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Opinião|Código Penal, art. 311, adulteração de sinal identificador de veículo


Em sua perspectiva subjetiva, a segurança jurídica protege a confiança legítima, procurando preservar fatos pretéritos de eventuais modificações na interpretação jurídica, bem como resguardando efeitos jurídicos de atos considerados inválidos por qualquer razão

Por Alexandre Langaro

1. Pegunta-se se conduzir veículo automotor adquirido como sucata, via leilão público administrativo oficial2, realizado pelo DETRAN/SP, consuma —— ou não —— o crime a que se refere o art. 311, § 2º, III, CP.

2. O art. 311, CP utiliza, na nuclearidade própria inerente ao tipo penal, os verbos adulterar, remarcar ou suprimir.

3. O dicionário de português Oxford Languages informa que o vocábulo adulterar —— utilizado, pelo CP, também como rubrica lateral —— significa “introduzir alteração em; modificar; produzir falsificação em (esp. em documentos); defraudar; abastardar; alterar; corromper; deformar; descaracterizar; desfigurar; desvirtuar; deturpar; estragar; falsar; falsear; falsificar; modificar; viciar”.

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4. Assim, a conduta de conduzir veículo automotor adquirido como sucata, via leilão público administrativo oficial, realizado pelo DETRAN/SP, nem mesmo em tese constitui infração penal; inexistindo a mínima base empírica idônea para proceder-se à apuração.

5. É que, diz-se consumado o crime “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal″.

6. Portanto, inexiste sequer tipicidade formal, ou sistemática; menos ainda material, ou conglobante. Lembre-se de que o veículo foi comprado pelos canais oficiais.

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7. Soma-se a isso, ademais —— para fins de simples concessão dialética ——, que o tipo de que trata o art. 311, § 2º, III, CP, reclama, obrigatoriamente, a existência, por parte do agente, do elemento subjetivo do tipo, ou seja, do dolo8.

7.1. Dolo que, bem se sabe, tem como componentes necessários, essenciais e cumulativos, o conhecimento e a vontade —— nessa ordem; isto, é os elementos cognitivos e volitivos; o elemento cognitivo quer dizer que o agente tem conhecimento ou atua com conhecimento; e volitivo, mediante o qual a pessoa se propõe a causar o resultado9, ou quando está ciente de que a modificação do mundo exterior terá lugar ante a ordem natural das coisas, presentes os desdobramentos dos fatos, numa ordem normal dos acontecimentos.

8. Merece destaque que a Lei 15.276/2014, DOE/SP 3.1.2014, trata como infração administrativa, “comercializar ou utilizar veículo adquirido para desmontagem ou reciclagem″.

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8.1. Diz ainda a Lei 15.276/2014, DOE/SP 3.1.2014:

Artigo 1º – Esta lei dispõe sobre a destinação de veículos terrestres em fim de vida útil, assim considerados:

§ 2º – Por ato do DETRAN-SP, serão destinados à alienação por meio de leilão, obrigatoriamente como sucata, os veículos incendiados, totalmente enferrujados, repartidos e os demais em péssimas condições, como tais definidos em portaria, vedada a reutilização de partes e peças e respeitados os procedimentos administrativos e a legislação ambiental.

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8.2. Portanto, a lei paulista define como sucata “os veículos incendiados, totalmente enferrujados, repartidos e os demais em péssimas condições”.

8.3. O ente estatal, por evidente, não pode, então, vender ‘dolosamente’ como sucata, veículos NÃO “incendiados, totalmente enferrujados, repartidos e os demais em péssimas condições”, para, em passo seguinte, perseguir penalmente o comprador.

8.4. Trocando em miúdos, o Estado, ao assim proceder, viola a lei de regência, e, ao fazê-lo, pune o administrado, perseguindo-o penalmente, via aparato penal —— o poder punitivo formal. Esmagando-se, moendo-se, assim, o postulado da moralidade, expressamente previsto no art. 37, caput, Constituição federal:

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Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema.

9. Existe, como se sabe, diferença entre as infrações penais e administrativas; bem simploriamente, a infração administra é uma falta, tal e como o é, por exemplo, o ‘avançar o sinal vermelho do semáforo’; a infração penal, contudo, pressupõe SEMPRE —— atente-se para o advérbio de tempo “sempre”!!! —— a existência de dolo ou culpa.

10. Por conta disso, o Estado, ao ‘criminalizar’ a compra de veículos automotores, levada a cabo de acordo com as normas por ele editadas, viola abertamente, ainda, o postulado da superioridade ética estatal; postulado da superioridade ética estatal que se extrai do princípio do Estado Democrático de Direito —— ou republicano, em sentido estrito. Isso porque o ente estatal retira abruptamente a segurança jurídica —— sob o ângulo subjetivo da confiança legítima —— por ele dada anteriormente contribuinte, ao leiloar oficialmente o bem, fazendo-o acreditar que a compra era firme:

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O princípio da segurança jurídica, em um enfoque objetivo, veda a retroação da lei, tutelando o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Em sua perspectiva subjetiva, a segurança jurídica protege a confiança legítima, procurando preservar fatos pretéritos de eventuais modificações na interpretação jurídica, bem como resguardando efeitos jurídicos de atos considerados inválidos por qualquer razão. Em última análise, o princípio da confiança legítima destina-se precipuamente a proteger expectativas legitimamente criadas em indivíduos por atos estatais.

11. A isso se soma, ademais, que, o sistema do ordenamento jurídico brasileiro veda o comportamento contraditório —— notadamente pelo Estado ——, que, como já se disse, tem de o dever jurídico-constitucional de dar o exemplo!! De modo a se fazer pertinente o apelo à Teoria do Venire Contra Factum Proprium; consoante advertem, sobre o tema, autorizado magistério doutrinário e o próprio Supremo Tribunal Federal:

Impossibilidade de se prestigiar o comportamento contraditório do paciente, uma vez que “no sistema das invalidades processuais[,] deve-se observar a necessária vedação ao comportamento contraditório, cuja rejeição jurídica está bem equacionada na teoria do venire contra factum proprium, em abono aos princípios da boa-fé e lealdade processuais” [HC nº104.185/RS, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 5/9/11]. 5. Com efeito, “ninguém pode se opor a fato a que [tenha dado] causa; é esta a essência do brocardo latino nemo potest venire contra factum proprium” [ACO nº 652/PI, Pleno, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 30/10/14].

12. Decerto que —— considerados esses balizamentos principiológicos e normativos próprios ——, se o Estado vende um veículo ao administrado e, em passo seguinte, passa a imputar-lhe, por ter comprado esse veículo por ele alienado ‘oficialmente’, uma infração penal, então isso significa, na melhor das hipóteses, que o ente estatal, presente, no ponto, a dogmática jurídico-penal, ‘participou’ —— para não se falar em ‘coautoria’ —— do ‘delito’.

13. O postulado da razoabilidade é conducente à presunção do que normalmente acontece, do ordinário, e não do bizarro, ou do extravagante.

13.1. No STF:

PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

O princípio da razoabilidade é conducente a presumir-se o que ocorre no dia-a-dia e não o extravagante.

14. Analogicamente, por inafastável imposição sistemática —— e o sistema do ordenamento jurídico brasileiro é uma ordem e não uma babel ——, também poder-se-á cogitar, de acordo com o valor do bem adquirido, da incidência, caso a caso, presente o Direito Penal do Fato, do postulado da insignificância, que arremessa para longe a tipicidade, na sua vertente material.

14.1. Ressalvada, em princípio, a existência da habitualidade delitiva, ou seja, do elemento subjetivo de ânimo —— a reiteração, relembre-se, cria uma presunção de habitualidade.

15. Um detalhe interessantíssimo é o de que a Portaria 75 do Ministério da Fazenda, atualizada pela Portaria 130, datada de 19/4/2012, determina:

O não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

15.1. Donde a necessidade de atualizar-se monetariamente valor de R$ 20.000,00, de que trata o art. 2º do mencionado ato normativo.

15.2. Dado que, segundo assentado —— de longuíssima data —— pelo Tribunal Pleno do STF, a correção monetária tem como escopo preservar o poder aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal provocada pela inflação.

15.3. O Tema Repetitivo 235/STJ —— 30/9/2009 ——, diz que:

A correção monetária é matéria de ordem pública, integrando o pedido de forma implícita, razão pela qual sua inclusão ex officio, pelo juiz ou tribunal, não caracteriza julgamento extra ou ultra petita, hipótese em que prescindível o princípio da congruência entre o pedido e a decisão judicial.

16. Esse valor —— de R$ 20.000,00 ——, corrigido monetariamente pela Selic, importa, hoje, na quantia certa de R$ 59.330,85. 

17. De tudo, a conduta a que se refere o item 1 deste artigo é manifestamente atípica, inexistindo, portanto, fundamento relevante para a instauração e ou prosseguimento do inquérito policial.

18. À autoridade policial —— como profissional do Direito, que atua com autonomia e livre convencimento técnico-jurídico motivado —— toca o dever, jurídico, inexorável, de deixar, mediante ato administrativo adequadamente motivado, que conta com presunção, constitucional, de validade —— sempre e quando, decerto, preenchidos os seus pressupostos e requisitos ——, de instaurar o inquérito policial, se estiver convencida da evidente atipicidade do fato.

18.1. No STF:

Evidentemente, a todos os órgãos estatais dotados de poderes normativos, judiciais ou administrativos, impõe-se a importante tarefa de realização dos direitos fundamentais.

18.2. A Teoria dos Poderes Implícitos —— Inherent Powers Theory ——, igualmente respalda esse entendimento.

18.3. Mais coloquialmente: quem pode o mais —— conduzir a investigação criminal por meio de inquérito policial —— pode o menos, ou seja, deixar, insista-se, sempre de maneira fundamentada, de instaurar o inquérito policial.

18.4. No STF, por exemplo, dentre outros precedentes, que aplicam a Teoria dos Poderes Implícitos: —— ADI 6875, ADI 4624, MS 35506, RE 570392, ADI 2838.

18.5. Esse fato —— a não instauração do inquérito policial —— por cautela e imediatamente, com toda a pressa e sem demora, portanto, tem de ser comunicado, pelo delegado de polícia —— ou autoridade policial —— ao juízo das garantias, via expediente próprio, documentado.

1. Pegunta-se se conduzir veículo automotor adquirido como sucata, via leilão público administrativo oficial2, realizado pelo DETRAN/SP, consuma —— ou não —— o crime a que se refere o art. 311, § 2º, III, CP.

2. O art. 311, CP utiliza, na nuclearidade própria inerente ao tipo penal, os verbos adulterar, remarcar ou suprimir.

3. O dicionário de português Oxford Languages informa que o vocábulo adulterar —— utilizado, pelo CP, também como rubrica lateral —— significa “introduzir alteração em; modificar; produzir falsificação em (esp. em documentos); defraudar; abastardar; alterar; corromper; deformar; descaracterizar; desfigurar; desvirtuar; deturpar; estragar; falsar; falsear; falsificar; modificar; viciar”.

4. Assim, a conduta de conduzir veículo automotor adquirido como sucata, via leilão público administrativo oficial, realizado pelo DETRAN/SP, nem mesmo em tese constitui infração penal; inexistindo a mínima base empírica idônea para proceder-se à apuração.

5. É que, diz-se consumado o crime “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal″.

6. Portanto, inexiste sequer tipicidade formal, ou sistemática; menos ainda material, ou conglobante. Lembre-se de que o veículo foi comprado pelos canais oficiais.

7. Soma-se a isso, ademais —— para fins de simples concessão dialética ——, que o tipo de que trata o art. 311, § 2º, III, CP, reclama, obrigatoriamente, a existência, por parte do agente, do elemento subjetivo do tipo, ou seja, do dolo8.

7.1. Dolo que, bem se sabe, tem como componentes necessários, essenciais e cumulativos, o conhecimento e a vontade —— nessa ordem; isto, é os elementos cognitivos e volitivos; o elemento cognitivo quer dizer que o agente tem conhecimento ou atua com conhecimento; e volitivo, mediante o qual a pessoa se propõe a causar o resultado9, ou quando está ciente de que a modificação do mundo exterior terá lugar ante a ordem natural das coisas, presentes os desdobramentos dos fatos, numa ordem normal dos acontecimentos.

8. Merece destaque que a Lei 15.276/2014, DOE/SP 3.1.2014, trata como infração administrativa, “comercializar ou utilizar veículo adquirido para desmontagem ou reciclagem″.

8.1. Diz ainda a Lei 15.276/2014, DOE/SP 3.1.2014:

Artigo 1º – Esta lei dispõe sobre a destinação de veículos terrestres em fim de vida útil, assim considerados:

§ 2º – Por ato do DETRAN-SP, serão destinados à alienação por meio de leilão, obrigatoriamente como sucata, os veículos incendiados, totalmente enferrujados, repartidos e os demais em péssimas condições, como tais definidos em portaria, vedada a reutilização de partes e peças e respeitados os procedimentos administrativos e a legislação ambiental.

8.2. Portanto, a lei paulista define como sucata “os veículos incendiados, totalmente enferrujados, repartidos e os demais em péssimas condições”.

8.3. O ente estatal, por evidente, não pode, então, vender ‘dolosamente’ como sucata, veículos NÃO “incendiados, totalmente enferrujados, repartidos e os demais em péssimas condições”, para, em passo seguinte, perseguir penalmente o comprador.

8.4. Trocando em miúdos, o Estado, ao assim proceder, viola a lei de regência, e, ao fazê-lo, pune o administrado, perseguindo-o penalmente, via aparato penal —— o poder punitivo formal. Esmagando-se, moendo-se, assim, o postulado da moralidade, expressamente previsto no art. 37, caput, Constituição federal:

Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema.

9. Existe, como se sabe, diferença entre as infrações penais e administrativas; bem simploriamente, a infração administra é uma falta, tal e como o é, por exemplo, o ‘avançar o sinal vermelho do semáforo’; a infração penal, contudo, pressupõe SEMPRE —— atente-se para o advérbio de tempo “sempre”!!! —— a existência de dolo ou culpa.

10. Por conta disso, o Estado, ao ‘criminalizar’ a compra de veículos automotores, levada a cabo de acordo com as normas por ele editadas, viola abertamente, ainda, o postulado da superioridade ética estatal; postulado da superioridade ética estatal que se extrai do princípio do Estado Democrático de Direito —— ou republicano, em sentido estrito. Isso porque o ente estatal retira abruptamente a segurança jurídica —— sob o ângulo subjetivo da confiança legítima —— por ele dada anteriormente contribuinte, ao leiloar oficialmente o bem, fazendo-o acreditar que a compra era firme:

O princípio da segurança jurídica, em um enfoque objetivo, veda a retroação da lei, tutelando o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Em sua perspectiva subjetiva, a segurança jurídica protege a confiança legítima, procurando preservar fatos pretéritos de eventuais modificações na interpretação jurídica, bem como resguardando efeitos jurídicos de atos considerados inválidos por qualquer razão. Em última análise, o princípio da confiança legítima destina-se precipuamente a proteger expectativas legitimamente criadas em indivíduos por atos estatais.

11. A isso se soma, ademais, que, o sistema do ordenamento jurídico brasileiro veda o comportamento contraditório —— notadamente pelo Estado ——, que, como já se disse, tem de o dever jurídico-constitucional de dar o exemplo!! De modo a se fazer pertinente o apelo à Teoria do Venire Contra Factum Proprium; consoante advertem, sobre o tema, autorizado magistério doutrinário e o próprio Supremo Tribunal Federal:

Impossibilidade de se prestigiar o comportamento contraditório do paciente, uma vez que “no sistema das invalidades processuais[,] deve-se observar a necessária vedação ao comportamento contraditório, cuja rejeição jurídica está bem equacionada na teoria do venire contra factum proprium, em abono aos princípios da boa-fé e lealdade processuais” [HC nº104.185/RS, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 5/9/11]. 5. Com efeito, “ninguém pode se opor a fato a que [tenha dado] causa; é esta a essência do brocardo latino nemo potest venire contra factum proprium” [ACO nº 652/PI, Pleno, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 30/10/14].

12. Decerto que —— considerados esses balizamentos principiológicos e normativos próprios ——, se o Estado vende um veículo ao administrado e, em passo seguinte, passa a imputar-lhe, por ter comprado esse veículo por ele alienado ‘oficialmente’, uma infração penal, então isso significa, na melhor das hipóteses, que o ente estatal, presente, no ponto, a dogmática jurídico-penal, ‘participou’ —— para não se falar em ‘coautoria’ —— do ‘delito’.

13. O postulado da razoabilidade é conducente à presunção do que normalmente acontece, do ordinário, e não do bizarro, ou do extravagante.

13.1. No STF:

PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

O princípio da razoabilidade é conducente a presumir-se o que ocorre no dia-a-dia e não o extravagante.

14. Analogicamente, por inafastável imposição sistemática —— e o sistema do ordenamento jurídico brasileiro é uma ordem e não uma babel ——, também poder-se-á cogitar, de acordo com o valor do bem adquirido, da incidência, caso a caso, presente o Direito Penal do Fato, do postulado da insignificância, que arremessa para longe a tipicidade, na sua vertente material.

14.1. Ressalvada, em princípio, a existência da habitualidade delitiva, ou seja, do elemento subjetivo de ânimo —— a reiteração, relembre-se, cria uma presunção de habitualidade.

15. Um detalhe interessantíssimo é o de que a Portaria 75 do Ministério da Fazenda, atualizada pela Portaria 130, datada de 19/4/2012, determina:

O não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

15.1. Donde a necessidade de atualizar-se monetariamente valor de R$ 20.000,00, de que trata o art. 2º do mencionado ato normativo.

15.2. Dado que, segundo assentado —— de longuíssima data —— pelo Tribunal Pleno do STF, a correção monetária tem como escopo preservar o poder aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal provocada pela inflação.

15.3. O Tema Repetitivo 235/STJ —— 30/9/2009 ——, diz que:

A correção monetária é matéria de ordem pública, integrando o pedido de forma implícita, razão pela qual sua inclusão ex officio, pelo juiz ou tribunal, não caracteriza julgamento extra ou ultra petita, hipótese em que prescindível o princípio da congruência entre o pedido e a decisão judicial.

16. Esse valor —— de R$ 20.000,00 ——, corrigido monetariamente pela Selic, importa, hoje, na quantia certa de R$ 59.330,85. 

17. De tudo, a conduta a que se refere o item 1 deste artigo é manifestamente atípica, inexistindo, portanto, fundamento relevante para a instauração e ou prosseguimento do inquérito policial.

18. À autoridade policial —— como profissional do Direito, que atua com autonomia e livre convencimento técnico-jurídico motivado —— toca o dever, jurídico, inexorável, de deixar, mediante ato administrativo adequadamente motivado, que conta com presunção, constitucional, de validade —— sempre e quando, decerto, preenchidos os seus pressupostos e requisitos ——, de instaurar o inquérito policial, se estiver convencida da evidente atipicidade do fato.

18.1. No STF:

Evidentemente, a todos os órgãos estatais dotados de poderes normativos, judiciais ou administrativos, impõe-se a importante tarefa de realização dos direitos fundamentais.

18.2. A Teoria dos Poderes Implícitos —— Inherent Powers Theory ——, igualmente respalda esse entendimento.

18.3. Mais coloquialmente: quem pode o mais —— conduzir a investigação criminal por meio de inquérito policial —— pode o menos, ou seja, deixar, insista-se, sempre de maneira fundamentada, de instaurar o inquérito policial.

18.4. No STF, por exemplo, dentre outros precedentes, que aplicam a Teoria dos Poderes Implícitos: —— ADI 6875, ADI 4624, MS 35506, RE 570392, ADI 2838.

18.5. Esse fato —— a não instauração do inquérito policial —— por cautela e imediatamente, com toda a pressa e sem demora, portanto, tem de ser comunicado, pelo delegado de polícia —— ou autoridade policial —— ao juízo das garantias, via expediente próprio, documentado.

1. Pegunta-se se conduzir veículo automotor adquirido como sucata, via leilão público administrativo oficial2, realizado pelo DETRAN/SP, consuma —— ou não —— o crime a que se refere o art. 311, § 2º, III, CP.

2. O art. 311, CP utiliza, na nuclearidade própria inerente ao tipo penal, os verbos adulterar, remarcar ou suprimir.

3. O dicionário de português Oxford Languages informa que o vocábulo adulterar —— utilizado, pelo CP, também como rubrica lateral —— significa “introduzir alteração em; modificar; produzir falsificação em (esp. em documentos); defraudar; abastardar; alterar; corromper; deformar; descaracterizar; desfigurar; desvirtuar; deturpar; estragar; falsar; falsear; falsificar; modificar; viciar”.

4. Assim, a conduta de conduzir veículo automotor adquirido como sucata, via leilão público administrativo oficial, realizado pelo DETRAN/SP, nem mesmo em tese constitui infração penal; inexistindo a mínima base empírica idônea para proceder-se à apuração.

5. É que, diz-se consumado o crime “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal″.

6. Portanto, inexiste sequer tipicidade formal, ou sistemática; menos ainda material, ou conglobante. Lembre-se de que o veículo foi comprado pelos canais oficiais.

7. Soma-se a isso, ademais —— para fins de simples concessão dialética ——, que o tipo de que trata o art. 311, § 2º, III, CP, reclama, obrigatoriamente, a existência, por parte do agente, do elemento subjetivo do tipo, ou seja, do dolo8.

7.1. Dolo que, bem se sabe, tem como componentes necessários, essenciais e cumulativos, o conhecimento e a vontade —— nessa ordem; isto, é os elementos cognitivos e volitivos; o elemento cognitivo quer dizer que o agente tem conhecimento ou atua com conhecimento; e volitivo, mediante o qual a pessoa se propõe a causar o resultado9, ou quando está ciente de que a modificação do mundo exterior terá lugar ante a ordem natural das coisas, presentes os desdobramentos dos fatos, numa ordem normal dos acontecimentos.

8. Merece destaque que a Lei 15.276/2014, DOE/SP 3.1.2014, trata como infração administrativa, “comercializar ou utilizar veículo adquirido para desmontagem ou reciclagem″.

8.1. Diz ainda a Lei 15.276/2014, DOE/SP 3.1.2014:

Artigo 1º – Esta lei dispõe sobre a destinação de veículos terrestres em fim de vida útil, assim considerados:

§ 2º – Por ato do DETRAN-SP, serão destinados à alienação por meio de leilão, obrigatoriamente como sucata, os veículos incendiados, totalmente enferrujados, repartidos e os demais em péssimas condições, como tais definidos em portaria, vedada a reutilização de partes e peças e respeitados os procedimentos administrativos e a legislação ambiental.

8.2. Portanto, a lei paulista define como sucata “os veículos incendiados, totalmente enferrujados, repartidos e os demais em péssimas condições”.

8.3. O ente estatal, por evidente, não pode, então, vender ‘dolosamente’ como sucata, veículos NÃO “incendiados, totalmente enferrujados, repartidos e os demais em péssimas condições”, para, em passo seguinte, perseguir penalmente o comprador.

8.4. Trocando em miúdos, o Estado, ao assim proceder, viola a lei de regência, e, ao fazê-lo, pune o administrado, perseguindo-o penalmente, via aparato penal —— o poder punitivo formal. Esmagando-se, moendo-se, assim, o postulado da moralidade, expressamente previsto no art. 37, caput, Constituição federal:

Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema.

9. Existe, como se sabe, diferença entre as infrações penais e administrativas; bem simploriamente, a infração administra é uma falta, tal e como o é, por exemplo, o ‘avançar o sinal vermelho do semáforo’; a infração penal, contudo, pressupõe SEMPRE —— atente-se para o advérbio de tempo “sempre”!!! —— a existência de dolo ou culpa.

10. Por conta disso, o Estado, ao ‘criminalizar’ a compra de veículos automotores, levada a cabo de acordo com as normas por ele editadas, viola abertamente, ainda, o postulado da superioridade ética estatal; postulado da superioridade ética estatal que se extrai do princípio do Estado Democrático de Direito —— ou republicano, em sentido estrito. Isso porque o ente estatal retira abruptamente a segurança jurídica —— sob o ângulo subjetivo da confiança legítima —— por ele dada anteriormente contribuinte, ao leiloar oficialmente o bem, fazendo-o acreditar que a compra era firme:

O princípio da segurança jurídica, em um enfoque objetivo, veda a retroação da lei, tutelando o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Em sua perspectiva subjetiva, a segurança jurídica protege a confiança legítima, procurando preservar fatos pretéritos de eventuais modificações na interpretação jurídica, bem como resguardando efeitos jurídicos de atos considerados inválidos por qualquer razão. Em última análise, o princípio da confiança legítima destina-se precipuamente a proteger expectativas legitimamente criadas em indivíduos por atos estatais.

11. A isso se soma, ademais, que, o sistema do ordenamento jurídico brasileiro veda o comportamento contraditório —— notadamente pelo Estado ——, que, como já se disse, tem de o dever jurídico-constitucional de dar o exemplo!! De modo a se fazer pertinente o apelo à Teoria do Venire Contra Factum Proprium; consoante advertem, sobre o tema, autorizado magistério doutrinário e o próprio Supremo Tribunal Federal:

Impossibilidade de se prestigiar o comportamento contraditório do paciente, uma vez que “no sistema das invalidades processuais[,] deve-se observar a necessária vedação ao comportamento contraditório, cuja rejeição jurídica está bem equacionada na teoria do venire contra factum proprium, em abono aos princípios da boa-fé e lealdade processuais” [HC nº104.185/RS, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 5/9/11]. 5. Com efeito, “ninguém pode se opor a fato a que [tenha dado] causa; é esta a essência do brocardo latino nemo potest venire contra factum proprium” [ACO nº 652/PI, Pleno, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 30/10/14].

12. Decerto que —— considerados esses balizamentos principiológicos e normativos próprios ——, se o Estado vende um veículo ao administrado e, em passo seguinte, passa a imputar-lhe, por ter comprado esse veículo por ele alienado ‘oficialmente’, uma infração penal, então isso significa, na melhor das hipóteses, que o ente estatal, presente, no ponto, a dogmática jurídico-penal, ‘participou’ —— para não se falar em ‘coautoria’ —— do ‘delito’.

13. O postulado da razoabilidade é conducente à presunção do que normalmente acontece, do ordinário, e não do bizarro, ou do extravagante.

13.1. No STF:

PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

O princípio da razoabilidade é conducente a presumir-se o que ocorre no dia-a-dia e não o extravagante.

14. Analogicamente, por inafastável imposição sistemática —— e o sistema do ordenamento jurídico brasileiro é uma ordem e não uma babel ——, também poder-se-á cogitar, de acordo com o valor do bem adquirido, da incidência, caso a caso, presente o Direito Penal do Fato, do postulado da insignificância, que arremessa para longe a tipicidade, na sua vertente material.

14.1. Ressalvada, em princípio, a existência da habitualidade delitiva, ou seja, do elemento subjetivo de ânimo —— a reiteração, relembre-se, cria uma presunção de habitualidade.

15. Um detalhe interessantíssimo é o de que a Portaria 75 do Ministério da Fazenda, atualizada pela Portaria 130, datada de 19/4/2012, determina:

O não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

15.1. Donde a necessidade de atualizar-se monetariamente valor de R$ 20.000,00, de que trata o art. 2º do mencionado ato normativo.

15.2. Dado que, segundo assentado —— de longuíssima data —— pelo Tribunal Pleno do STF, a correção monetária tem como escopo preservar o poder aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal provocada pela inflação.

15.3. O Tema Repetitivo 235/STJ —— 30/9/2009 ——, diz que:

A correção monetária é matéria de ordem pública, integrando o pedido de forma implícita, razão pela qual sua inclusão ex officio, pelo juiz ou tribunal, não caracteriza julgamento extra ou ultra petita, hipótese em que prescindível o princípio da congruência entre o pedido e a decisão judicial.

16. Esse valor —— de R$ 20.000,00 ——, corrigido monetariamente pela Selic, importa, hoje, na quantia certa de R$ 59.330,85. 

17. De tudo, a conduta a que se refere o item 1 deste artigo é manifestamente atípica, inexistindo, portanto, fundamento relevante para a instauração e ou prosseguimento do inquérito policial.

18. À autoridade policial —— como profissional do Direito, que atua com autonomia e livre convencimento técnico-jurídico motivado —— toca o dever, jurídico, inexorável, de deixar, mediante ato administrativo adequadamente motivado, que conta com presunção, constitucional, de validade —— sempre e quando, decerto, preenchidos os seus pressupostos e requisitos ——, de instaurar o inquérito policial, se estiver convencida da evidente atipicidade do fato.

18.1. No STF:

Evidentemente, a todos os órgãos estatais dotados de poderes normativos, judiciais ou administrativos, impõe-se a importante tarefa de realização dos direitos fundamentais.

18.2. A Teoria dos Poderes Implícitos —— Inherent Powers Theory ——, igualmente respalda esse entendimento.

18.3. Mais coloquialmente: quem pode o mais —— conduzir a investigação criminal por meio de inquérito policial —— pode o menos, ou seja, deixar, insista-se, sempre de maneira fundamentada, de instaurar o inquérito policial.

18.4. No STF, por exemplo, dentre outros precedentes, que aplicam a Teoria dos Poderes Implícitos: —— ADI 6875, ADI 4624, MS 35506, RE 570392, ADI 2838.

18.5. Esse fato —— a não instauração do inquérito policial —— por cautela e imediatamente, com toda a pressa e sem demora, portanto, tem de ser comunicado, pelo delegado de polícia —— ou autoridade policial —— ao juízo das garantias, via expediente próprio, documentado.

1. Pegunta-se se conduzir veículo automotor adquirido como sucata, via leilão público administrativo oficial2, realizado pelo DETRAN/SP, consuma —— ou não —— o crime a que se refere o art. 311, § 2º, III, CP.

2. O art. 311, CP utiliza, na nuclearidade própria inerente ao tipo penal, os verbos adulterar, remarcar ou suprimir.

3. O dicionário de português Oxford Languages informa que o vocábulo adulterar —— utilizado, pelo CP, também como rubrica lateral —— significa “introduzir alteração em; modificar; produzir falsificação em (esp. em documentos); defraudar; abastardar; alterar; corromper; deformar; descaracterizar; desfigurar; desvirtuar; deturpar; estragar; falsar; falsear; falsificar; modificar; viciar”.

4. Assim, a conduta de conduzir veículo automotor adquirido como sucata, via leilão público administrativo oficial, realizado pelo DETRAN/SP, nem mesmo em tese constitui infração penal; inexistindo a mínima base empírica idônea para proceder-se à apuração.

5. É que, diz-se consumado o crime “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal″.

6. Portanto, inexiste sequer tipicidade formal, ou sistemática; menos ainda material, ou conglobante. Lembre-se de que o veículo foi comprado pelos canais oficiais.

7. Soma-se a isso, ademais —— para fins de simples concessão dialética ——, que o tipo de que trata o art. 311, § 2º, III, CP, reclama, obrigatoriamente, a existência, por parte do agente, do elemento subjetivo do tipo, ou seja, do dolo8.

7.1. Dolo que, bem se sabe, tem como componentes necessários, essenciais e cumulativos, o conhecimento e a vontade —— nessa ordem; isto, é os elementos cognitivos e volitivos; o elemento cognitivo quer dizer que o agente tem conhecimento ou atua com conhecimento; e volitivo, mediante o qual a pessoa se propõe a causar o resultado9, ou quando está ciente de que a modificação do mundo exterior terá lugar ante a ordem natural das coisas, presentes os desdobramentos dos fatos, numa ordem normal dos acontecimentos.

8. Merece destaque que a Lei 15.276/2014, DOE/SP 3.1.2014, trata como infração administrativa, “comercializar ou utilizar veículo adquirido para desmontagem ou reciclagem″.

8.1. Diz ainda a Lei 15.276/2014, DOE/SP 3.1.2014:

Artigo 1º – Esta lei dispõe sobre a destinação de veículos terrestres em fim de vida útil, assim considerados:

§ 2º – Por ato do DETRAN-SP, serão destinados à alienação por meio de leilão, obrigatoriamente como sucata, os veículos incendiados, totalmente enferrujados, repartidos e os demais em péssimas condições, como tais definidos em portaria, vedada a reutilização de partes e peças e respeitados os procedimentos administrativos e a legislação ambiental.

8.2. Portanto, a lei paulista define como sucata “os veículos incendiados, totalmente enferrujados, repartidos e os demais em péssimas condições”.

8.3. O ente estatal, por evidente, não pode, então, vender ‘dolosamente’ como sucata, veículos NÃO “incendiados, totalmente enferrujados, repartidos e os demais em péssimas condições”, para, em passo seguinte, perseguir penalmente o comprador.

8.4. Trocando em miúdos, o Estado, ao assim proceder, viola a lei de regência, e, ao fazê-lo, pune o administrado, perseguindo-o penalmente, via aparato penal —— o poder punitivo formal. Esmagando-se, moendo-se, assim, o postulado da moralidade, expressamente previsto no art. 37, caput, Constituição federal:

Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema.

9. Existe, como se sabe, diferença entre as infrações penais e administrativas; bem simploriamente, a infração administra é uma falta, tal e como o é, por exemplo, o ‘avançar o sinal vermelho do semáforo’; a infração penal, contudo, pressupõe SEMPRE —— atente-se para o advérbio de tempo “sempre”!!! —— a existência de dolo ou culpa.

10. Por conta disso, o Estado, ao ‘criminalizar’ a compra de veículos automotores, levada a cabo de acordo com as normas por ele editadas, viola abertamente, ainda, o postulado da superioridade ética estatal; postulado da superioridade ética estatal que se extrai do princípio do Estado Democrático de Direito —— ou republicano, em sentido estrito. Isso porque o ente estatal retira abruptamente a segurança jurídica —— sob o ângulo subjetivo da confiança legítima —— por ele dada anteriormente contribuinte, ao leiloar oficialmente o bem, fazendo-o acreditar que a compra era firme:

O princípio da segurança jurídica, em um enfoque objetivo, veda a retroação da lei, tutelando o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Em sua perspectiva subjetiva, a segurança jurídica protege a confiança legítima, procurando preservar fatos pretéritos de eventuais modificações na interpretação jurídica, bem como resguardando efeitos jurídicos de atos considerados inválidos por qualquer razão. Em última análise, o princípio da confiança legítima destina-se precipuamente a proteger expectativas legitimamente criadas em indivíduos por atos estatais.

11. A isso se soma, ademais, que, o sistema do ordenamento jurídico brasileiro veda o comportamento contraditório —— notadamente pelo Estado ——, que, como já se disse, tem de o dever jurídico-constitucional de dar o exemplo!! De modo a se fazer pertinente o apelo à Teoria do Venire Contra Factum Proprium; consoante advertem, sobre o tema, autorizado magistério doutrinário e o próprio Supremo Tribunal Federal:

Impossibilidade de se prestigiar o comportamento contraditório do paciente, uma vez que “no sistema das invalidades processuais[,] deve-se observar a necessária vedação ao comportamento contraditório, cuja rejeição jurídica está bem equacionada na teoria do venire contra factum proprium, em abono aos princípios da boa-fé e lealdade processuais” [HC nº104.185/RS, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 5/9/11]. 5. Com efeito, “ninguém pode se opor a fato a que [tenha dado] causa; é esta a essência do brocardo latino nemo potest venire contra factum proprium” [ACO nº 652/PI, Pleno, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 30/10/14].

12. Decerto que —— considerados esses balizamentos principiológicos e normativos próprios ——, se o Estado vende um veículo ao administrado e, em passo seguinte, passa a imputar-lhe, por ter comprado esse veículo por ele alienado ‘oficialmente’, uma infração penal, então isso significa, na melhor das hipóteses, que o ente estatal, presente, no ponto, a dogmática jurídico-penal, ‘participou’ —— para não se falar em ‘coautoria’ —— do ‘delito’.

13. O postulado da razoabilidade é conducente à presunção do que normalmente acontece, do ordinário, e não do bizarro, ou do extravagante.

13.1. No STF:

PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

O princípio da razoabilidade é conducente a presumir-se o que ocorre no dia-a-dia e não o extravagante.

14. Analogicamente, por inafastável imposição sistemática —— e o sistema do ordenamento jurídico brasileiro é uma ordem e não uma babel ——, também poder-se-á cogitar, de acordo com o valor do bem adquirido, da incidência, caso a caso, presente o Direito Penal do Fato, do postulado da insignificância, que arremessa para longe a tipicidade, na sua vertente material.

14.1. Ressalvada, em princípio, a existência da habitualidade delitiva, ou seja, do elemento subjetivo de ânimo —— a reiteração, relembre-se, cria uma presunção de habitualidade.

15. Um detalhe interessantíssimo é o de que a Portaria 75 do Ministério da Fazenda, atualizada pela Portaria 130, datada de 19/4/2012, determina:

O não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

15.1. Donde a necessidade de atualizar-se monetariamente valor de R$ 20.000,00, de que trata o art. 2º do mencionado ato normativo.

15.2. Dado que, segundo assentado —— de longuíssima data —— pelo Tribunal Pleno do STF, a correção monetária tem como escopo preservar o poder aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal provocada pela inflação.

15.3. O Tema Repetitivo 235/STJ —— 30/9/2009 ——, diz que:

A correção monetária é matéria de ordem pública, integrando o pedido de forma implícita, razão pela qual sua inclusão ex officio, pelo juiz ou tribunal, não caracteriza julgamento extra ou ultra petita, hipótese em que prescindível o princípio da congruência entre o pedido e a decisão judicial.

16. Esse valor —— de R$ 20.000,00 ——, corrigido monetariamente pela Selic, importa, hoje, na quantia certa de R$ 59.330,85. 

17. De tudo, a conduta a que se refere o item 1 deste artigo é manifestamente atípica, inexistindo, portanto, fundamento relevante para a instauração e ou prosseguimento do inquérito policial.

18. À autoridade policial —— como profissional do Direito, que atua com autonomia e livre convencimento técnico-jurídico motivado —— toca o dever, jurídico, inexorável, de deixar, mediante ato administrativo adequadamente motivado, que conta com presunção, constitucional, de validade —— sempre e quando, decerto, preenchidos os seus pressupostos e requisitos ——, de instaurar o inquérito policial, se estiver convencida da evidente atipicidade do fato.

18.1. No STF:

Evidentemente, a todos os órgãos estatais dotados de poderes normativos, judiciais ou administrativos, impõe-se a importante tarefa de realização dos direitos fundamentais.

18.2. A Teoria dos Poderes Implícitos —— Inherent Powers Theory ——, igualmente respalda esse entendimento.

18.3. Mais coloquialmente: quem pode o mais —— conduzir a investigação criminal por meio de inquérito policial —— pode o menos, ou seja, deixar, insista-se, sempre de maneira fundamentada, de instaurar o inquérito policial.

18.4. No STF, por exemplo, dentre outros precedentes, que aplicam a Teoria dos Poderes Implícitos: —— ADI 6875, ADI 4624, MS 35506, RE 570392, ADI 2838.

18.5. Esse fato —— a não instauração do inquérito policial —— por cautela e imediatamente, com toda a pressa e sem demora, portanto, tem de ser comunicado, pelo delegado de polícia —— ou autoridade policial —— ao juízo das garantias, via expediente próprio, documentado.

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Opinião por Alexandre Langaro

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