O Código de Defesa do Consumidor prevê textualmente que fabricantes e importadores são responsáveis pelo reparo ou troca de produtos com algum vício, por eles fabricados, importados ou comercializados. Porém, a lei nada fala quanto ao local da compra, de modo que não há previsão legal quanto ao dever de reparo/troca para produtos adquiridos no exterior.
Certo é que o legislador buscou abranger situações de consumo ocorridas no Brasil, porém, não pode ser afirmado que era desejo do legislador excluir as compras realizadas no exterior.
Em regra, a garantia contratual própria de bens comercializados no Brasil não se aplica a produto comprado no exterior, pois os bens de consumo advindos de país estrangeiro não gozam da mesma proteção jurídica conferida em favor do consumidor que celebrou negócio em território nacional. A resolução da controvérsia será da competência do juízo brasileiro, sendo possível a aplicação da lei consumerista contra pessoa jurídica estrangeira domiciliada no Brasil (agência, filial ou sucursal) ou em caso de oferta de garantia global pelo fabricante.
No mesmo sentido, os consumidores, ao contratarem um serviço fora do país, muitas vezes não conseguiam reaver o valor pago, diante da falha da prestação de serviços. Cita-se por exemplo, uma relação no qual o consumidor contratou um hotel nos Estados Unidos e, ao chegar lá, percebeu que as fotos não correspondiam à realidade. Ou de outra forma, que o Hotel sequer existia.
Em recentíssimo julgamento, ocorrido no mês passado, o STJ julgou controvérsia resumida em saber se a Justiça brasileira seria competente para processar e julgar a ação de rescisão de contrato de negócio jurídico celebrado em território mexicano, para ali produzir os seus efeitos, tendo como contratadas pessoas físicas domiciliadas no Brasil.
Inicialmente, o artigo 22, II, do Código de Processo Civil, contém norma específica acerca da competência da autoridade judiciária brasileira para conhecer de demandas decorrentes das relações de consumo, desde que o consumidor tenha domicílio ou residência no Brasil. No entanto, em sentido contrário, o artigo 25, afasta a competência da autoridade judiciária brasileira para o processamento e julgamento de ação diante da existência de cláusula de eleição de foro estrangeiro em contrato consumerista internacional.
Porém, o Código de Defesa do Consumidor prescreve como garantia do consumidor a facilitação da defesa dos seus direitos, permitindo ao juiz a declaração de nulidade de cláusulas consideradas abusivas. Tanto é assim que o Superior Tribunal de Justiça orienta no sentido da nulidade de cláusula de eleição de foro a partir da demonstração do prejuízo ao direito de defesa e de acesso ao judiciário.
Este foi o argumento utilizado pelo STJ, na resolução da demanda Judicial, no qual foi afirmado que a ação poderia ter seguimento no Brasil, buscando, desta forma, seguir a tendência mundial na facilitação dos direitos do consumidor, tendência esta prevista no Regulamento 1215/2012 da União Europeia.
Do ponto de vista jurídico, a recente decisão será benéfica para todos os consumidores que, no decorrer dos anos, tiveram supridos os seus direitos básicos diante do conflito de competência entre países. É o que se espera de um mundo cada vez mais globalizado.
*Samira de Mendonça Tanus Madeira é advogada (OAB/ RJ 174.354), com especialização em Direito Processual Civil, Planejamento Sucessório e Direito Imobiliário. Extensão em Contract Law; From Trust to Promisse to Contract - Harvard University e Direitos Humanos e Novas Tecnologias pela Universidade de Coimbra. Sócia do escritório Tanus Madeira Advogados Associados, fundado em 1983, com unidades nas cidades do Rio de Janeiro e Macaé- RJ