'Cagalança geral, do prefeito ao secretário', afirmou, em despacho, um delegado de Natal, Rio Grande do Norte, quando, em plantão, mandou soltar um morador de rua detido por pular o muro de uma creche para defecar. Em documento curto, porém 'vigoroso', como diz o próprio autor, ele critica as autoridades pela condução 'de um inocente até a delegacia' da Zona Norte da Capital.
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Aldo Lopes de Araújo, que coleciona prêmios de literatura e já foi editor de cultura em um jornal de João Pessoa, Paraíba, era o titular do plantão da 2ª Delegacia da Polícia Civil da Zona Norte de Natal neste domingo, 5, quando a ele chegou o caso. "A ocorrência se deu em um lugar muito carente, e carente de serviços públicos", diz.
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"Parece que ele pediu para cagar, arriar o barro, como se diz no popular, não deixaram e ele pulou o muro", narra no despacho. "Então, o vigilante chamou a guarda municipal, que 'comprou' o que estava ouvindo".
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Aldo afirma que o morador de rua foi 'conduzido à delegacia para resolver o quiprocó'. Ele ouviu os agentes envolvidos e o detido. "Eu disse: Ora, como é que ele pula um muro, ninguém cuida da segurança desse lugar? Como é que alguém pula um muro de uma repartição pública para fazer cocô?".
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O delegado perguntou ao morador de rua: "Você roubou?" E teve resposta negativa. Então, questionou os agentes de segurança: "Você viu ele levar alguma coisa? Ele falou: não, só uma luminária. Perguntei: você viu ele tirando e levando a luminária? Ele [agente]: não. Aí eu fiquei indignado com isso!".
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Em despacho, Aldo Lopes mandou liberar o morador de rua. No documento, ele afirma que 'o conduzido é morador de rua, e não achou lugar melhor para dar de corpo, obrar, grosso modo, esvaziar o intestino grosso, cagar, como se diz no idioma espontâneo do povo'.
"Trata-se de um brasileiro em típico estado de necessidade. Ele não tem casa nem privada onde possa "arriar o barro", como se diz lá em nós", anotou.
Ainda registrou que 'foi trazido a esta delegacia pelo simples fato de ter cagado no intramuros da repartição pública mal cuidada e mal vigiada, quando a cagada maior é dos administradores, a partir do momento em que não cuidam direito da segurança do prédio, um espaço destinado a prestar serviço público'.
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"Trata a presente ocorrência de uma cagalança geral: do prefeito ao secretário, passando pelo diretor do órgão, pelo vigilante de faz-de-conta, pelos membros da Guarda Municipal que conduziram um homem inocente até esta delegacia, e porque não dizer da parte deste delegado, ora fazendo uso de linguagem pouco usual, porém vigorosa, para redigir o presente despacho", escreveu.
Em entrevista ao Estado, o delegado afirma ver discriminação na condução da ocorrência. "Você vê um preto, pobre, morador de rua, e você leva para a delegacia, é um estigma".
"Eu não vou desmerecer os guardas municipais, que são operadores do direito, mas tem um centro de integração que passa uma mensagem, e, pô, é preciso fazer uma triagem".
Estilo. Policial, jornalista e escritor, Aldo Lopes foi premiado por seus contos em uma obra que homenageia Machado de Assis e venceu o premio Câmara Cascudo de Literatura com seu romance "O Dia dos Cachorros". Também foi editor de um jornal Correio das Artes, do jornal A União, de João Pessoa, na Paraíba.
Ele afirma usar uma linguagem 'típica, literária, porque comunica melhor". A linguagem jurídica é muito chata e pernóstica, e ela não fala a língua do povo, ela está muito distante e fica naqueles palácios mesmo. O povão que fala a nossa língua, essa língua gostosa, essa não está dentro dos gabinetes, e por isso as pessoas estranham quando alguém se expressa dessa forma. Mas, não me arrependo não, faria de novo".
Esta não é a primeira vez que o delegado se utiliza de seu estilo, como ele mesmo diz, 'vigoroso', ao redigir um documento oficial.
"Um juiz uma vez me mandou um provimento à delegacia, ele deu um prazo de 3 dias para a delegacia, e o cartório dele passou quatro meses. Eu disse: Dr., sua providência, quando o senhor deu um prazo de três dias, ele gastou o tempo que gastou a nau que foi comunicar o descobrimento do Brasil ao rei Dom Manuel, duas vezes o mesmo percurso, e olha que estamos a um quilômetro de distância, um prédio do outro".
COM A PALAVRA, O COMANDANTE GERAL DA GUARDA MUNICIPAL DE NATAL
NOTA DE REPÚDIO
O Comando Geral da Guarda Municipal do Natal (GMN) vem a público repudiar e esclarecer sobre a ocorrência atendida pela guarnição da corporação no domingo (05), a qual é objeto de despacho do Delegado de Polícia Civil, Aldo Lopes de Araújo:
1 - O Boletim de Ocorrência nº J2018018001429 (objeto do despacho) tem na sua identificação o Tipo de FURTO, ou seja, o cidadão foi detido e conduzido pela GMN a Delegacia de Plantão da Zona Norte sob suspeita de ser o autor do furto de dois refletores de LED pertencentes ao Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Marluce Carlos de Melo;
2- Diante do fato, a GMN deteve o suspeito dentro das instalações do CMEI e o conduziu juntamente com o material do furto a Delegacia de Polícia Civil de Plantão da Zona Norte, seguindo o procedimento legal de entregar o detido a autoridade competente da Polícia Judiciária para que a mesma conduza as investigações referente ao caso, objeto de sua competência institucional;
3- Ressaltamos que o despacho do Delegado de Polícia Civil Aldo Lopes de Araújo agride gratuitamente e sem nenhuma razão a imagem institucional da GMN, corporação essa que ao longo dos seus 27 anos de existência zela pela relação harmônica e parceira entre as instituições de segurança pública, sempre atuando dentro da legalidade, respeito a legislação e aos direitos humanos, na busca de contribuir com construção de cenário social onde a segurança e o direito do cidadão sejam perenes;
4- Por fim, o Comando Geral da GMN reafirma a toda sociedade que cada um de nossos agentes e todo o nosso aparato institucional continua com firmeza pronto e apto a atender o cidadão natalense, zelando pela segurança, pela cidadania e pelo bem comum da nossa sociedade.
Alberfran Câmara Grilo Comandante Geral da Guarda Municipal do Natal Natal-RN, 08 de agosto de 2018