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Opinião|Campanhas eleitorais 2024: entre o racional e o bizarro


Os últimos debates e entrevistas envolvendo as principais figuras da disputa na cidade de São Paulo evidenciaram, para além desse desalentador cenário, o absoluto desprezo às normas mais comezinhas de civilidade, respeito, ética e, por que não dizer, educação

Por Laura Mendes Amando de Barros

A disputa eleitoral municipal em curso vem polarizando as atenções – e tensões, e frustrações – da sociedade brasileira.

O (já esgarçado) discurso de superação do modelo tradicional, as promessas de uma ‘nova política’ a ser implementada, de forma absolutamente ‘inovadora’, ágil, livre e sem as amarras e o ranço de antigamente vem – de forma surpreendente – angariando apoiadores.

Para além da sedução do ‘jovem’, do ‘ousado’ e ‘atrevido’, estratégias de manipulação algorítmica, com o atingimento de pessoas que ‘naturalmente’ não seriam objeto de assédio ou destinatárias de apelos e discursos promissores segundo os quais o céu seria o limite, vem tornando a disputa menos equilibrada, justa e compatível com os desideratos democráticos fundamentais que o desejado.

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O desprezo à legalidade, aos limites e sistemática estabelecidos pela Justiça vem se tornando rotina.

Ao menos temos a atuação no mais das vezes certeira dos órgãos e instituições responsáveis pela coibição e punição de abusos.

O desafio à ordem estabelecida, porém, não é a única – nem a mais nefasta – face do cenário que, com um misto de choque, tristeza e perplexidade, se nos apresenta.

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Os últimos debates e entrevistas envolvendo as principais figuras da disputa na cidade de São Paulo evidenciaram, para além desse desalentador cenário, o absoluto desprezo às normas mais comezinhas de civilidade, respeito, ética e, por que não dizer, educação.

A facilidade com que se vem esvaziando qualquer dimensão política dos discursos e interações faz refletir se efetivamente os aspirantes a representantes da população, mandatários responsáveis pela gestão da maior cidade da América Latina, tem ideia do que significa governar – ou legislar – em São Paulo.

A possibilidade – valiosíssima – de apresentar um plano de governo coerente, que ‘pare em pé’ e consiga endereçar os problemas e demandas da população é simples e negligentemente descartada.

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Mais que a apresentação e discussão propostas, o que se tem buscado é a projeção, a viralização nas redes – ainda que com comentários e postura de péssimo gosto, agressiva e absolutamente discorde com a ética.

Nesse ponto, vale lembrar – nunca é demais – que um dos princípios norteadores da ação pública é a urbanidade.

Conforme definição de Marçal Justen Filho, corresponde ao dever de um tratamento cortês. Segue o autor:

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Esse dever apresenta não apenas uma vertente omissiva, na acepção de não desrespeitar o próximo. Há um significado comissivo. A cortesia compreende o compromisso de promover a dignidade alheia por meio de condutas respeitosas e atenciosas. (2010, p. 911)

Sua observância é tão cara que o ordenamento pátrio comina com a pena de cassação do mandato o parlamentar que o transgrida (ou, para usar a expressão mais usual, quebre o decoro parlamentar).

O artigo 116, XI, da Lei 8.112/90, que disciplina o regime jurídico dos servidores federais, traz expressamente o dever tratar com urbanidade as pessoas. No mesmo sentido, o artigo 178 do Estatuto do Servidor do Município de São Paulo.

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Não há previsão análoga específica quanto aos chefes do Executivos – os quais, não obstante, estão igualmente, e com ainda mais razão, sujeitos a tal valor.

A assunção de postura agressiva, intimidadora, violenta e truculenta – em suma, incoerente com a urbanidade – é comprometedora da legitimidade, da própria juridicidade do desempenho da ação função pública.

No regime da improbidade administrativa inaugurado em 1992, poderia ser enquadrada como tal, com a potencial suspensão de direitos políticos, e consequente inelegibilidade do responsável.

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A alteração levada a efeito pela Lei 14.320/21, que, para além da exigência de dolo específico, trouxe rol taxativo para as hipóteses de configuração de ato de improbidade em razão de ofensas a princípios, ceifou essa possibilidade.

A postura ainda pode, porém, ser considerada crime de responsabilidade, nos termos dos artigos 9º, ‘7′ da Lei 1.079/50 e 4º, X, do DL 201/67, que elencam, o primeiro com relação ao Presidente da República e autoridades em nível federal, o segundo quanto aos prefeitos e vereadores, a conduta de “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Tal agir, não tolerado pelo ordenamento pátrio quando praticadas por mandatários do povo, não podem ser consideradas aceitáveis em momento preparatório justamente da concretização de aspiração à assunção de tal posição: são elas ilegítimas e antijurídicas, por ofensivas a princípios elementares da Administração Pública e da própria democracia.

Quem não está moral e eticamente preparado para desempenhar com galhardia, educação, respeito, dignidade e responsabilidade – decoro – o papel de candidato, fatalmente não estará igualmente apto a desempenhar de tão importante atribuição (mandato público) nas mesmas condições.

Nesse sentido, digno de registro precedente do MS 32.848/DF, relatado pelo Min. Fachin, segundo o qual o uso de palavras ultrajantes e termos inadequados, e o ato de proferir impropérios constituem ilegais ofensas ao desiderato da urbanidade, passíveis, em tese, de punição na forma da lei.

Pessoas incapazes de assimilar tão básicas premissas não podem ser consideradas aptas a exercer a importantíssima missão de representar o povo. Não podem pretender se inquinar na posição de vozes a traduzir as carências, expectativas, necessidades e demandas da sociedade.

Referências bibliográficas:

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Forum, 2010.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

A disputa eleitoral municipal em curso vem polarizando as atenções – e tensões, e frustrações – da sociedade brasileira.

O (já esgarçado) discurso de superação do modelo tradicional, as promessas de uma ‘nova política’ a ser implementada, de forma absolutamente ‘inovadora’, ágil, livre e sem as amarras e o ranço de antigamente vem – de forma surpreendente – angariando apoiadores.

Para além da sedução do ‘jovem’, do ‘ousado’ e ‘atrevido’, estratégias de manipulação algorítmica, com o atingimento de pessoas que ‘naturalmente’ não seriam objeto de assédio ou destinatárias de apelos e discursos promissores segundo os quais o céu seria o limite, vem tornando a disputa menos equilibrada, justa e compatível com os desideratos democráticos fundamentais que o desejado.

O desprezo à legalidade, aos limites e sistemática estabelecidos pela Justiça vem se tornando rotina.

Ao menos temos a atuação no mais das vezes certeira dos órgãos e instituições responsáveis pela coibição e punição de abusos.

O desafio à ordem estabelecida, porém, não é a única – nem a mais nefasta – face do cenário que, com um misto de choque, tristeza e perplexidade, se nos apresenta.

Os últimos debates e entrevistas envolvendo as principais figuras da disputa na cidade de São Paulo evidenciaram, para além desse desalentador cenário, o absoluto desprezo às normas mais comezinhas de civilidade, respeito, ética e, por que não dizer, educação.

A facilidade com que se vem esvaziando qualquer dimensão política dos discursos e interações faz refletir se efetivamente os aspirantes a representantes da população, mandatários responsáveis pela gestão da maior cidade da América Latina, tem ideia do que significa governar – ou legislar – em São Paulo.

A possibilidade – valiosíssima – de apresentar um plano de governo coerente, que ‘pare em pé’ e consiga endereçar os problemas e demandas da população é simples e negligentemente descartada.

Mais que a apresentação e discussão propostas, o que se tem buscado é a projeção, a viralização nas redes – ainda que com comentários e postura de péssimo gosto, agressiva e absolutamente discorde com a ética.

Nesse ponto, vale lembrar – nunca é demais – que um dos princípios norteadores da ação pública é a urbanidade.

Conforme definição de Marçal Justen Filho, corresponde ao dever de um tratamento cortês. Segue o autor:

Esse dever apresenta não apenas uma vertente omissiva, na acepção de não desrespeitar o próximo. Há um significado comissivo. A cortesia compreende o compromisso de promover a dignidade alheia por meio de condutas respeitosas e atenciosas. (2010, p. 911)

Sua observância é tão cara que o ordenamento pátrio comina com a pena de cassação do mandato o parlamentar que o transgrida (ou, para usar a expressão mais usual, quebre o decoro parlamentar).

O artigo 116, XI, da Lei 8.112/90, que disciplina o regime jurídico dos servidores federais, traz expressamente o dever tratar com urbanidade as pessoas. No mesmo sentido, o artigo 178 do Estatuto do Servidor do Município de São Paulo.

Não há previsão análoga específica quanto aos chefes do Executivos – os quais, não obstante, estão igualmente, e com ainda mais razão, sujeitos a tal valor.

A assunção de postura agressiva, intimidadora, violenta e truculenta – em suma, incoerente com a urbanidade – é comprometedora da legitimidade, da própria juridicidade do desempenho da ação função pública.

No regime da improbidade administrativa inaugurado em 1992, poderia ser enquadrada como tal, com a potencial suspensão de direitos políticos, e consequente inelegibilidade do responsável.

A alteração levada a efeito pela Lei 14.320/21, que, para além da exigência de dolo específico, trouxe rol taxativo para as hipóteses de configuração de ato de improbidade em razão de ofensas a princípios, ceifou essa possibilidade.

A postura ainda pode, porém, ser considerada crime de responsabilidade, nos termos dos artigos 9º, ‘7′ da Lei 1.079/50 e 4º, X, do DL 201/67, que elencam, o primeiro com relação ao Presidente da República e autoridades em nível federal, o segundo quanto aos prefeitos e vereadores, a conduta de “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Tal agir, não tolerado pelo ordenamento pátrio quando praticadas por mandatários do povo, não podem ser consideradas aceitáveis em momento preparatório justamente da concretização de aspiração à assunção de tal posição: são elas ilegítimas e antijurídicas, por ofensivas a princípios elementares da Administração Pública e da própria democracia.

Quem não está moral e eticamente preparado para desempenhar com galhardia, educação, respeito, dignidade e responsabilidade – decoro – o papel de candidato, fatalmente não estará igualmente apto a desempenhar de tão importante atribuição (mandato público) nas mesmas condições.

Nesse sentido, digno de registro precedente do MS 32.848/DF, relatado pelo Min. Fachin, segundo o qual o uso de palavras ultrajantes e termos inadequados, e o ato de proferir impropérios constituem ilegais ofensas ao desiderato da urbanidade, passíveis, em tese, de punição na forma da lei.

Pessoas incapazes de assimilar tão básicas premissas não podem ser consideradas aptas a exercer a importantíssima missão de representar o povo. Não podem pretender se inquinar na posição de vozes a traduzir as carências, expectativas, necessidades e demandas da sociedade.

Referências bibliográficas:

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Forum, 2010.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

A disputa eleitoral municipal em curso vem polarizando as atenções – e tensões, e frustrações – da sociedade brasileira.

O (já esgarçado) discurso de superação do modelo tradicional, as promessas de uma ‘nova política’ a ser implementada, de forma absolutamente ‘inovadora’, ágil, livre e sem as amarras e o ranço de antigamente vem – de forma surpreendente – angariando apoiadores.

Para além da sedução do ‘jovem’, do ‘ousado’ e ‘atrevido’, estratégias de manipulação algorítmica, com o atingimento de pessoas que ‘naturalmente’ não seriam objeto de assédio ou destinatárias de apelos e discursos promissores segundo os quais o céu seria o limite, vem tornando a disputa menos equilibrada, justa e compatível com os desideratos democráticos fundamentais que o desejado.

O desprezo à legalidade, aos limites e sistemática estabelecidos pela Justiça vem se tornando rotina.

Ao menos temos a atuação no mais das vezes certeira dos órgãos e instituições responsáveis pela coibição e punição de abusos.

O desafio à ordem estabelecida, porém, não é a única – nem a mais nefasta – face do cenário que, com um misto de choque, tristeza e perplexidade, se nos apresenta.

Os últimos debates e entrevistas envolvendo as principais figuras da disputa na cidade de São Paulo evidenciaram, para além desse desalentador cenário, o absoluto desprezo às normas mais comezinhas de civilidade, respeito, ética e, por que não dizer, educação.

A facilidade com que se vem esvaziando qualquer dimensão política dos discursos e interações faz refletir se efetivamente os aspirantes a representantes da população, mandatários responsáveis pela gestão da maior cidade da América Latina, tem ideia do que significa governar – ou legislar – em São Paulo.

A possibilidade – valiosíssima – de apresentar um plano de governo coerente, que ‘pare em pé’ e consiga endereçar os problemas e demandas da população é simples e negligentemente descartada.

Mais que a apresentação e discussão propostas, o que se tem buscado é a projeção, a viralização nas redes – ainda que com comentários e postura de péssimo gosto, agressiva e absolutamente discorde com a ética.

Nesse ponto, vale lembrar – nunca é demais – que um dos princípios norteadores da ação pública é a urbanidade.

Conforme definição de Marçal Justen Filho, corresponde ao dever de um tratamento cortês. Segue o autor:

Esse dever apresenta não apenas uma vertente omissiva, na acepção de não desrespeitar o próximo. Há um significado comissivo. A cortesia compreende o compromisso de promover a dignidade alheia por meio de condutas respeitosas e atenciosas. (2010, p. 911)

Sua observância é tão cara que o ordenamento pátrio comina com a pena de cassação do mandato o parlamentar que o transgrida (ou, para usar a expressão mais usual, quebre o decoro parlamentar).

O artigo 116, XI, da Lei 8.112/90, que disciplina o regime jurídico dos servidores federais, traz expressamente o dever tratar com urbanidade as pessoas. No mesmo sentido, o artigo 178 do Estatuto do Servidor do Município de São Paulo.

Não há previsão análoga específica quanto aos chefes do Executivos – os quais, não obstante, estão igualmente, e com ainda mais razão, sujeitos a tal valor.

A assunção de postura agressiva, intimidadora, violenta e truculenta – em suma, incoerente com a urbanidade – é comprometedora da legitimidade, da própria juridicidade do desempenho da ação função pública.

No regime da improbidade administrativa inaugurado em 1992, poderia ser enquadrada como tal, com a potencial suspensão de direitos políticos, e consequente inelegibilidade do responsável.

A alteração levada a efeito pela Lei 14.320/21, que, para além da exigência de dolo específico, trouxe rol taxativo para as hipóteses de configuração de ato de improbidade em razão de ofensas a princípios, ceifou essa possibilidade.

A postura ainda pode, porém, ser considerada crime de responsabilidade, nos termos dos artigos 9º, ‘7′ da Lei 1.079/50 e 4º, X, do DL 201/67, que elencam, o primeiro com relação ao Presidente da República e autoridades em nível federal, o segundo quanto aos prefeitos e vereadores, a conduta de “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Tal agir, não tolerado pelo ordenamento pátrio quando praticadas por mandatários do povo, não podem ser consideradas aceitáveis em momento preparatório justamente da concretização de aspiração à assunção de tal posição: são elas ilegítimas e antijurídicas, por ofensivas a princípios elementares da Administração Pública e da própria democracia.

Quem não está moral e eticamente preparado para desempenhar com galhardia, educação, respeito, dignidade e responsabilidade – decoro – o papel de candidato, fatalmente não estará igualmente apto a desempenhar de tão importante atribuição (mandato público) nas mesmas condições.

Nesse sentido, digno de registro precedente do MS 32.848/DF, relatado pelo Min. Fachin, segundo o qual o uso de palavras ultrajantes e termos inadequados, e o ato de proferir impropérios constituem ilegais ofensas ao desiderato da urbanidade, passíveis, em tese, de punição na forma da lei.

Pessoas incapazes de assimilar tão básicas premissas não podem ser consideradas aptas a exercer a importantíssima missão de representar o povo. Não podem pretender se inquinar na posição de vozes a traduzir as carências, expectativas, necessidades e demandas da sociedade.

Referências bibliográficas:

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Forum, 2010.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

A disputa eleitoral municipal em curso vem polarizando as atenções – e tensões, e frustrações – da sociedade brasileira.

O (já esgarçado) discurso de superação do modelo tradicional, as promessas de uma ‘nova política’ a ser implementada, de forma absolutamente ‘inovadora’, ágil, livre e sem as amarras e o ranço de antigamente vem – de forma surpreendente – angariando apoiadores.

Para além da sedução do ‘jovem’, do ‘ousado’ e ‘atrevido’, estratégias de manipulação algorítmica, com o atingimento de pessoas que ‘naturalmente’ não seriam objeto de assédio ou destinatárias de apelos e discursos promissores segundo os quais o céu seria o limite, vem tornando a disputa menos equilibrada, justa e compatível com os desideratos democráticos fundamentais que o desejado.

O desprezo à legalidade, aos limites e sistemática estabelecidos pela Justiça vem se tornando rotina.

Ao menos temos a atuação no mais das vezes certeira dos órgãos e instituições responsáveis pela coibição e punição de abusos.

O desafio à ordem estabelecida, porém, não é a única – nem a mais nefasta – face do cenário que, com um misto de choque, tristeza e perplexidade, se nos apresenta.

Os últimos debates e entrevistas envolvendo as principais figuras da disputa na cidade de São Paulo evidenciaram, para além desse desalentador cenário, o absoluto desprezo às normas mais comezinhas de civilidade, respeito, ética e, por que não dizer, educação.

A facilidade com que se vem esvaziando qualquer dimensão política dos discursos e interações faz refletir se efetivamente os aspirantes a representantes da população, mandatários responsáveis pela gestão da maior cidade da América Latina, tem ideia do que significa governar – ou legislar – em São Paulo.

A possibilidade – valiosíssima – de apresentar um plano de governo coerente, que ‘pare em pé’ e consiga endereçar os problemas e demandas da população é simples e negligentemente descartada.

Mais que a apresentação e discussão propostas, o que se tem buscado é a projeção, a viralização nas redes – ainda que com comentários e postura de péssimo gosto, agressiva e absolutamente discorde com a ética.

Nesse ponto, vale lembrar – nunca é demais – que um dos princípios norteadores da ação pública é a urbanidade.

Conforme definição de Marçal Justen Filho, corresponde ao dever de um tratamento cortês. Segue o autor:

Esse dever apresenta não apenas uma vertente omissiva, na acepção de não desrespeitar o próximo. Há um significado comissivo. A cortesia compreende o compromisso de promover a dignidade alheia por meio de condutas respeitosas e atenciosas. (2010, p. 911)

Sua observância é tão cara que o ordenamento pátrio comina com a pena de cassação do mandato o parlamentar que o transgrida (ou, para usar a expressão mais usual, quebre o decoro parlamentar).

O artigo 116, XI, da Lei 8.112/90, que disciplina o regime jurídico dos servidores federais, traz expressamente o dever tratar com urbanidade as pessoas. No mesmo sentido, o artigo 178 do Estatuto do Servidor do Município de São Paulo.

Não há previsão análoga específica quanto aos chefes do Executivos – os quais, não obstante, estão igualmente, e com ainda mais razão, sujeitos a tal valor.

A assunção de postura agressiva, intimidadora, violenta e truculenta – em suma, incoerente com a urbanidade – é comprometedora da legitimidade, da própria juridicidade do desempenho da ação função pública.

No regime da improbidade administrativa inaugurado em 1992, poderia ser enquadrada como tal, com a potencial suspensão de direitos políticos, e consequente inelegibilidade do responsável.

A alteração levada a efeito pela Lei 14.320/21, que, para além da exigência de dolo específico, trouxe rol taxativo para as hipóteses de configuração de ato de improbidade em razão de ofensas a princípios, ceifou essa possibilidade.

A postura ainda pode, porém, ser considerada crime de responsabilidade, nos termos dos artigos 9º, ‘7′ da Lei 1.079/50 e 4º, X, do DL 201/67, que elencam, o primeiro com relação ao Presidente da República e autoridades em nível federal, o segundo quanto aos prefeitos e vereadores, a conduta de “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.

Tal agir, não tolerado pelo ordenamento pátrio quando praticadas por mandatários do povo, não podem ser consideradas aceitáveis em momento preparatório justamente da concretização de aspiração à assunção de tal posição: são elas ilegítimas e antijurídicas, por ofensivas a princípios elementares da Administração Pública e da própria democracia.

Quem não está moral e eticamente preparado para desempenhar com galhardia, educação, respeito, dignidade e responsabilidade – decoro – o papel de candidato, fatalmente não estará igualmente apto a desempenhar de tão importante atribuição (mandato público) nas mesmas condições.

Nesse sentido, digno de registro precedente do MS 32.848/DF, relatado pelo Min. Fachin, segundo o qual o uso de palavras ultrajantes e termos inadequados, e o ato de proferir impropérios constituem ilegais ofensas ao desiderato da urbanidade, passíveis, em tese, de punição na forma da lei.

Pessoas incapazes de assimilar tão básicas premissas não podem ser consideradas aptas a exercer a importantíssima missão de representar o povo. Não podem pretender se inquinar na posição de vozes a traduzir as carências, expectativas, necessidades e demandas da sociedade.

Referências bibliográficas:

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Forum, 2010.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

Opinião por Laura Mendes Amando de Barros

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