A Constituição Federal de 1988 provou, no último domingo (2/10), às vésperas de seu aniversário de 34 anos e dia do primeiro turno das eleições de 2022, que seu partido é a democracia -à qual se filiam, simbolicamente, os defensores do Estado Democrático de Direito.
A Constituição estabelece, já no artigo 1º, que "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente". Votar significa exercer o poder em grau primário. Para uma democracia forte, é imperioso a garantia de eleições periódicas para que a sociedade eleja os seus representantes para exercer o poder estatal. No último domingo nosso país cumpriu sua vocação democrática e deu à nação um espetáculo de maturidade institucional. Nosso sistema eleitoral se mostrou, mais uma vez, seguro, célere e transparente. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou em tempo real a apuração em todo o país e, ainda no domingo, conhecemos o resultado do primeiro turno das eleições.
Ruy Barbosa, ao se despedir da atuação parlamentar no Senado, em novembro de 1904, declarou que "inspirado unicamente no gênio do direito, eu procurava dar à Constituição de que tinha sido um dos autores, a seriedade necessária, para que ela pudesse ser neste país a garantia de nossas liberdades e a sólida base de nosso futuro".
Passados quase 120 anos desse discurso, o ideal constitucional deste brilhante jurista permanece sólido. É preciso tratar com seriedade os preceitos constitucionais para que se possa firmar a liberdade em nosso futuro. Temos o mais longo período democrático em nossa história republicana e isso só pôde ser garantido com o fiel cumprimento aos ditames da Constituição de 1988, salvaguardados pelo Supremo Tribunal Federal e com respaldo de organizações civis como a Ordem dos Advogados do Brasil.
Em um contexto de intensa polarização política e de emergência de radicalismos, a Constituição Federal de 1988 se mostra de grande alento aos que defendem a democracia e o Estado Democrático de Direito. Momentos constitucionais são preciosidades no espaço e no tempo, em que os ideais de toda a nação se revelam transcritos em uma Carta Magna. No caso do nosso país, o fim da ditadura militar, período marcado pela tortura, corrupção e esfacelamento de direitos individuais e coletivos, possibilitou a reunião de diversos segmentos sociais e a garantia de sua voz. Esses grupos puderam ser vistos e respeitados, a exemplo de indígenas e quilombolas, que viram transcritos na Constituição o reconhecimento de sua própria existência.
Discursos que visam a suplantar a atual constituição ou que pretendam conferir-lhe interpretação que contraria a própria ordem por ela fundada, baseada no regime democrático e na separação dos poderes, são falsos remédios para crises que sempre existiram. Não solucionam, mas, antes, aprofundam problemas econômicos e sociais atávicos na história brasileira e que, certamente, não se resolvem com menos democracia e com ruptura institucional. Esses discursos representam uma armadilha perigosa, que ameaça todas as conquistas e avanços obtidos sob a Constituição de 1988.
A Constituição se faz no cotidiano dos tribunais e das ruas. O Supremo Tribunal Federal, como seu guardião, tem revelado a fidelidade ao que o Constituinte preceituou, inspirado na liberdade, democracia, respeito à diversidade e colocando-a como sólida base ao futuro, como Ruy Barbosa já almejava enquanto reflexo constitucional. Na qualidade de "base do futuro" é preciso se adaptar aos novos tempos, e isso tem se mostrado brilhante por parte da CF/88, que com boas, justas e fortes diretrizes tem iluminado os caminhos de nosso país.
Não olvidaremos a polarização política, que tem mostrado reflexos em nosso território. Pelas suas dimensões continentais, pululam às redes sociais mapas que combinam diversos indicadores, como de classe social, raça e religião às escolhas eleitorais, e muitas vezes essa análise se transfigura em preconceitos de diversas ordens. Isso não é admissível. A democracia se constrói no funcionamento legal, impessoal e moral das instituições e das pessoas, e na urbanidade com que se tratam os atores do jogo político - aí incluídos os eleitores. Este exemplo, tão atual, que se mostra nas ruas, mas rotineiramente surge nas redes sociais, encontra princípio solucionador na Carta Magna de 1988, quando em seu artigo 5º traz "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". Nossa Constituição, estandarte da democracia, já nos une e iguala enquanto nação há 34 anos.
A Constituição Federal de 1988 é expressão do desejo e da diversidade do povo brasileiro, que se desfez das amarras ditatoriais em prol do horizonte democrático em que hoje vivemos. Perpetuar esse horizonte é fundamento da democracia e nossa missão renovada neste 5 de outubro.
*Marcus Vinicius Furtado Coêlho, advogado, ex-presidente nacional da OAB e atual presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da entidade