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Opinião|Busca e apreensão no caso Alexandre de Moraes e os suspeitos


Por César Dario Mariano da Silva
César Dario Mariano da Silva. Foto: Arquivo pessoal

Causou perplexidade no mundo do direito a expedição de mandado de busca e apreensão pelo Supremo Tribunal Federal, tendo como alvos a residência e celulares do casal suspeito de ter ofendido o Ministro Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma, na Itália.

E os motivos são vários.

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Evidente que não é dado a ninguém, por nenhum motivo, ofender a honra de quem quer que seja, notadamente de agentes públicos ou políticos, que se encontrem em qualquer lugar do mundo.

O direito à livre manifestação do pensamento não é absoluto e, quando ultrapassado o limite do tolerável, pode ensejar a prática de ilícito penal e civil.

Por outro lado, por mais importante que seja o cargo ocupado pelo ofendido, há normas constitucionais e processuais que valem para todos e não podem ser desrespeitadas. A isonomia é um dos princípios fundamentais de todo estado democrático de direito, aliás, um de seus pilares.

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Como expliquei em artigo publicado neste veículo de comunicação[1], os crimes que poderiam ter sido praticados contra o Ministro Alexandre de Moraes (injúria ou desacato) são de pequeno potencial ofensivo e, em situação normal, a ação penal tramitaria no juizado especial criminal e não na Suprema Corte, por não existir prerrogativa de foro para os ofensores ou agressores (se de fato houve agressão física).

A Carta Constitucional traz como direito fundamental de toda pessoa ser julgada pelo juiz natural da causa e veda a existência de tribunal de exceção, criado para julgar caso ou casos excepcionais, com juízes previamente escolhidos e não aqueles determinados na Lei de Organização Judiciária (Estados e União) e segundo as regras estabelecidas na legislação processual ordinária.

E, como os suspeitos não possuem prerrogativa de foro, devem ser investigados, processados e julgados de acordo com a regra geral de competência e nunca pela mais alta Corte da Justiça brasileira, simplesmente pelo fato de o ofendido ser seu integrante, posto que não existe prerrogativa de foro pela qualidade da vítima.

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Além do mais, é desproporcional expedir mandado de busca e apreensão para crime de menor expressão, que causa pouca danosidade social, classificado como de pequeno potencial ofensivo. A busca e apreensão é medida invasiva a direito fundamental, reservada para delitos mais graves, que proporcionalmente ensejem a violação da privacidade ou intimidade do investigado.

Tal medida dificilmente, para não dizer nunca, seria deferida por um magistrado de primeiro grau, notadamente porque o delito foi cometido por palavras e a milhares de quilômetros do Brasil, possuindo várias testemunhas e imagens captadas por câmeras de vídeo existentes no aeroporto. Assim, para a prova do crime de desacato, não se faz necessária a busca e apreensão. E muito menos para eventual agressão física ao Ministro ou a seu familiar (ainda em investigação), cujas provas devem ser produzidas de outro modo (existentes, aliás) e não com medida cautelar em que se busca demonstrar a autoria e materialidade, que, nestes casos, não estão na casa, celular ou automóvel dos envolvidos.

A impressão que fica é que está sendo realizada uma devassa na vida dos suspeitos, procurando pescar-se algo que possa comprometê-los, vez que, cuidando-se de desacato (que pode ser processado no Brasil), é passível de transação penal ou, negada esta, suspensão condicional do processo, o que implica ordinariamente a não tramitação de processo criminal.

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Mesmo que ocorra a condenação, por não ser oferecida proposta de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público, muito provavelmente, se for julgada eventual ação penal por juiz singular, como deve ser, será aplicada pena restritiva de direitos ou mesmo multa, vez que presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal.

Isso se não se chegar à conclusão de que a ofensa perpetrada não foi realizada em razão das funções do Ministro, hipótese em que o crime é de injúria, que não importa extradição e, por esse motivo, não pode ser processado no Brasil, com fundamento no artigo 7º, § 2º, alínea "c", do Estatuto Repressivo Penal.

Com efeito, parece-me que, com a expedição do mandado de busca e apreensão, está sendo realizada a pescaria probatória (fishing expedition).

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A pescaria probatória, conhecida internacionalmente como fishing expedition, consiste em uma espécie de auditoria, sem causa provável, em que se busca qualquer fato que possa ensejar a instauração penal contra uma ou mais pessoas.

Tal proceder é vedado em nosso sistema processual, que exige sejam as investigações direcionadas a fato certo.

Toda investigação séria parte de fato para pessoas e não o contrário. Não é possível instaurar uma investigação para, a qualquer custo, sem fundadas razões, buscar algo contra alguém, que não se sabe ao certo o que seja, que pode nem existir.

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No direito processual penal não se investiga pessoa, mas fatos que caracterizem infração penal, que, no decorrer da investigação, pode apontar para alguém.

Não se pode inverter a ordem legal e partir-se da pessoa para se chegar a algum fato até então incerto, buscando de toda forma encontrar algo que a comprometa e possa dar azo à instauração de uma ação penal.

Sem a estrita observância dos princípios e regras constitucionais e processuais, que existem para evitar o arbítrio estatal e a perseguição do mais fraco pelo mais forte, nenhuma democracia sobrevive.

*César Dario Mariano da Silva, procurador de Justiça - MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais - PUC/SP. Especialista em Direito Penal - ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá

[1] https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/as-ofensas-perpetradas-na-italia-poderao-ser-julgadas-no-brasil/

César Dario Mariano da Silva. Foto: Arquivo pessoal

Causou perplexidade no mundo do direito a expedição de mandado de busca e apreensão pelo Supremo Tribunal Federal, tendo como alvos a residência e celulares do casal suspeito de ter ofendido o Ministro Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma, na Itália.

E os motivos são vários.

Evidente que não é dado a ninguém, por nenhum motivo, ofender a honra de quem quer que seja, notadamente de agentes públicos ou políticos, que se encontrem em qualquer lugar do mundo.

O direito à livre manifestação do pensamento não é absoluto e, quando ultrapassado o limite do tolerável, pode ensejar a prática de ilícito penal e civil.

Por outro lado, por mais importante que seja o cargo ocupado pelo ofendido, há normas constitucionais e processuais que valem para todos e não podem ser desrespeitadas. A isonomia é um dos princípios fundamentais de todo estado democrático de direito, aliás, um de seus pilares.

Como expliquei em artigo publicado neste veículo de comunicação[1], os crimes que poderiam ter sido praticados contra o Ministro Alexandre de Moraes (injúria ou desacato) são de pequeno potencial ofensivo e, em situação normal, a ação penal tramitaria no juizado especial criminal e não na Suprema Corte, por não existir prerrogativa de foro para os ofensores ou agressores (se de fato houve agressão física).

A Carta Constitucional traz como direito fundamental de toda pessoa ser julgada pelo juiz natural da causa e veda a existência de tribunal de exceção, criado para julgar caso ou casos excepcionais, com juízes previamente escolhidos e não aqueles determinados na Lei de Organização Judiciária (Estados e União) e segundo as regras estabelecidas na legislação processual ordinária.

E, como os suspeitos não possuem prerrogativa de foro, devem ser investigados, processados e julgados de acordo com a regra geral de competência e nunca pela mais alta Corte da Justiça brasileira, simplesmente pelo fato de o ofendido ser seu integrante, posto que não existe prerrogativa de foro pela qualidade da vítima.

Além do mais, é desproporcional expedir mandado de busca e apreensão para crime de menor expressão, que causa pouca danosidade social, classificado como de pequeno potencial ofensivo. A busca e apreensão é medida invasiva a direito fundamental, reservada para delitos mais graves, que proporcionalmente ensejem a violação da privacidade ou intimidade do investigado.

Tal medida dificilmente, para não dizer nunca, seria deferida por um magistrado de primeiro grau, notadamente porque o delito foi cometido por palavras e a milhares de quilômetros do Brasil, possuindo várias testemunhas e imagens captadas por câmeras de vídeo existentes no aeroporto. Assim, para a prova do crime de desacato, não se faz necessária a busca e apreensão. E muito menos para eventual agressão física ao Ministro ou a seu familiar (ainda em investigação), cujas provas devem ser produzidas de outro modo (existentes, aliás) e não com medida cautelar em que se busca demonstrar a autoria e materialidade, que, nestes casos, não estão na casa, celular ou automóvel dos envolvidos.

A impressão que fica é que está sendo realizada uma devassa na vida dos suspeitos, procurando pescar-se algo que possa comprometê-los, vez que, cuidando-se de desacato (que pode ser processado no Brasil), é passível de transação penal ou, negada esta, suspensão condicional do processo, o que implica ordinariamente a não tramitação de processo criminal.

Mesmo que ocorra a condenação, por não ser oferecida proposta de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público, muito provavelmente, se for julgada eventual ação penal por juiz singular, como deve ser, será aplicada pena restritiva de direitos ou mesmo multa, vez que presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal.

Isso se não se chegar à conclusão de que a ofensa perpetrada não foi realizada em razão das funções do Ministro, hipótese em que o crime é de injúria, que não importa extradição e, por esse motivo, não pode ser processado no Brasil, com fundamento no artigo 7º, § 2º, alínea "c", do Estatuto Repressivo Penal.

Com efeito, parece-me que, com a expedição do mandado de busca e apreensão, está sendo realizada a pescaria probatória (fishing expedition).

A pescaria probatória, conhecida internacionalmente como fishing expedition, consiste em uma espécie de auditoria, sem causa provável, em que se busca qualquer fato que possa ensejar a instauração penal contra uma ou mais pessoas.

Tal proceder é vedado em nosso sistema processual, que exige sejam as investigações direcionadas a fato certo.

Toda investigação séria parte de fato para pessoas e não o contrário. Não é possível instaurar uma investigação para, a qualquer custo, sem fundadas razões, buscar algo contra alguém, que não se sabe ao certo o que seja, que pode nem existir.

No direito processual penal não se investiga pessoa, mas fatos que caracterizem infração penal, que, no decorrer da investigação, pode apontar para alguém.

Não se pode inverter a ordem legal e partir-se da pessoa para se chegar a algum fato até então incerto, buscando de toda forma encontrar algo que a comprometa e possa dar azo à instauração de uma ação penal.

Sem a estrita observância dos princípios e regras constitucionais e processuais, que existem para evitar o arbítrio estatal e a perseguição do mais fraco pelo mais forte, nenhuma democracia sobrevive.

*César Dario Mariano da Silva, procurador de Justiça - MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais - PUC/SP. Especialista em Direito Penal - ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá

[1] https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/as-ofensas-perpetradas-na-italia-poderao-ser-julgadas-no-brasil/

César Dario Mariano da Silva. Foto: Arquivo pessoal

Causou perplexidade no mundo do direito a expedição de mandado de busca e apreensão pelo Supremo Tribunal Federal, tendo como alvos a residência e celulares do casal suspeito de ter ofendido o Ministro Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma, na Itália.

E os motivos são vários.

Evidente que não é dado a ninguém, por nenhum motivo, ofender a honra de quem quer que seja, notadamente de agentes públicos ou políticos, que se encontrem em qualquer lugar do mundo.

O direito à livre manifestação do pensamento não é absoluto e, quando ultrapassado o limite do tolerável, pode ensejar a prática de ilícito penal e civil.

Por outro lado, por mais importante que seja o cargo ocupado pelo ofendido, há normas constitucionais e processuais que valem para todos e não podem ser desrespeitadas. A isonomia é um dos princípios fundamentais de todo estado democrático de direito, aliás, um de seus pilares.

Como expliquei em artigo publicado neste veículo de comunicação[1], os crimes que poderiam ter sido praticados contra o Ministro Alexandre de Moraes (injúria ou desacato) são de pequeno potencial ofensivo e, em situação normal, a ação penal tramitaria no juizado especial criminal e não na Suprema Corte, por não existir prerrogativa de foro para os ofensores ou agressores (se de fato houve agressão física).

A Carta Constitucional traz como direito fundamental de toda pessoa ser julgada pelo juiz natural da causa e veda a existência de tribunal de exceção, criado para julgar caso ou casos excepcionais, com juízes previamente escolhidos e não aqueles determinados na Lei de Organização Judiciária (Estados e União) e segundo as regras estabelecidas na legislação processual ordinária.

E, como os suspeitos não possuem prerrogativa de foro, devem ser investigados, processados e julgados de acordo com a regra geral de competência e nunca pela mais alta Corte da Justiça brasileira, simplesmente pelo fato de o ofendido ser seu integrante, posto que não existe prerrogativa de foro pela qualidade da vítima.

Além do mais, é desproporcional expedir mandado de busca e apreensão para crime de menor expressão, que causa pouca danosidade social, classificado como de pequeno potencial ofensivo. A busca e apreensão é medida invasiva a direito fundamental, reservada para delitos mais graves, que proporcionalmente ensejem a violação da privacidade ou intimidade do investigado.

Tal medida dificilmente, para não dizer nunca, seria deferida por um magistrado de primeiro grau, notadamente porque o delito foi cometido por palavras e a milhares de quilômetros do Brasil, possuindo várias testemunhas e imagens captadas por câmeras de vídeo existentes no aeroporto. Assim, para a prova do crime de desacato, não se faz necessária a busca e apreensão. E muito menos para eventual agressão física ao Ministro ou a seu familiar (ainda em investigação), cujas provas devem ser produzidas de outro modo (existentes, aliás) e não com medida cautelar em que se busca demonstrar a autoria e materialidade, que, nestes casos, não estão na casa, celular ou automóvel dos envolvidos.

A impressão que fica é que está sendo realizada uma devassa na vida dos suspeitos, procurando pescar-se algo que possa comprometê-los, vez que, cuidando-se de desacato (que pode ser processado no Brasil), é passível de transação penal ou, negada esta, suspensão condicional do processo, o que implica ordinariamente a não tramitação de processo criminal.

Mesmo que ocorra a condenação, por não ser oferecida proposta de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público, muito provavelmente, se for julgada eventual ação penal por juiz singular, como deve ser, será aplicada pena restritiva de direitos ou mesmo multa, vez que presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal.

Isso se não se chegar à conclusão de que a ofensa perpetrada não foi realizada em razão das funções do Ministro, hipótese em que o crime é de injúria, que não importa extradição e, por esse motivo, não pode ser processado no Brasil, com fundamento no artigo 7º, § 2º, alínea "c", do Estatuto Repressivo Penal.

Com efeito, parece-me que, com a expedição do mandado de busca e apreensão, está sendo realizada a pescaria probatória (fishing expedition).

A pescaria probatória, conhecida internacionalmente como fishing expedition, consiste em uma espécie de auditoria, sem causa provável, em que se busca qualquer fato que possa ensejar a instauração penal contra uma ou mais pessoas.

Tal proceder é vedado em nosso sistema processual, que exige sejam as investigações direcionadas a fato certo.

Toda investigação séria parte de fato para pessoas e não o contrário. Não é possível instaurar uma investigação para, a qualquer custo, sem fundadas razões, buscar algo contra alguém, que não se sabe ao certo o que seja, que pode nem existir.

No direito processual penal não se investiga pessoa, mas fatos que caracterizem infração penal, que, no decorrer da investigação, pode apontar para alguém.

Não se pode inverter a ordem legal e partir-se da pessoa para se chegar a algum fato até então incerto, buscando de toda forma encontrar algo que a comprometa e possa dar azo à instauração de uma ação penal.

Sem a estrita observância dos princípios e regras constitucionais e processuais, que existem para evitar o arbítrio estatal e a perseguição do mais fraco pelo mais forte, nenhuma democracia sobrevive.

*César Dario Mariano da Silva, procurador de Justiça - MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais - PUC/SP. Especialista em Direito Penal - ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá

[1] https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/as-ofensas-perpetradas-na-italia-poderao-ser-julgadas-no-brasil/

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