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Brasil precisa reconstruir sua soberania digital


Por Luca Belli
Luca Belli. Foto: DIVULGAÇÃO

A transformação digital, enormemente acelerada pela recente pandemia, nos traz enormes oportunidades. Porém, se não entendermos e dominarmos as tecnologias que facilitam essa transformação, a digitalização se torna uma bomba-relógio, na melhor das hipóteses, e uma sentença de colonização digital, na pior.

Assim, o Brasil precisa absolutamente de uma estratégia de soberania digital, seja em sua política externa ou na interna, para voltar a ser ator protagonista do próprio futuro digital e retomar seu papel de liderança nas políticas digitais não somente no âmbito regional e no Sul Global, mas até mundialmente.

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A soberania digital refere-se à capacidade de exercer poder e controle sobre infraestruturas digitais e dados e implica entender os efeitos - positivos e negativos - que cada escolha tecnológica determina.

Nesse sentido, é essencial ter uma visão sistêmica para entender como os diferentes elementos dos ecossistemas digitais se interrelacionam e como desenvolver, usar e regular a tecnologia em vez de ser regulado por ela.

A falta de tal visão e da capacidade de implementá-la significa essencialmente abdicar de sua soberania digital e se tornar um "sujeito digital", colonizado no âmbito da estratégia de expansão digital alheia. As revelações de Snowden nos ensinaram, exatamente há dez anos, que a tecnologia é uma ferramenta libertadora, mas é também utilizada como instrumento de vigilância, espionagem e preservação de vantagem competitiva.

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Seria altamente ingênuo pensar que ao longo da última década a situação evoluiu de maneira radicalmente diferente. Somente há dois anos o Tribunal de Justiça Europeu decidiu anular o Privacy Shield, mecanismo que permitia o fluxo transatlântico de dados entre a UE e os EUA, com o fundamento de que o sistema de vigilância dos EUA torna impossível garantir a proteção de dados pessoais exigida pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados da UE.

Precisamos, portanto, fortalecer as dimensões fundamentais da soberania digital para construir nossa estratégia. Primeiramente, soberania digital é autodeterminação, no sentido mais puro desse direito fundamental. Determinar livremente seu desenvolvimento econômico, político, social e cultural.

A soberania digital permite organizar independentemente o desenvolvimento de uma nação. Porém, nas últimas décadas, pouquíssimos governos tiveram uma postura estratégica e coordenada ao definir suas políticas de educação, pesquisa, desenvolvimento industrial, expansão de infraestruturas digitais e governança de dados, para fortalecer a soberania digital.

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O Brasil precisa urgentemente dessa postura, como pilar fundamental do desenvolvimento nacional, sem que se torne uma justificativa para protecionismo.

Uma segunda dimensão da soberania digital é a cibersegurança, nas suas diferentes camadas. Ser soberano significa ser capaz de controlar e proteger suas próprias infraestruturas críticas, suas redes eletrônicas, seus bancos de dados e as infraestruturas políticas que permitem a governança do País. Cada uma dessas camadas é vulnerável a ataques, perpetrados quotidianamente no Brasil.

Exemplos de ataques hackers derrubando empresas, tribunais, municípios e ministérios são superabundantes. Até o bom funcionamento democrático depende da capacidade das instituições de exercer controle sobre a estrutura política do País, hoje interconectada com tecnologias digitais.

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As ameaças extremamente tangíveis que surgem de redes sociais nos demonstram o quanto é porosa a fronteira entre online e offline e o quanto é necessário garantir o controle democrático das infraestruturas digitais para assegurar a (ciber)segurança e a soberania nacional.

Uma democracia, uma economia e uma sociedade constantemente vulneráveis não podem ser chamadas de digitalmente soberanas.

Em terceiro lugar, a soberania digital é soberania sobre dados. Continuamos a proclamar que os dados são o petróleo do Século XXI, mas de fato entregamos uma concessão para explorar essa riqueza ad infinitum para as mesmas pouquíssimas empresas estrangeiras implicadas nas revelações de Snowden de 2013.

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Na verdade, no Brasil, a enorme maioria dos usuários de internet são de fato meros usuários de redes sociais, que estão entre os pouquíssimos aplicativos subsidiados nas franquias dos planos de internet móvel. Essa situação leva os usuários mais pobres, ou seja, a enorme maioria, a usar principalmente redes sociais nos próprios smartphones porque são as únicas percebidas como "de graça".

Não é de se maravilhar se os internautas brasileiros passam em média 4 horas por dia em redes sociais - principais espalhadores de desinformação - e 95% deles usam sua conexão principalmente em aplicativos de mensageria instantânea, como destaca o IBGE. Não é de se maravilhar se as big tech concentram dados e mercado, realizando lucros bilionários que não são devidamente tributados. Nossa política de acesso à internet móvel garante que o insumo valioso (dados) seja extraído gratuitamente somente por algumas empresas que processam e geram renda e inovação - e informações altamente estratégicas - em servidores estrangeiros com tributação mínima no Brasil.

O Brasil, porém, não é condenado a ser uma colônia digital. Na verdade, foi até um precursor da soberania digital, com as políticas da primeira administração Lula sobre software livre. Por anos o Brasil foi referência mundial, oferecendo uma visão de como o software pode ser enxergado como ferramenta libertadora, em vez de um instrumento de extração de dados e de colonização digital.

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O software livre foi abandonado em 2016 pela administração Temer, que contratou uma big tech estadunidense para digitalizar a administração pública. Hoje é muito difícil voltar à soberania digital, mas não é impossível.

Em vários casos, já existe legislação que poderia ajudar enormemente se fosse simplesmente aplicada. A regulamentação do Marco Civil da Internet pode ser aplicada para proibir as práticas de zero rating. Além de consagrar a autodeterminação informativa, a Lei Geral de Proteção de Dados estabelece mecanismo para regular as transferências de dados internacionais.

Por fim, o Brasil precisa de uma estratégia séria de soberania digital baseada em pensamento sistêmico, investimentos estratégicos e, sobretudo, fortalecimento do capital humano. O Brasil precisa atualizar currículos escolares e investir na capacitação, pesquisa e desenvolvimento. Aprender a programação de software livre, por exemplo, deveria ser parte do ensino básico.

Existe um enorme capital de criatividade no Brasil, que tem todo o potencial para se tornar não somente um exportador de tecnologia, mas uma liderança mundial. Precisamos enxergar brasileiras e brasileiros não somente como consumidores, mas como criadores da tecnologia.

*Luca Belli, professor e coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV Direito Rio 

Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV

Luca Belli. Foto: DIVULGAÇÃO

A transformação digital, enormemente acelerada pela recente pandemia, nos traz enormes oportunidades. Porém, se não entendermos e dominarmos as tecnologias que facilitam essa transformação, a digitalização se torna uma bomba-relógio, na melhor das hipóteses, e uma sentença de colonização digital, na pior.

Assim, o Brasil precisa absolutamente de uma estratégia de soberania digital, seja em sua política externa ou na interna, para voltar a ser ator protagonista do próprio futuro digital e retomar seu papel de liderança nas políticas digitais não somente no âmbito regional e no Sul Global, mas até mundialmente.

A soberania digital refere-se à capacidade de exercer poder e controle sobre infraestruturas digitais e dados e implica entender os efeitos - positivos e negativos - que cada escolha tecnológica determina.

Nesse sentido, é essencial ter uma visão sistêmica para entender como os diferentes elementos dos ecossistemas digitais se interrelacionam e como desenvolver, usar e regular a tecnologia em vez de ser regulado por ela.

A falta de tal visão e da capacidade de implementá-la significa essencialmente abdicar de sua soberania digital e se tornar um "sujeito digital", colonizado no âmbito da estratégia de expansão digital alheia. As revelações de Snowden nos ensinaram, exatamente há dez anos, que a tecnologia é uma ferramenta libertadora, mas é também utilizada como instrumento de vigilância, espionagem e preservação de vantagem competitiva.

Seria altamente ingênuo pensar que ao longo da última década a situação evoluiu de maneira radicalmente diferente. Somente há dois anos o Tribunal de Justiça Europeu decidiu anular o Privacy Shield, mecanismo que permitia o fluxo transatlântico de dados entre a UE e os EUA, com o fundamento de que o sistema de vigilância dos EUA torna impossível garantir a proteção de dados pessoais exigida pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados da UE.

Precisamos, portanto, fortalecer as dimensões fundamentais da soberania digital para construir nossa estratégia. Primeiramente, soberania digital é autodeterminação, no sentido mais puro desse direito fundamental. Determinar livremente seu desenvolvimento econômico, político, social e cultural.

A soberania digital permite organizar independentemente o desenvolvimento de uma nação. Porém, nas últimas décadas, pouquíssimos governos tiveram uma postura estratégica e coordenada ao definir suas políticas de educação, pesquisa, desenvolvimento industrial, expansão de infraestruturas digitais e governança de dados, para fortalecer a soberania digital.

O Brasil precisa urgentemente dessa postura, como pilar fundamental do desenvolvimento nacional, sem que se torne uma justificativa para protecionismo.

Uma segunda dimensão da soberania digital é a cibersegurança, nas suas diferentes camadas. Ser soberano significa ser capaz de controlar e proteger suas próprias infraestruturas críticas, suas redes eletrônicas, seus bancos de dados e as infraestruturas políticas que permitem a governança do País. Cada uma dessas camadas é vulnerável a ataques, perpetrados quotidianamente no Brasil.

Exemplos de ataques hackers derrubando empresas, tribunais, municípios e ministérios são superabundantes. Até o bom funcionamento democrático depende da capacidade das instituições de exercer controle sobre a estrutura política do País, hoje interconectada com tecnologias digitais.

As ameaças extremamente tangíveis que surgem de redes sociais nos demonstram o quanto é porosa a fronteira entre online e offline e o quanto é necessário garantir o controle democrático das infraestruturas digitais para assegurar a (ciber)segurança e a soberania nacional.

Uma democracia, uma economia e uma sociedade constantemente vulneráveis não podem ser chamadas de digitalmente soberanas.

Em terceiro lugar, a soberania digital é soberania sobre dados. Continuamos a proclamar que os dados são o petróleo do Século XXI, mas de fato entregamos uma concessão para explorar essa riqueza ad infinitum para as mesmas pouquíssimas empresas estrangeiras implicadas nas revelações de Snowden de 2013.

Na verdade, no Brasil, a enorme maioria dos usuários de internet são de fato meros usuários de redes sociais, que estão entre os pouquíssimos aplicativos subsidiados nas franquias dos planos de internet móvel. Essa situação leva os usuários mais pobres, ou seja, a enorme maioria, a usar principalmente redes sociais nos próprios smartphones porque são as únicas percebidas como "de graça".

Não é de se maravilhar se os internautas brasileiros passam em média 4 horas por dia em redes sociais - principais espalhadores de desinformação - e 95% deles usam sua conexão principalmente em aplicativos de mensageria instantânea, como destaca o IBGE. Não é de se maravilhar se as big tech concentram dados e mercado, realizando lucros bilionários que não são devidamente tributados. Nossa política de acesso à internet móvel garante que o insumo valioso (dados) seja extraído gratuitamente somente por algumas empresas que processam e geram renda e inovação - e informações altamente estratégicas - em servidores estrangeiros com tributação mínima no Brasil.

O Brasil, porém, não é condenado a ser uma colônia digital. Na verdade, foi até um precursor da soberania digital, com as políticas da primeira administração Lula sobre software livre. Por anos o Brasil foi referência mundial, oferecendo uma visão de como o software pode ser enxergado como ferramenta libertadora, em vez de um instrumento de extração de dados e de colonização digital.

O software livre foi abandonado em 2016 pela administração Temer, que contratou uma big tech estadunidense para digitalizar a administração pública. Hoje é muito difícil voltar à soberania digital, mas não é impossível.

Em vários casos, já existe legislação que poderia ajudar enormemente se fosse simplesmente aplicada. A regulamentação do Marco Civil da Internet pode ser aplicada para proibir as práticas de zero rating. Além de consagrar a autodeterminação informativa, a Lei Geral de Proteção de Dados estabelece mecanismo para regular as transferências de dados internacionais.

Por fim, o Brasil precisa de uma estratégia séria de soberania digital baseada em pensamento sistêmico, investimentos estratégicos e, sobretudo, fortalecimento do capital humano. O Brasil precisa atualizar currículos escolares e investir na capacitação, pesquisa e desenvolvimento. Aprender a programação de software livre, por exemplo, deveria ser parte do ensino básico.

Existe um enorme capital de criatividade no Brasil, que tem todo o potencial para se tornar não somente um exportador de tecnologia, mas uma liderança mundial. Precisamos enxergar brasileiras e brasileiros não somente como consumidores, mas como criadores da tecnologia.

*Luca Belli, professor e coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV Direito Rio 

Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV

Luca Belli. Foto: DIVULGAÇÃO

A transformação digital, enormemente acelerada pela recente pandemia, nos traz enormes oportunidades. Porém, se não entendermos e dominarmos as tecnologias que facilitam essa transformação, a digitalização se torna uma bomba-relógio, na melhor das hipóteses, e uma sentença de colonização digital, na pior.

Assim, o Brasil precisa absolutamente de uma estratégia de soberania digital, seja em sua política externa ou na interna, para voltar a ser ator protagonista do próprio futuro digital e retomar seu papel de liderança nas políticas digitais não somente no âmbito regional e no Sul Global, mas até mundialmente.

A soberania digital refere-se à capacidade de exercer poder e controle sobre infraestruturas digitais e dados e implica entender os efeitos - positivos e negativos - que cada escolha tecnológica determina.

Nesse sentido, é essencial ter uma visão sistêmica para entender como os diferentes elementos dos ecossistemas digitais se interrelacionam e como desenvolver, usar e regular a tecnologia em vez de ser regulado por ela.

A falta de tal visão e da capacidade de implementá-la significa essencialmente abdicar de sua soberania digital e se tornar um "sujeito digital", colonizado no âmbito da estratégia de expansão digital alheia. As revelações de Snowden nos ensinaram, exatamente há dez anos, que a tecnologia é uma ferramenta libertadora, mas é também utilizada como instrumento de vigilância, espionagem e preservação de vantagem competitiva.

Seria altamente ingênuo pensar que ao longo da última década a situação evoluiu de maneira radicalmente diferente. Somente há dois anos o Tribunal de Justiça Europeu decidiu anular o Privacy Shield, mecanismo que permitia o fluxo transatlântico de dados entre a UE e os EUA, com o fundamento de que o sistema de vigilância dos EUA torna impossível garantir a proteção de dados pessoais exigida pelo Regulamento Geral de Proteção de Dados da UE.

Precisamos, portanto, fortalecer as dimensões fundamentais da soberania digital para construir nossa estratégia. Primeiramente, soberania digital é autodeterminação, no sentido mais puro desse direito fundamental. Determinar livremente seu desenvolvimento econômico, político, social e cultural.

A soberania digital permite organizar independentemente o desenvolvimento de uma nação. Porém, nas últimas décadas, pouquíssimos governos tiveram uma postura estratégica e coordenada ao definir suas políticas de educação, pesquisa, desenvolvimento industrial, expansão de infraestruturas digitais e governança de dados, para fortalecer a soberania digital.

O Brasil precisa urgentemente dessa postura, como pilar fundamental do desenvolvimento nacional, sem que se torne uma justificativa para protecionismo.

Uma segunda dimensão da soberania digital é a cibersegurança, nas suas diferentes camadas. Ser soberano significa ser capaz de controlar e proteger suas próprias infraestruturas críticas, suas redes eletrônicas, seus bancos de dados e as infraestruturas políticas que permitem a governança do País. Cada uma dessas camadas é vulnerável a ataques, perpetrados quotidianamente no Brasil.

Exemplos de ataques hackers derrubando empresas, tribunais, municípios e ministérios são superabundantes. Até o bom funcionamento democrático depende da capacidade das instituições de exercer controle sobre a estrutura política do País, hoje interconectada com tecnologias digitais.

As ameaças extremamente tangíveis que surgem de redes sociais nos demonstram o quanto é porosa a fronteira entre online e offline e o quanto é necessário garantir o controle democrático das infraestruturas digitais para assegurar a (ciber)segurança e a soberania nacional.

Uma democracia, uma economia e uma sociedade constantemente vulneráveis não podem ser chamadas de digitalmente soberanas.

Em terceiro lugar, a soberania digital é soberania sobre dados. Continuamos a proclamar que os dados são o petróleo do Século XXI, mas de fato entregamos uma concessão para explorar essa riqueza ad infinitum para as mesmas pouquíssimas empresas estrangeiras implicadas nas revelações de Snowden de 2013.

Na verdade, no Brasil, a enorme maioria dos usuários de internet são de fato meros usuários de redes sociais, que estão entre os pouquíssimos aplicativos subsidiados nas franquias dos planos de internet móvel. Essa situação leva os usuários mais pobres, ou seja, a enorme maioria, a usar principalmente redes sociais nos próprios smartphones porque são as únicas percebidas como "de graça".

Não é de se maravilhar se os internautas brasileiros passam em média 4 horas por dia em redes sociais - principais espalhadores de desinformação - e 95% deles usam sua conexão principalmente em aplicativos de mensageria instantânea, como destaca o IBGE. Não é de se maravilhar se as big tech concentram dados e mercado, realizando lucros bilionários que não são devidamente tributados. Nossa política de acesso à internet móvel garante que o insumo valioso (dados) seja extraído gratuitamente somente por algumas empresas que processam e geram renda e inovação - e informações altamente estratégicas - em servidores estrangeiros com tributação mínima no Brasil.

O Brasil, porém, não é condenado a ser uma colônia digital. Na verdade, foi até um precursor da soberania digital, com as políticas da primeira administração Lula sobre software livre. Por anos o Brasil foi referência mundial, oferecendo uma visão de como o software pode ser enxergado como ferramenta libertadora, em vez de um instrumento de extração de dados e de colonização digital.

O software livre foi abandonado em 2016 pela administração Temer, que contratou uma big tech estadunidense para digitalizar a administração pública. Hoje é muito difícil voltar à soberania digital, mas não é impossível.

Em vários casos, já existe legislação que poderia ajudar enormemente se fosse simplesmente aplicada. A regulamentação do Marco Civil da Internet pode ser aplicada para proibir as práticas de zero rating. Além de consagrar a autodeterminação informativa, a Lei Geral de Proteção de Dados estabelece mecanismo para regular as transferências de dados internacionais.

Por fim, o Brasil precisa de uma estratégia séria de soberania digital baseada em pensamento sistêmico, investimentos estratégicos e, sobretudo, fortalecimento do capital humano. O Brasil precisa atualizar currículos escolares e investir na capacitação, pesquisa e desenvolvimento. Aprender a programação de software livre, por exemplo, deveria ser parte do ensino básico.

Existe um enorme capital de criatividade no Brasil, que tem todo o potencial para se tornar não somente um exportador de tecnologia, mas uma liderança mundial. Precisamos enxergar brasileiras e brasileiros não somente como consumidores, mas como criadores da tecnologia.

*Luca Belli, professor e coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV Direito Rio 

Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV

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