente da República, estava dispensado de tal exigência.

3. Ao deixar os EUA, em março de 2023, realizou teste de PCR na véspera, valendo-se de tal documento para regressar ao Brasil.

4. O ex-Presidente JAMAIS determinou ou soube que qualquer de seus assessores tivessem confeccionado certificados vacinais com conteúdo ideologicamente falso.

5. As razões, bastante perfunctórias, indicadas pelo Exmo. Delegado de Polícia Federal, ignoram que não haveria qualquer motivo razoável ou efetividade na falsificação de certificados vacinais em relação ao ex-Presidente e a sua filha, menor de 18 anos.

6. O ex-Presidente não precisava utilizar qualquer documento vacinal, dada sua condição diplomática, para realizar viagem internacional.

7. Sua filha, à época com 12 anos de idade, estaria dispensada de atestado vacinal, visto que nenhum país do mundo impunha a exigência vacinal à crianças.

8. Se, pelas razões expostas, tanto o ex-Presidente como sua filha não necessitavam de certificados vacinais para empreenderem viagem, é inafastável a indagação de qual seria o motivo razoável para que se aderisse a uma arriscada empreitada clandestina e criminosa.

9. Por derradeiro, não é demais obtemperar, de forma hipotética, que se o ex-Presidente, mundialmente conhecido por sua posição pessoal em não utilizar nenhum imunizante, apresentasse um certificado vacinal em qualquer posto de imigração no mundo, séria imediatamente reconhecido e publicamente desqualificado em razão da postura que sempre firmou em relação ao assunto.

10. Assim, a decisão da autoridade policial no caso em apreço se demonstra precipitada, ao menos com relação ao ex-Presidente, visto que não há fundada e objetiva suspeita de sua participação ou autoria nos delitos em apuração.

11. Se qualquer pessoa tomou providências relacionadas às carteiras de vacinação do ex-Presidente e de sua filha, o fez por iniciativa própria, à revelia de ambos, sendo claro que nunca determinaram ou mesmo solicitaram que qualquer conduta, mormente ilícita, fosse adotada em seus nomes. Certamente não há nos autos nenhuma prova de conduta do ex-Presidente em sentido diverso, sendo certo que não havia nenhuma necessidade para tanto.

São Paulo, 19 de março de 2024.

Paulo Amador da Cunha Bueno OAB/SP Nº 147.616 Daniel Bettamio Tesser OAB/SP n.° 208.351 Fábio Wajngarten OAB/SP n.° 162.273

O ex-presidente Jair Bolsonaro quando da abertura da Operação Verine, em maio de 2022. Foto: Wilton Junior/Estadão

A Polícia Federal afirma que o ex-presidente Jair Bolsonaro ‘agiu com consciência e vontade’ para a fraude em sua carteira de vacinação contra a covid-19, determinando que o ex-ajudante de ordens da Presidência tenente-coronel Mauro Cid ‘intermediasse a inserção de dados falsos’ nos sistemas do Ministério da Saúde em seu benefício e de sua filha Laura.

A reportagem busca contato com as defesas do ex-presidente. O espaço está aberto para manifestações. Nas redes sociais, o advogado Fábio Wajngarten, que representa o ex-presidente, disse que o indiciamento é um ‘absurdo’.

Segundo os investigadores, Cid imprimiu a carteira de vacinação falsa do ex-presidente dentro do Palácio da Alvorada. O delator narrou que ‘recebeu a ordem’ de Bolsonaro para fazer as inserções de dados falsos e depois entregou nas mãos do ex-chefe do Executivo o documento falsificado.

“Resta evidenciado que Mauro Cesar Cid, no exercício das atividades de chefe da Ajudância de Ordens da Presidência da República, por determinação de seu superior hierárquico, solicitou a inserção dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 em benefício do ex-Presidente e de sua filha Laura Firmo Bolsonaro”, escreveu o delegado Fábio Alvarez Shor no relatório final da Operação Verine, tornado público nesta terça-feira, 19.

No documento, a Polícia Federal indicia o ex-chefe do Executivo pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação - delitos cujas penas máximas, somadas, podem chegar a 15 anos de reclusão. Além de Bolsonaro, outros 16 investigados foram incriminados pela PF.

O chefe da Operação Verine ainda utilizou o relatório conclusivo da investigação para rebater uma alegação do ex-presidente: a de que seu então braço-direito, Mauro Cid, teria praticado a fraude sem seu conhecimento. Segundo a PF, não há qualquer elemento que indique que o ex-ajudante de ordens, junto de outros investigados diretamente ligados a operacionalização da fraude, se uniram em unidade de desígnios para inserir os dados falsos à revelia do então presidente’.

“Ao contrário, conforme demonstrado, todas as pessoas beneficiárias das inserções falsas realizada pelo grupo criminoso tinham não apenas plena ciência, como solicitaram/determinaram as inserções falsas nos sistemas do Ministério da Saúde”, frisou Fábio Alvarez Shor.

Segundo o delegado, o ex-presidente se associou com outros investigados, desde ‘novembro de 2021 até dezembro de 2022, para praticarem crimes de inserção de dados falsos em sistema de informações, especificamente dados de vacinação contra a covid-19, para emitirem os respectivos certificados ideologicamente falsos, no intuito de obterem vantagens indevidas relacionadas a burla de regras sanitárias estabelecidas durante o período de pandemia’.

O relatório de 231 páginas da PF detalha o passo a passo da fraude: desde a ordem, de Bolsonaro, para que Cid providenciasse não só sua carteira de vacinação falsificada, mas também o documento da filha Laura, até a tentativa de acobertar o caso, com a destruição dos certificados que haviam sido impressos dentro do Palácio do Alvorada e a exclusão de dados do sistema do Ministério da Saúde.

Em trechos do documento, a Polícia Federal lembra inclusive da conduta do ex-presidente, contrária à vacinação, em especial de crianças e adolescentes. O delegado Fábio Alvarez Shor chega a citar declarações do ex-chefe do Executivo de que não vacinaria sua filha de 11 anos.

O ‘modo de agir’

Segundo o inquérito, primeiro Cid pediu ao ex-major do Exército Ailton Barros intermediasse a fraude em benefício de sua mulher, Gabriela Santiago Cid, e de suas três filhas.

Depois, os assessores de Bolsonaro Max Guilherme Machado de Moura e Sérgio Rocha Cordeiro ‘agiram dolosamente’ solicitando que Cid fizesse o meio de campo para a inserção de dados falsos de vacinação em seus nomes nos sistemas do Ministério da Saúde. De acordo com a PF, eles emitiram ‘por várias vezes, os certificados de vacinação ideologicamente falsos para obtenção de vantagens indevidas’.

Só então que o ‘modus operandi’ teria se repetido com Bolsonaro. Segundo a delação de Cid, o ex-presidente ao tomar conhecimento de que o então ajudante de ordens tinha cartões de vacinação contra a covid-19 em seu nome e de seus familiares, ‘ordenou’ que o aliado ‘fizesse as inserções para obtenção dos cartões ideologicamente falsos para ele e sua filha Laura’.

“Que o presidente, após saber que o colaborador possuía os cartões de vacina para si e sua família, solicitou que o colaborador fizesse para ele também; que o ex-presidente deu a ordem para fazer os cartões dele e da sua filha, Laura Bolsonaro; que o colaborador solicitou a Ailton que fizesse os cartões; que o colaborador confirma que pediu os cartões do ex-presidente e sua filha Laura Bolsonaro sob determinação do ex-presidente Jair Bolsonaro e que imprimiu os certificados; que solicitou a inserção de dados no sistema ConecteSus de sua esposa, filhas, ex-presidente Jair Bolsonaro e de sua filha, Laura Bolsonaro”, registra trecho da delação de Cid.

Acessos e impressão de certificado no Alvorada

Durante as diligências da Operação Venire, a Polícia Federal identificou o endereço IP (espécie de digital de um aparelho eletrônico) usado para acessar o aplicativo ConecteSUS de Bolsonaro, concluindo que o acesso à conta foi realizado de um computador no Palácio do Alvorada.

Para tanto, os investigadores cruzaram dados de entrada de Mauro Cid na residência presidencial, os registros de acesso do aplicativo do Ministério da Saúde e o horário em que o cartão de vacinação de Bolsonaro emitido.

Além disso, a PF foi corroborar a indicação de Cid, de que teria impresso o certificado de vacinação de Bolsonaro e de Laura, entregando os documentos em mãos ao então presidente. A corporação puxou os registros de impressão e os discos rígidos de impressoras do Alvorada, identificando que Cid de fato imprimiu, no dia 22 de dezembro, dois arquivos: “Certificado de Vacinação Covid-19″ e “Covid 19 National Vaccination Certificate”.

No mesmo dia, houve uma mudança no cadastro do aplicativo ConecteSUS do ex-presidente. Antes, ele era controlado por Cid, que deixaria de assessorar o ex-presidente no dia 1º de janeiro. Foi então que o controle do aplicativo foi assumido por Marcelo Câmara, que acompanhou Bolsonaro em viagens a Orlando.

Nessa linha, a PF entendeu que as provas corroboram as declarações de Cid e demonstram: “Por ordem do então presidente, Cid solicitou a Ailton Barros a inserção dos dados falsos de vacinação contra a covid-19 em benefício do ex-presidente e de sua filha Laura. Em seguida, Ailton intermediou a inserção com João Carlos de Sousa Brecha. No dia 21/12/2022, o Secretário Municipal de Duque de Caxias, utilizando suas credenciais de acesso, executou a inserção dos dados falsos de vacinação no sistema do Ministério da Saúde. Logo depois, cadastrou o endereço para acesso à conta ConecteSUS de Laura e, em seguida, emitiu um certificado de vacinação em nome da menor, utilizando o serviço de internet de sua residência. No dia 22/12/2022, Cid, ao chegar no Palácio da Alvorada, acessou o ConecteSUS de Bolsonaro e emitiu o certificado de vacinação contra a Covid-19, possivelmente entregando em mãos ao então Presidente da República”.

‘Apagar rastros’

A PF narra ainda que os investigados tentaram ‘apagar os rastros das condutas criminosas especialmente envolvendo os dados falsos de vacinação em nome do ex-presidente e de sua filha. À PF, Cid contou que, ao saber das inserções falsas, o Coronel Marcelo Camara rasgou os certificados os certificados do do ex-chefe do Executivo e de Laura, pedindo que o então ajudante de ordens desfizesse as inserções falsas.

Em seguida, Cid contou que entrou em contato com Ailton Barros para tentar excluir as inserções. Segundo a PF, o ex-major teria então acionado a servidora Cláudia Helena Acosta Rodrigues da Silva, de Duque de Caxias, que foi responsável por apagar os dados do sistema do Ministério da Saúde sob alegação de ‘erro’.

Trecho de relatório final da Operação Venire Foto: Polícia Federal

Investigação

A Polícia Federal narra que a apuração da corporação teve início com uma notícia de fato encaminhada pela Controladoria-Geral da União, que relatou a ‘possível ocorrência de inserção de dados falsos no sistema de informação do Ministério da Saúde’, especialmente em nome do ex-presidente.

Segundo a CGU, Bolsonaro teria tomado uma dose da vacina da Pfizer em agosto de 2022, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. A segunda dose teria sido ministrada em 14 de outubro do mesmo ano, também no município fluminense.

Tais dados foram encaminhados à Rede Nacional de Dados em Saúde no dia 21 de dezembro de 2022, pelo Secretário de Governo de Duque de Caxias, João Carlos de Souza Brecha (indiciado). Seis dias depois, as informações foram excluídas por uma servidora, Claudia Helena Acosta Rodrigues da Silva (também indiciada) sob a justificativa de erro.

O mesmo teria ocorrido com os dados da vacinação da filha do ex-presidente Laura Bolsonaro e de dois assessores do ex-presidente: Max Guilherme e Sérgio Cordeiro. No caso desses dois últimos, no entanto, os registros não teriam sido excluídos do sistema do Ministério da Saúde.

Com bases nas diligências realizadas na Operação Verine, a PF ressalta que os dados inseridos nos sistemas do Ministério da Saúde são falsos e foram realizados a pedido e no interesse de Bolsonaro e de seus assessores.

COM A PALAVRA, A DEFESA DO EX-PRESIDENTE JAIR BOLSONARO

COMUNICADO AOS VEÍCULOS DE IMPRENSA

A defesa do ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, tendo tomado conhecimento esta manhã, por meio de diversos veículos de imprensa, acerca da decisão de formalização de indiciamento de seu cliente nos autos da Petição 10405, que apura fraudes na confecção de cartões vacinais, vem esclarecer o quanto segue:

1. É público e mundialmente notório, que o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, por convicções pessoais, jamais fez uso de qualquer imunizante contra COVID-19, a despeito de haver adquirido e disponibilizado milhões de doses a todos os cidadãos brasileiros.

2. Ao ingressar nos Estados Unidos da América (EUA), no final de dezembro de 2022, nenhum atestado vacinal lhe foi solicitado, visto que, na condição de presidente da República, estava dispensado de tal exigência.

3. Ao deixar os EUA, em março de 2023, realizou teste de PCR na véspera, valendo-se de tal documento para regressar ao Brasil.

4. O ex-Presidente JAMAIS determinou ou soube que qualquer de seus assessores tivessem confeccionado certificados vacinais com conteúdo ideologicamente falso.

5. As razões, bastante perfunctórias, indicadas pelo Exmo. Delegado de Polícia Federal, ignoram que não haveria qualquer motivo razoável ou efetividade na falsificação de certificados vacinais em relação ao ex-Presidente e a sua filha, menor de 18 anos.

6. O ex-Presidente não precisava utilizar qualquer documento vacinal, dada sua condição diplomática, para realizar viagem internacional.

7. Sua filha, à época com 12 anos de idade, estaria dispensada de atestado vacinal, visto que nenhum país do mundo impunha a exigência vacinal à crianças.

8. Se, pelas razões expostas, tanto o ex-Presidente como sua filha não necessitavam de certificados vacinais para empreenderem viagem, é inafastável a indagação de qual seria o motivo razoável para que se aderisse a uma arriscada empreitada clandestina e criminosa.

9. Por derradeiro, não é demais obtemperar, de forma hipotética, que se o ex-Presidente, mundialmente conhecido por sua posição pessoal em não utilizar nenhum imunizante, apresentasse um certificado vacinal em qualquer posto de imigração no mundo, séria imediatamente reconhecido e publicamente desqualificado em razão da postura que sempre firmou em relação ao assunto.

10. Assim, a decisão da autoridade policial no caso em apreço se demonstra precipitada, ao menos com relação ao ex-Presidente, visto que não há fundada e objetiva suspeita de sua participação ou autoria nos delitos em apuração.

11. Se qualquer pessoa tomou providências relacionadas às carteiras de vacinação do ex-Presidente e de sua filha, o fez por iniciativa própria, à revelia de ambos, sendo claro que nunca determinaram ou mesmo solicitaram que qualquer conduta, mormente ilícita, fosse adotada em seus nomes. Certamente não há nos autos nenhuma prova de conduta do ex-Presidente em sentido diverso, sendo certo que não havia nenhuma necessidade para tanto.

São Paulo, 19 de março de 2024.

Paulo Amador da Cunha Bueno OAB/SP Nº 147.616 Daniel Bettamio Tesser OAB/SP n.° 208.351 Fábio Wajngarten OAB/SP n.° 162.273

O ex-presidente Jair Bolsonaro quando da abertura da Operação Verine, em maio de 2022. Foto: Wilton Junior/Estadão

A Polícia Federal afirma que o ex-presidente Jair Bolsonaro ‘agiu com consciência e vontade’ para a fraude em sua carteira de vacinação contra a covid-19, determinando que o ex-ajudante de ordens da Presidência tenente-coronel Mauro Cid ‘intermediasse a inserção de dados falsos’ nos sistemas do Ministério da Saúde em seu benefício e de sua filha Laura.

A reportagem busca contato com as defesas do ex-presidente. O espaço está aberto para manifestações. Nas redes sociais, o advogado Fábio Wajngarten, que representa o ex-presidente, disse que o indiciamento é um ‘absurdo’.

Segundo os investigadores, Cid imprimiu a carteira de vacinação falsa do ex-presidente dentro do Palácio da Alvorada. O delator narrou que ‘recebeu a ordem’ de Bolsonaro para fazer as inserções de dados falsos e depois entregou nas mãos do ex-chefe do Executivo o documento falsificado.

“Resta evidenciado que Mauro Cesar Cid, no exercício das atividades de chefe da Ajudância de Ordens da Presidência da República, por determinação de seu superior hierárquico, solicitou a inserção dos dados falsos de vacinação contra a Covid-19 em benefício do ex-Presidente e de sua filha Laura Firmo Bolsonaro”, escreveu o delegado Fábio Alvarez Shor no relatório final da Operação Verine, tornado público nesta terça-feira, 19.

No documento, a Polícia Federal indicia o ex-chefe do Executivo pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação - delitos cujas penas máximas, somadas, podem chegar a 15 anos de reclusão. Além de Bolsonaro, outros 16 investigados foram incriminados pela PF.

O chefe da Operação Verine ainda utilizou o relatório conclusivo da investigação para rebater uma alegação do ex-presidente: a de que seu então braço-direito, Mauro Cid, teria praticado a fraude sem seu conhecimento. Segundo a PF, não há qualquer elemento que indique que o ex-ajudante de ordens, junto de outros investigados diretamente ligados a operacionalização da fraude, se uniram em unidade de desígnios para inserir os dados falsos à revelia do então presidente’.

“Ao contrário, conforme demonstrado, todas as pessoas beneficiárias das inserções falsas realizada pelo grupo criminoso tinham não apenas plena ciência, como solicitaram/determinaram as inserções falsas nos sistemas do Ministério da Saúde”, frisou Fábio Alvarez Shor.

Segundo o delegado, o ex-presidente se associou com outros investigados, desde ‘novembro de 2021 até dezembro de 2022, para praticarem crimes de inserção de dados falsos em sistema de informações, especificamente dados de vacinação contra a covid-19, para emitirem os respectivos certificados ideologicamente falsos, no intuito de obterem vantagens indevidas relacionadas a burla de regras sanitárias estabelecidas durante o período de pandemia’.

O relatório de 231 páginas da PF detalha o passo a passo da fraude: desde a ordem, de Bolsonaro, para que Cid providenciasse não só sua carteira de vacinação falsificada, mas também o documento da filha Laura, até a tentativa de acobertar o caso, com a destruição dos certificados que haviam sido impressos dentro do Palácio do Alvorada e a exclusão de dados do sistema do Ministério da Saúde.

Em trechos do documento, a Polícia Federal lembra inclusive da conduta do ex-presidente, contrária à vacinação, em especial de crianças e adolescentes. O delegado Fábio Alvarez Shor chega a citar declarações do ex-chefe do Executivo de que não vacinaria sua filha de 11 anos.

O ‘modo de agir’

Segundo o inquérito, primeiro Cid pediu ao ex-major do Exército Ailton Barros intermediasse a fraude em benefício de sua mulher, Gabriela Santiago Cid, e de suas três filhas.

Depois, os assessores de Bolsonaro Max Guilherme Machado de Moura e Sérgio Rocha Cordeiro ‘agiram dolosamente’ solicitando que Cid fizesse o meio de campo para a inserção de dados falsos de vacinação em seus nomes nos sistemas do Ministério da Saúde. De acordo com a PF, eles emitiram ‘por várias vezes, os certificados de vacinação ideologicamente falsos para obtenção de vantagens indevidas’.

Só então que o ‘modus operandi’ teria se repetido com Bolsonaro. Segundo a delação de Cid, o ex-presidente ao tomar conhecimento de que o então ajudante de ordens tinha cartões de vacinação contra a covid-19 em seu nome e de seus familiares, ‘ordenou’ que o aliado ‘fizesse as inserções para obtenção dos cartões ideologicamente falsos para ele e sua filha Laura’.

“Que o presidente, após saber que o colaborador possuía os cartões de vacina para si e sua família, solicitou que o colaborador fizesse para ele também; que o ex-presidente deu a ordem para fazer os cartões dele e da sua filha, Laura Bolsonaro; que o colaborador solicitou a Ailton que fizesse os cartões; que o colaborador confirma que pediu os cartões do ex-presidente e sua filha Laura Bolsonaro sob determinação do ex-presidente Jair Bolsonaro e que imprimiu os certificados; que solicitou a inserção de dados no sistema ConecteSus de sua esposa, filhas, ex-presidente Jair Bolsonaro e de sua filha, Laura Bolsonaro”, registra trecho da delação de Cid.

Acessos e impressão de certificado no Alvorada

Durante as diligências da Operação Venire, a Polícia Federal identificou o endereço IP (espécie de digital de um aparelho eletrônico) usado para acessar o aplicativo ConecteSUS de Bolsonaro, concluindo que o acesso à conta foi realizado de um computador no Palácio do Alvorada.

Para tanto, os investigadores cruzaram dados de entrada de Mauro Cid na residência presidencial, os registros de acesso do aplicativo do Ministério da Saúde e o horário em que o cartão de vacinação de Bolsonaro emitido.

Além disso, a PF foi corroborar a indicação de Cid, de que teria impresso o certificado de vacinação de Bolsonaro e de Laura, entregando os documentos em mãos ao então presidente. A corporação puxou os registros de impressão e os discos rígidos de impressoras do Alvorada, identificando que Cid de fato imprimiu, no dia 22 de dezembro, dois arquivos: “Certificado de Vacinação Covid-19″ e “Covid 19 National Vaccination Certificate”.

No mesmo dia, houve uma mudança no cadastro do aplicativo ConecteSUS do ex-presidente. Antes, ele era controlado por Cid, que deixaria de assessorar o ex-presidente no dia 1º de janeiro. Foi então que o controle do aplicativo foi assumido por Marcelo Câmara, que acompanhou Bolsonaro em viagens a Orlando.

Nessa linha, a PF entendeu que as provas corroboram as declarações de Cid e demonstram: “Por ordem do então presidente, Cid solicitou a Ailton Barros a inserção dos dados falsos de vacinação contra a covid-19 em benefício do ex-presidente e de sua filha Laura. Em seguida, Ailton intermediou a inserção com João Carlos de Sousa Brecha. No dia 21/12/2022, o Secretário Municipal de Duque de Caxias, utilizando suas credenciais de acesso, executou a inserção dos dados falsos de vacinação no sistema do Ministério da Saúde. Logo depois, cadastrou o endereço para acesso à conta ConecteSUS de Laura e, em seguida, emitiu um certificado de vacinação em nome da menor, utilizando o serviço de internet de sua residência. No dia 22/12/2022, Cid, ao chegar no Palácio da Alvorada, acessou o ConecteSUS de Bolsonaro e emitiu o certificado de vacinação contra a Covid-19, possivelmente entregando em mãos ao então Presidente da República”.

‘Apagar rastros’

A PF narra ainda que os investigados tentaram ‘apagar os rastros das condutas criminosas especialmente envolvendo os dados falsos de vacinação em nome do ex-presidente e de sua filha. À PF, Cid contou que, ao saber das inserções falsas, o Coronel Marcelo Camara rasgou os certificados os certificados do do ex-chefe do Executivo e de Laura, pedindo que o então ajudante de ordens desfizesse as inserções falsas.

Em seguida, Cid contou que entrou em contato com Ailton Barros para tentar excluir as inserções. Segundo a PF, o ex-major teria então acionado a servidora Cláudia Helena Acosta Rodrigues da Silva, de Duque de Caxias, que foi responsável por apagar os dados do sistema do Ministério da Saúde sob alegação de ‘erro’.

Trecho de relatório final da Operação Venire Foto: Polícia Federal

Investigação

A Polícia Federal narra que a apuração da corporação teve início com uma notícia de fato encaminhada pela Controladoria-Geral da União, que relatou a ‘possível ocorrência de inserção de dados falsos no sistema de informação do Ministério da Saúde’, especialmente em nome do ex-presidente.

Segundo a CGU, Bolsonaro teria tomado uma dose da vacina da Pfizer em agosto de 2022, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. A segunda dose teria sido ministrada em 14 de outubro do mesmo ano, também no município fluminense.

Tais dados foram encaminhados à Rede Nacional de Dados em Saúde no dia 21 de dezembro de 2022, pelo Secretário de Governo de Duque de Caxias, João Carlos de Souza Brecha (indiciado). Seis dias depois, as informações foram excluídas por uma servidora, Claudia Helena Acosta Rodrigues da Silva (também indiciada) sob a justificativa de erro.

O mesmo teria ocorrido com os dados da vacinação da filha do ex-presidente Laura Bolsonaro e de dois assessores do ex-presidente: Max Guilherme e Sérgio Cordeiro. No caso desses dois últimos, no entanto, os registros não teriam sido excluídos do sistema do Ministério da Saúde.

Com bases nas diligências realizadas na Operação Verine, a PF ressalta que os dados inseridos nos sistemas do Ministério da Saúde são falsos e foram realizados a pedido e no interesse de Bolsonaro e de seus assessores.

COM A PALAVRA, A DEFESA DO EX-PRESIDENTE JAIR BOLSONARO

COMUNICADO AOS VEÍCULOS DE IMPRENSA

A defesa do ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, tendo tomado conhecimento esta manhã, por meio de diversos veículos de imprensa, acerca da decisão de formalização de indiciamento de seu cliente nos autos da Petição 10405, que apura fraudes na confecção de cartões vacinais, vem esclarecer o quanto segue:

1. É público e mundialmente notório, que o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, por convicções pessoais, jamais fez uso de qualquer imunizante contra COVID-19, a despeito de haver adquirido e disponibilizado milhões de doses a todos os cidadãos brasileiros.

2. Ao ingressar nos Estados Unidos da América (EUA), no final de dezembro de 2022, nenhum atestado vacinal lhe foi solicitado, visto que, na condição de presidente da República, estava dispensado de tal exigência.

3. Ao deixar os EUA, em março de 2023, realizou teste de PCR na véspera, valendo-se de tal documento para regressar ao Brasil.

4. O ex-Presidente JAMAIS determinou ou soube que qualquer de seus assessores tivessem confeccionado certificados vacinais com conteúdo ideologicamente falso.

5. As razões, bastante perfunctórias, indicadas pelo Exmo. Delegado de Polícia Federal, ignoram que não haveria qualquer motivo razoável ou efetividade na falsificação de certificados vacinais em relação ao ex-Presidente e a sua filha, menor de 18 anos.

6. O ex-Presidente não precisava utilizar qualquer documento vacinal, dada sua condição diplomática, para realizar viagem internacional.

7. Sua filha, à época com 12 anos de idade, estaria dispensada de atestado vacinal, visto que nenhum país do mundo impunha a exigência vacinal à crianças.

8. Se, pelas razões expostas, tanto o ex-Presidente como sua filha não necessitavam de certificados vacinais para empreenderem viagem, é inafastável a indagação de qual seria o motivo razoável para que se aderisse a uma arriscada empreitada clandestina e criminosa.

9. Por derradeiro, não é demais obtemperar, de forma hipotética, que se o ex-Presidente, mundialmente conhecido por sua posição pessoal em não utilizar nenhum imunizante, apresentasse um certificado vacinal em qualquer posto de imigração no mundo, séria imediatamente reconhecido e publicamente desqualificado em razão da postura que sempre firmou em relação ao assunto.

10. Assim, a decisão da autoridade policial no caso em apreço se demonstra precipitada, ao menos com relação ao ex-Presidente, visto que não há fundada e objetiva suspeita de sua participação ou autoria nos delitos em apuração.

11. Se qualquer pessoa tomou providências relacionadas às carteiras de vacinação do ex-Presidente e de sua filha, o fez por iniciativa própria, à revelia de ambos, sendo claro que nunca determinaram ou mesmo solicitaram que qualquer conduta, mormente ilícita, fosse adotada em seus nomes. Certamente não há nos autos nenhuma prova de conduta do ex-Presidente em sentido diverso, sendo certo que não havia nenhuma necessidade para tanto.

São Paulo, 19 de março de 2024.

Paulo Amador da Cunha Bueno OAB/SP Nº 147.616 Daniel Bettamio Tesser OAB/SP n.° 208.351 Fábio Wajngarten OAB/SP n.° 162.273

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