Campinas pode se orgulhar de sua gente. Foi berço de ilustres brasileiros, que se destacaram em todas as áreas de atuação. Bastaria mencionar Carlos Gomes, o genial compositor de “O Guarani” e Guilherme de Almeida, um dos maiores poetas brasileiros, cognominado “Príncipe dos Poetas”, numa nobiliarquia simbólica encerrada com a morte de Paulo Bomfim. Um desses campineiros dignos de reverência, mas ora bem esquecido, foi Jorge Ludgero de Cerqueira Miranda.
Nasceu em 1840, na antiga vila de São Carlos, que uma lei provincial de 1842 converteu na cidade de Campinas. Era filho do tenente Antônio benedito de Cerqueira Leite e de Maria Zelinda da Conceição. O pai era conhecido em Campinas como Totó Cerqueira e descendia de velhos troncos bandeirantes. A mãe, segundo Pelágio Lobo, “era de procedência humilde, filha de uma escrava de estimação, caso comum em muitas das mais antigas e respeitáveis famílias brasileiras”. Esse casal teve ao todo onze filhos. Um deles, Francisco Glicério, entrou para a História como um dos próceres da República.
Jorge Ludgero foi o quinto filho. Estudou em Campinas na escolinha particular de Quirino do Amaral Campos. Foi também discípulo de português de João Teodoro de Siqueira e Silva, fundador do jornal “Aurora Campineira”. Era seu colega Campos Salles, outro campineiro ilustre, nascido em 1841.
Em São Paulo viveu numa “república” com outros conterrâneos, entre os quais João Quirino do Nascimento. “República” localizada numa das travessas que iam desembocar no Piques e que era frequentada por estudantes talentosos e hábeis em proferir palestras fervorosas de idealismo.
O irmão mais moço de Jorge Miranda, nome pelo qual ficou mais conhecido, Francisco Glicério de Cerqueira Leite, nascido em 1846, cursou em 1860-1861 o Seminário Episcopal de São Paulo e também costumava frequentar esse ninho republicano que era a residência paulistana do irmão. Francisco Glicério também pretendia ingressar na Faculdade de Direito, mas com o falecimento do pai, Totó Cerqueira, em 1861, a situação financeira da família sofreu um baque. Francisco Glicério teve de ingressar a Campinas, onde se empregou numa oficina tipográfica, para ajudar a família a sobreviver.
Jorge Miranda, graças ao irmão, encontrou recursos para prosseguir seus estudos. Em 1862 colaborou em “A Razão”, órgão de ideias liberais, ao lado de Quirino dos Santos e Campos Salles. Depois de formado, retornaria ao jornalismo, em 1869, escrevendo, desinteressadamente, para a “Gazeta de Campinas”, criada por Francisco Quirino dos Santos.
Jorge Miranda exerceu a advocacia na Terra das Andorinhas e costumava cruzar, no velho Fórum local, com o seu inteligente e arguto irmão, Francisco Glicério. Este era apenas provisionado, mas conquistou renome como excelente causídico. Glicério, narra Pelágio Lobo, “não se restringia aos formulários e ao Regulamento 737, que era o forte da gente do foro, nela englobada a maioria dos bacharéis”. Era engenhoso, criativo, empreendia soluções pioneiras para velhos problemas e era, por isso, muito respeitado pelos colegas portadores de diploma.
Em 1869, Jorge Miranda esteve presente à Assembleia de fundação do Colégio “Culto à Ciência” em Campinas. Tempos depois veio a se tornar diretor da mais famosa casa de ensino.
Integrou o primeiro diretório do Partido Republicano Campineiro, foi eleito mais de uma vez vereador republicano em sua terra e participou como forte propagandista do novo regime. Logo após à proclamação da República, emprestou ao “Correio Paulistano”, na Capital, a sua colaboração como redator político.
Casou-se duas vezes. A primeira vez, com Henriqueta Scorrar. Sua segunda esposa, Elisa de Azevedo, era irmã do engenheiro Ramos de Azevedo. Assim como seu pai, Jorge Miranda teve onze filhos. Faleceu em 13 de agosto de 1903.
*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras